Na esteira das sanções à Rússia, as alterações no cenário econômico mundial dão os primeiros sinais de influência sobre o desempenho das ações de empresas gaúchas listadas na bolsa brasileira, a B3. Em 15 dias de guerra na Ucrânia, altas próximas ou superiores a 10% nas companhias mais ligadas às exportações e a restrições na oferta de produtos do Leste Europeu, como commodities agrícolas e siderurgia, já são mais do que visíveis. Esse é o caso de SLC Agrícola e da Gerdau.
Já naquelas companhias que sentem mais intensamente a inflação e a perda do poder de compra, a exemplo de Renner e Quero-Quero, a trajetória é de queda, em alguns casos acima de 15%. Por isso, analistas de mercado delimitam uma separação evidente entre as performances.
De um lado, apontam, estão companhias que "importam" a elevação de custos associados aos conflitos e, com isso, terão suas margens encolhidas. Na outra ponta, há as que "exportam" preços e, em igual escala, são beneficiadas pelo aumento das expectativas de receitas.
No primeiro grupo, formado por varejistas como Renner, Quero-Quero e Grazziotin, entre outras dependentes das vendas internas, a situação coincide com panorama marcado por menos dinheiro para o consumo que não seja de primeira necessidade, caso dos alimentos e da energia, conforme explica o sócio-diretor da Fundamenta, Valter Bianchi Filho.
No centro da equação, está o petróleo, cuja alta atingiu 37,9% em 22 dias antes mesmo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, determinar a suspensão das importações russas dessa commodity essencial para mensurar custos em todas as cadeias produtivas mundiais.
Com viés idêntico, porém por razões distintas, as representantes do polo metalmecânico de Caxias do Sul, Randon e Marcopolo, são compradoras em larga escala de insumos no mercado internacional (aço, plástico, alumínio e demais componentes de metais industriais). Ambas, comenta Bianchi, ostentem baixas (de 12,3% e 15,4%, respectivamente), no mesmo período, e tendem a sofrer com essas matérias-primas.
"Diferentemente do choque no petróleo e no trigo, a matriz de custos dessas companhias gaúchas terá pressão. Ambas já eram impactadas na pandemia, agora, terão de acomodar a nova compressão nas margens"
VALTER BIANCHI FILHO
Sócio-diretor da Fundamenta
No entanto, Bianchi lembra: cada uma delas possui especificidades em suas receitas. Assim, a indústria de carrocerias Randon, em médio prazo, tende a ser ajudada indiretamente pelas vendas externas do agronegócio. Já a Marcopolo, fabricante de ônibus, fica mais amarrada às exportações para a América Latina.
Siderurgia
A falta de produtos da Ucrânia e da Rússia deixa brechas para que as siderúrgicas gaúchas Gerdau (GGBR4) e Panatlântica (PATI4) exibam altas respectivas de 9,3% e 12,1%, a partir do acirramento dos conflitos (de 18 de fevereiro até o fechamento do mercado desta terça-feira,8).
No caso da centenária Gerdau, com plantas industriais também fora do país e mais focada em aços longos (para a construção civil), as complicações associadas à proximidade da Turquia, outro concorrente mundial importante, com a guerra prejudicam o escoamento da produção da região em confronto, que passa pelo Mar Negro e desemboca no estreito de Dardanelos, em Istambul, analisa Bianchi.
— A retirada de Rússia e Ucrânia puxa o minério de ferro e joga os preços siderúrgicos para o alto. Distante do conflito, Gerdau se beneficia, ainda que sinta o revés dos custos de energia, entre ônus e bônus, os efeitos positivos nas receitas pesam mais — sustenta.
Igor Cavaca, gestor da Warren Asset, acrescenta que mesmo com a importação de algumas matérias-primas metálicas, a estrutura de exportação das empresas desse setor tende a performar muito melhor. A afirmação é válida para a Panatlântica, distribuidora de aço.
Em contrapartida, Cavaca alerta que quase a totalidade dos insumos serão impactados por uma potencial redução de demanda que paira no horizonte, em razão do choque de oferta no mundo. Segundo ele, ainda assim, a movimentação de produtos antes exportados pela Rússia fluindo para outros polos, onde o Brasil está melhor posicionado, é positiva.
Agro puxa a alta das companhias do Estado
Desde o dia 18 de fevereiro, quando os conflitos entre Rússia e Ucrânia foram acentuados, culminando na invasão comandada por Vladimir Putin no dia 24 do mesmo mês, as ações em bolsa das gaúchas ligadas ao agronegócio, como a produtora e exportadora de grãos SLC (SLCE3) e a fornecedora de infraestrutura de armazenagem Kepler Weber (KEPL3), subiram, pela ordem, 20,6% e 19,3%. A explicação está nos preços das principais commodities agrícolas e passa pela retirada dos mercados russo e ucraniano do mapa das exportações de trigo.
Com isso, a soja e o milho — produtos que podem substituir o trigo nas farinhas e são alternativas ao petróleo na produção de energia e combustíveis — negociados na Bolsa de Chicago têm altas de 6,4% e 15,3% respectivamente. O CEO da Bateleur, Fernando Marchet, explica: o que vale para as empresas da bolsa, também encontra reflexos nas não-listadas na B3.
A diferença, nesse caso, é que, para as companhias de capital aberto, há gestores de fundos globais com destinação específica de recursos demarcada para os mercados emergentes, caso do Brasil e da Rússia. Sendo assim, os papéis gaúchos ligados a commodities, apesar do revés esperado pela escassez de fertilizantes e a estiagem, já atraem fatias dos investimentos, antes alocados no Leste Europeu.
— No que diz respeito aos grãos, há melhora mais evidente, pois se beneficiam diretamente do valor nominal e mesmo que a margem fique igual, ou perca-se um pouco, o volume de resultados gerados potencializa a geração de caixa no futuro — assinala.
Setores
Marchet, entretanto, aponta para a movimentação verificada nas cadeias de proteína animal, que também dependem das commodities agrícolas. Nesse caso, afirma, a pressão de preços, em médio prazo, ocasionará efeito inverso, em razão da necessidade de ajuste na demanda, em setores relevantes para as vendas externas do Estado, como as carnes, principalmente de frango e suína.
"NO CURTO PRAZO, AS FAVORECIDAS SÃO AS QUE POSSUEM ESTOQUE DE INSUMOS PARA O SETOR PRIMÁRIO, MAS, LOGO ADIANTE, QUANDO SE CONSIDERA O AJUSTE DO MERCADO DE PROTEÍNA, TEREMOS FATOR RELEVANTE PESANDO SOBRE OS CUSTOS"
FERNANDO MARCHET
CEO da Bateleur
Igual situação se repete no setor calçadista, que usa componentes petroquímicos (derivados do petróleo) seja em solas, cabedais, adesivo ou em colas. O segmento, exportador por natureza, chegou a esboçar reação, entre dezembro do ano passado e janeiro de 2022, mas deverá ser impactado pela perda de competitividade nos mercados, projeta Marchet.
Além disso, conforme o CEO da Bateleur, mesmo que o Estado não conte com empresas de petróleo listadas, existem as distribuidoras de combustíveis gigantes, como a Charrua e a Rodoil. No processo de intermediação, argumenta, apesar do aperto nas margens, para preservar o consumidor final, já bastante castigado pela inflação, para esses grupos, os volumes de receitas serão maiores. Ou seja, mais dinheiro pela mesma quantidade de litros (produto).