Quem buscou trocar de carro nos últimos dois anos certamente levou um susto ao deparar com os valores. O preço dos automóveis novos disparou no mercado, com aumentos na casa dos 20%. Sem caber no orçamento e até por falta de oferta, os modelos zero-quilômetro abriram espaço para o mercado dos seminovos e usados, que segue aquecido.
Nos carros novos, a diferença de preço chega a ser de R$ 25 mil em alguns modelos intermediários, comparando o período anterior à pandemia de covid-19 e agora.
Os fatores que levaram à escalada de preços são de ordem mundial. O economista Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), explica que todos os insumos utilizados na fabricação dos carros tiveram aumento de custo, como é o caso do aço, do cobre e do alumínio. A “cereja do bolo” foi a crise dos semicondutores, que restringiu a produção em fábricas do mundo todo por falta do implemento.
– Poucos anos os automóveis tiveram aumentos tão acima da média da inflação. O histórico até 2020 é de carros cada vez melhores, mais equipados, e os preços subindo próximos à inflação. Aí veio 2020, que foi um caos, e muda essa equação. Teve aumento das commodities metálicas e de energia, que também é um insumo significativo – diz Moreira.
Conforme indicador da Fipe, a inflação acumulada nos carros novos fechou 2021 em 19,97%, acima do índice geral, o IPC (9,73%). A entidade é também responsável pela elaboração da Tabela Fipe, que serve de referência para compra e venda de automóveis no país.
Outro levantamento, feito pela KBB Brasil, empresa especializada em pesquisa de preços de veículos, indicou que, considerando apenas os modelos 2022, a variação de preços chegou a 18,4% ao fim do ano passado.
– Carros de R$ 100 mil viraram R$ 140 mil – comenta o gerente de operações da concessionária Sponchiado Jardine Chevrolet, André Spolidoro.
Um Onix, considerado líder da categoria e um dos mais vendidos no Brasil, que custava cerca de R$ 70 mil pré-pandemia, hoje é encontrado por R$ 95 mil, dependendo do modelo.
Já um Polo, que chegou a ter versões a partir de R$ 49 mil no lançamento, hoje não sai por menos de R$ 70 mil, cita o gerente de compras da Panambra, revenda Volkswagen na Capital, Ricardo Hermann Pimentel Junior.
Seminovos e usados como opção
O cenário de carros novos inflacionados levou a uma migração da demanda para o mercado de seminovos e usados. Primeiro, por falta de opção de modelos disponíveis. Segundo, já retomadas as fabricações, porque os altos valores dos carros novos deixaram de caber no bolso dos brasileiros.
Além disso, os preços dos veículos usados costumam ser mais diversificados, ampliando o leque de opções dos consumidores.
– Seminovo tem carro de tudo que é preço – diz o gerente da Panambra.
No Rio Grande do Sul, o mercado de carros seminovos e usados vive forte aquecimento, confirma o presidente da Associação dos Revendedores de Veículos Automotores do RS (Agenciauto/Fenauto-RS), Rodrigo Dotto. De 2020 para 2021, o setor registrou aumento geral de vendas de 12%. Avanço em cima de uma base que já vinha alta, de cerca de 30% no ano anterior.
– Hoje, com R$ 60 mil ou R$ 70 mil, tu chegas numa loja de seminovos e tem muitas opções de carros com cinco anos. Compra caminhonete, compra SUV. Com R$ 100 mil, que iria comprar um popular completo, compra uma SUV com pouco tempo de uso. Acaba que realmente abre bastante mercado. E, para o consumidor, ainda é um cenário bom de compra. Enquanto as concessionárias tiveram de reduzir, as lojas de seminovos se adaptaram e estão com mais produtos – avalia Dotto.
A maior procura pelos modelos de segunda mão ajudou a elevar os preços também nesse segmento. Segundo indicador da Fipe, a alta nos automóveis usados chegou a 34,15% em 2021. Já conforme o monitor da KBB Brasil, a variação média de preços nos carros entre quatro e 10 anos de uso subiu 22,46% no ano passado.
No Rio Grande do Sul, a Agenciauto aponta aumento de 24% nos preços dos seminovos no último ano. O gerente da concessionária Panambra, que também negocia seminovos, cita modelos que custavam R$ 30 mil e hoje estão na faixa de R$ 39 mil.
– O consumidor está em um caminho muito desafiador. Mas as pessoas já estão percebendo o que precisam procurar para atender suas necessidades de consumo e estão aprendendo a consumir o seminovo – diz Spolidoro, da Jardine.
Patamar elevado
Embora o setor produtivo projete melhora para o segundo semestre, o economista da Fipe avalia que o ano ainda será desafiador para o setor diante dos juros elevados, que afetam a comercialização dos automóveis.
E acredita que não há mais espaço para aumento de preços. Os modelos disponíveis no mercado acabaram ficando mais caros, até para cobrir o aumento de custos de produção. Mas o consumidor, por outro lado, não teve aumento de renda equivalente para seguir consumindo.
Os preços estão lá em cima, mas o brasileiro não teve aumento de renda proporcional
GUILHERME MOREIRA
Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
– Não tem nenhum sinal de queda ainda. Esses carros subiram tanto de preço que o problema vai começar a mudar de figura. O problema do ano passado era pouco carro disponível e muita gente querendo comprar. Agora, os preços estão lá em cima, mas o brasileiro não teve esse aumento de renda proporcional. O mercado de usados com certeza continuará aquecido, mas também já subiu muito, e o mercado de novos não tem mais como subir. Se subir mais, as vendas vão sentir – analisa Moreira.
Os primeiros dados do ano já apontaram para o cenário de dificuldades. Em janeiro, a queda na venda de veículos no país foi de 26,1% em relação ao mesmo mês de 2021, conforme balanço da Fenabrave, associação que representa as montadoras. Embora já esperada num cenário normal de início de ano, a retração veio pior do que a expectativa do setor.
Menos carros de entrada
As maiores exigências de segurança, de emissões, e a tecnologia embarcada tornaram os carros mais completos nos últimos anos. Ar-condicionado, direção hidráulica e vidro elétrico, que eram considerados opcionais, hoje são itens já inclusos na maior parte dos modelos.
Com isso, as principais montadoras estão eliminando os veículos básicos do seu portfólio. Os carros populares, classificados como "carros de entrada", aos poucos passam a sair de linha. Fiat e Volksvagen já optaram por encerrar a produção dos modelos Uno e Gol no Brasil. A GM também encerrou as vendas da linha Joy no país.
– As montadoras que não levam em conta só preço, e sim produto, estão praticamente eliminando os veículos básicos, que quase já nem existem mais. Todos os carros têm seis airbags, motores super econômicos, turbo e um pacote de opcionais – diz Spolidoro.
O alto custo torna a produção dos modelos mais simples quase inviável.
– Os carros mais caros deixam um valor agregado maior para a indústria – completa Moreira.