Termômetro da atividade econômica, as operações de fusões e aquisições (M&As, na sigla em inglês) totalizaram R$ 18,98 bilhões no Rio Grande do Sul em 2022. A cifra representa avanço de 8,8% sobre os R$ 17,44 bilhões apurados um ano antes e contraria o desempenho nacional, cuja queda foi de 55,7% — passando de R$ 694,70 bilhões para R$ 307,99 bilhões, em idêntico período. Os dados são da Transactional Track Record (TTR) no Brasil, uma plataforma tecnológico-financeira que oferece serviços de inteligência de mercado em tempo real, a pedido de GZH.
Quando o foco se volta para a quantidade de negócios fechados (os deals, no termo originado do inglês), a consultoria internacional KPMG aponta para redução de 12% no cenário nacional com 1.728 transações, ante as 1.963 de 2021 — o melhor ano da série histórica que acompanha 43 setores e foi iniciada em 1996.
Na Região Sul, que detém participação de 12% nos M&As do país, o Estado obteve a menor retração: de 78 para 72 no mesmo recorte de tempo — ou 7,7%.
No Paraná, o tombo ficou acima de 50%, e em Santa Catarina bateu em 25,5%. Nas três unidades da federação, juntas, os deals diminuíram quase um terço: de 297, em 2022, para 203, em 2021.
O sócio da KPMG e coordenador da pesquisa Luís Motta explica que, a partir da pandemia, o processo de busca de empresas por soluções digitais foi acelerado, a fim de fazer frente às exigências do distanciamento social, o que levou as transações de M&As ao ápice no ano passado. Por isso, comenta o executivo, embora a queda em 2022, as negociações continuaram robustas, pois a base anterior estava bastante elevada. Por outro lado, ele antevê perda de tração para as aquisições que envolvem o segmento de tecnologia, o fiel da balança para o setor nos últimos anos.
— Em 2022, foi o segundo melhor ano, e um fator preocupante é que grande parte das transações é de tecnologias e esse segmento está mais desafiador. Houve muitos negócios durante a pandemia e os investidores, agora, estão cobrando mais resultados — avalia.
A Região Sul registrou 393 operações nesse segmento desde 2019. Em 2021, 157, ou seja, quase 40% do total. No ano passado, houve 98.
Para Luiz Guilherme Guimarães, sócio da área de M&A na Portofino Multi Family Oficce, mesmo que o segmento de tecnologia perca espaço, continuará com papel relevante. Segundo ele, no momento entram em voga dois setores bastante característicos dos Estados do sul. O primeiro, o agronegócio, em razão dos níveis recentes de profissionalização identificados na área. O segundo é a indústria, por conta da necessidade de reorganização logística mundial.
— Cresce a demanda por M&As nas empresas que exportam, por exemplo. Isso porque há uma tentativa de diminuir a dependência das cadeias de suprimentos da China, o que beneficia o Brasil, pois Estados Unidos e Europa buscam soluções por aqui e impulsionam aqueles com capacidade de exportação — diz.
O britânico Adam Pettersen, economista e sócio da Redirection, assessoria de Curitiba especializada em fusões com escritórios na Europa e nos EUA e com duas operações fechadas no RS em 2022, pondera que os principais freios previstos para 2023 são os cenários de juros, recessão e inflação mundial. A consequência, afirma, seria o afastamento do capital estrangeiro dos emergentes.
Em contrapartida, Pettersen argumenta que o Brasil é um mercado "muito grande" para passar ao largo do interesse mundial. Como exemplo, cita missão internacional realizada em dezembro ao Reino Unido que, segundo ele, aguçou o apetite dos investidores locais. Esse país ocupa a terceira colocação entre os principais injetores de recursos no Brasil.
Em busca de oportunidades e consolidação
Para o Rio Grande do Sul, Adam Pettersen, economista e sócio da Redirection, também aponta oportunidades com os processos de consolidação nos setores da saúde e educação, além de ativos ligados ao setor financeiro. É o caso da gaúcha Atitus Educação (antiga Imed), com base em Porto Alegre, Passo Fundo e Ijuí, e que já havia adquirido, em 2021, a Faculdade América Latina (FAL), de Ijuí.
Em 2022, incorporou a Fasurgs, faculdade especializada na área da saúde, de Passo Fundo, para agregar ao portfólio novos cursos e reforçar a presença na medicina. Conta com R$ 100 milhões, até 2026, para chegar aos mercados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Eduardo Cappellari, CEO da empresa, destaca que a tese de expansão está centrada no fato de não haver um grande player de educação com presença consolidada nos três Estados do Sul.
A ideia é prospectar alternativas dentro de cidades já mapeadas de acordo com o potencial. Outro braço, diz o executivo, mira as chamadas edutechs, ou seja, nativas digitais (empresas que já nascem do ambiente tecnológico), capazes de promover a inserção da Atitus de maneira mais efetiva na educação a distância.
Essa proximidade de conexões com o mercado permitiu que a empresa elevasse o número de matrículas em cursos presenciais em 45%, entre 2017 e 2021, último censo da educação, passando de 3,6 mil para 5,2 mil alunos, e encerrando 2022 com cerca de 6 mil alunos – alta de quase 67%.
Ampliação de portfólio
A nativa digital gaúcha Nelogica, líder no desenvolvimento de plataformas de investimento na América Latina, adquiriu em janeiro de 2022 a Akeloo, uma calculadora de imposto de renda para investidores, e a Comdinheiro, plataforma referência em análise e compilação de dados financeiros.
No caso da Akeloo, a compra agregou novo serviço a um produto já existente, o Profit, plataforma operada por traders e investidores para compra e venda de ações. Já a Comdinheiro inseriu a Nelogica em um segmento institucional que ainda não atuava.
— A Akeloo tornou mais completa a jornada do investidor em nossas plataformas, oferecendo uma ferramenta que calcula o imposto de renda sobre operações em diferentes classes de ativos, por exemplo. No caso da Comdinheiro, trouxe ao portfólio uma ferramenta de análise fundamentalista de mercado, para diferentes players, um serviço que ainda não oferecíamos — explica Fábio Kato, CFO e IRO da companhia.
Além da celeridade na oferta de novos serviços e produtos, como os oportunizados com as aquisições, a compra de empresas soma novos talentos, mais governança e pluralidade de visões para a companhia, novos expertises e também, é claro, base de usuários, lembra Kato.