Em menos de uma semana, os confrontos no Leste Europeu já deixam rastros na economia global. No Brasil e no Rio Grande do Sul não é diferente. A partir da entrada em vigor de uma série de sanções financeiras impostas pelos Estados Unidos e a União Europeia (UE) ao governo e às empresas russas, os efeitos emergem, seja nas cadeias produtivas ligadas ao comércio com os países em guerra ou nos setores mais dependentes de commodities, insumos químicos, petróleo e gás natural.
Entre as principais restrições, a retirada de sete grandes bancos do chamado sistema Swift gera reflexos imediatos para os meios de pagamento em operações internacionais com a Rússia. Guilherme Alves Gonçalves da Silva, professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) na disciplina de operações financeiras internacionais, explica que se trata de um consórcio de instituições destinado a esse tipo de operação de comércio exterior, sem o qual é impossível para o Brasil negociar com a Rússia.
Para o Estado, em específico, a medida susta a possibilidade de comprar produtos usados em escala na indústria petroquímica e de fertilizantes. Também impede o recebimento por vendas futuras de soja, tabaco e carnes.
Ainda assim, o economista da Universidade Federal do RS (UFRGS) Marcelo Portugal afirma que os efeitos mais específicos são dúbios. Ele aponta como um dos principais problemas o fornecimento de adubos, segmento essencial para a área mais dinâmica da economia gaúcha: a agropecuária.
Nesta quarta-feira (2), em declaração à imprensa, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chegou a pedir cautela com relação aos impactos. Segundo ela, apesar da relevância para o abastecimento de potássio e ureia, o país busca alternativas em mercados alternativos de fertilizantes.
Já o presidente Jair Bolsonaro utilizou as redes sociais para cobrar do Congresso a aprovação de projeto de lei que defende a liberação da mineração em terras indígenas. O objetivo seria, justamente, superar a dependência nacional dos produtos russos.
Nesse setor, a Rússia responde por um terço das compras externas nacionais e também representa 65% de todo o comércio bilateral com o Brasil. Por outro lado, comenta Marcelo Portugal, as pressões sobre a taxa de câmbio e o preço das commodities agrícolas colocam um ponto de interrogação sobre o cenário futuro por aqui. Ele lembra que Rússia e Ucrânia são grandes vendedores de petróleo, óleo, gás e trigo.
— Quando faltar o trigo, por exemplo, a demanda por milho e soja aumentará e trará elevação para as demais commodities. O RS é uma economia exportadora, assim como o Brasil nas commodities agrícolas, e, com câmbio e preços em alta, acaba se beneficiando — analisa.
O problema, diz, é que, diferentemente do restante do país, o Estado enfrenta uma das maiores estiagens da história, com perdas avaliadas em mais de R$ 36 bilhões. Nesse caso, explica o economista, além do encarecimento da próxima safra, a tendência é perder em quantidade muito mais do que eventualmente se poderia ganhar com os preços.
Indústria
No ano passado, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), o volume entre importações e exportações gaúchas para os países no centro do conflito somou US$ 921,8 milhões (US$ 886,8 milhões, ou 96% do total, com a Rússia e US$ 35 milhões com a Ucrânia). Significa que, dos US$ 32,8 bilhões que formaram a balança comercial local em 2021 (US$ 11,7 bilhões em importações e US$ 21,1 bilhões em exportações), o equivalente a 2,8% foi negociado apenas como os dois países em guerra.
O petróleo disparou e o Brasil é um player importante. O RS nem tanto. O minério de aço e os metais crescem em razão da importância da Ucrânia nos aços planos, setor em que atuam Usiminas, CSN, e, em menor escala, a gaúcha Gerdau. A guerra acaba complicando as cadeias de produção, mas essas empresas nacionais se beneficiam
VALTER BIANCHI FILHO
Sócio-diretor da Fundamenta Investimentos
Na indústria, onde está concentrada parcela significativa dessa relação comercial, o economista-chefe da Federação das Indústrias do RS (Fiergs), André Nunes de Nunes, atenta que em 2021, em razão da crise global nas cadeias de suprimento, o Estado voltou a importar naftas (compostos derivados da destilação do petróleo) para o setor petroquímico. Segundo ele, isso não acontecia há alguns anos, mas, em meio à desorganização gerada pela pandemia, o fornecimento foi compensado com Rússia e Ucrânia:
— É importante ter a noção de quão integrados são os mercados. Os impactos que já sentimos são os de aumento de custos, mesmo nas commodities indiretamente vinculadas a países em conflito, e isso chegará ao consumidor final.
Além dos efeitos específicos para o tabaco, a carne suína e os fertilizantes, Nunes atenta para questões mais complexas. De acordo com ele, os reflexos diretos das sanções já superam os que possam ficar restritos apenas ao ambiente comercial.
— O mundo ainda não conseguiu se organizar com a pandemia, o que impactou todos os negócios de uma forma generalizada. Basta ver o preço dos bens industrializados, como a cadeia automobilística, e, agora, soma-se isso a incerteza de uma guerra — pontua.
Pressão adicional sobre a inflação
O economista da UFRGS Marcelo Portugal lembra que as sanções impostas à Rússia são consideradas inéditas, a exemplo da retirada de bancos do sistema Swift. Por outro lado, a restrição exclui os bancos Gazprombank, principal meio para as transações no mercado de gás, e o Sberbank, maior instituição financeira do país de Vladimir Putin.
— O limite do protecionismo do Ocidente, até o momento, tem sido o próprio bolso. As sanções foram impostas, mas as que mais gerariam efeitos negativos no preço da gasolina e do gás para a indústria na Europa e nos Estados Unidos não foram colocadas em prática — argumenta.
As sanções não foram dirigidas para os principais setores, os gasodutos continuam operando. O que é interessante, pois é o produto de que a Europa mais depende da Rússia. A própria Rússia, até este momento, não está engajada na guerra econômica e não apresentou reações no sentido de bloquear fornecimento desses setores
AUGUSTO NEFTALI
Cientista político e professor do curso de Relações Internacionais da PUCRS
Apesar da constatação, acrescenta Portugal, a reação dos preços internacionais dá demonstrações de que os efeitos serão generalizados. Segundo ele, não importa em qual lado se concentre o foco das análises, todos convergem para uma pressão elevada sobre a inflação mundial, que, por aqui, deverá afetar desde o preço do pão até a gasolina.
Na mesma linha, o diretor da consultoria do setor petroquímico Maxiquim, João Luiz Zuñeda, afirma que ainda que a guerra "das armas" fique restrita ao Leste Europeu, o planeta já enfrenta uma "guerra mundial" na economia. Para o especialista, os "vasos comunicantes" existentes nas sanções impostas até agora não impediram que o barril de petróleo sofresse alta superior a 18%. Após romper a barreira dos US$ 110, na quarta-feira, ele antevê que, rapidamente, a cotação alcance o patamar de US$ 150.
— É preciso repensar e minimizar impostos, no sentido de reduzir o valor absoluto dos Estados e do governo federal, pois, com o petróleo a US$ 150, vai duplicar a receita de impostos, mas a inflação explodirá — projeta.
Para o Brasil e o Estado, além de não haver dependência da Rússia, diferentemente do que acontece com a Europa, no fornecimento de gás natural, a pressão sobre as cotações internacionais gera preocupações extras na indústria. Celulares, produtos eletrônicos e com componentes importados não deverão tardar a serem reajustados, argumenta.