Em linha com as projeções do mercado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa Selic em 1,5 ponto percentual, rompendo, pela primeira vez em quase cinco anos, o patamar de dois dígitos.
O aumento, confirmado nesta quarta-feira (2), é o terceiro de igual magnitude e o oitavo verificado desde março do ano passado, quando teve início o novo ciclo de altas na taxa básica de juros da economia brasileira, agora, fixada em 10,75% ao ano.
A decisão da primeira das oito reuniões agendadas para 2022 dá continuidade aos esforços para conter o avanço da inflação no país. Esse é o principal instrumento de política monetária para influenciar empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras. Quanto mais elevada a Selic, menor é a atividade econômica e, por consequência, espera-se que diminua a pressão sobre os preços.
A má notícia é que, na visão de analistas, esse não deve ter sido a último acréscimo do exercício. O próprio comunicado oficial deixou as portas abertas para um novo aumento no próximo encontro do Copom, marcado para os dias 15 e 16 de março.
" Em relação aos seus próximos passos, o Comitê antevê como mais adequada, neste momento, a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros. Essa sinalização reflete o estágio do ciclo de aperto, cujos efeitos cumulativos se manifestarão ao longo do horizonte relevante. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária”, diz o texto divulgado após o encerramento da reunião.
O comunicado ressalva que a inflação ao consumidor seguiu “surpreendendo negativamente” e destaca que, por um lado, a possível reversão, ainda que parcial, do aumento nos preços das commodities internacionais em moeda local “produziria trajetória de inflação abaixo do cenário de referência”.
Por outro lado, diz o texto, as políticas fiscais que implicam no impulso adicional da demanda agregada ou piorem a trajetória fiscal futura podem gerar impacto negativo em ativos considerados importantes. Conforme a nota, as incertezas seguem “desencorajando” as expectativas de inflação, apesar de um desempenho mais positivo das contas públicas.
O economista e professor da UFRGS Marcelo Portugal lembra também que, depois de um ano, a chamada taxa real ficará positiva, ou seja, acima da inflação (10,06% em 2021). Com isso, a diferença chegará próxima de 0,75 ponto percentual, o que ainda é insuficiente para controlar a alta disseminada na economia brasileira.
— Não apenas teremos esse aumento como novas elevações de forma subsequente. Não pararemos antes de 12% ou 12,25% — sustenta.
O economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, concorda. Segundo ele, os juros em dois dígitos serão prolongados por 12 meses ou mais. Só então, comenta, deve ocorrer um ajuste lento e gradual com tendência de queda para a Selic em direção a denominada taxa de equilíbrio (sem pressão pelo lado da oferta ou da demanda) que seria entre 7,5% e 8% ao ano.
Pressão
Oscar Frank também chama atenção para os fundamentos da movimentação atual nos juros. Um deles, analisa, está ligado a deterioração das expectativas para a inflação nos 45 dias de intervalo entre a última reunião do Copom, em 2021, e a primeira de 2022.
Neste aspecto, em dezembro passado, o Relatório Focus do próprio BC previa que o índice oficial, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), encerraria este ano em 5,02%. Agora, a mesma fonte projeta o indicador em 5,38%, ou seja, acima do teto da meta estipulado para o período, de 5% e com margem para mais alterações. As explicações, comenta Frank, passam por conjunturas externas e internas:
— Por um lado, observamos o arrefecimento da crise hídrica em razão da chuva nas regiões mais prejudicadas do país, por outro, a alta é significativa no barril de petróleo lá fora. Além do desequilíbrio entre oferta e demanda houve um fator novo ao longo das semanas que foi o conflito entre Rússia (terceiro maior produtor com cerca de 10% da produção mundial de petróleo) e a Ucrânia.
O sócio-diretor da Fundamenta Investimentos Valter Bianchi Filho acrescenta que os preços no setor energético, de petróleo e combustíveis, contrabalanceados por uma queda do dólar, podem tornar o descompasso da inflação mais dificultoso. Além disso, ele destaca a pressão sobre os preços das commodities agrícolas, em razão da severa estiagem que atinge os países da América do Sul.
— Este é o nome do jogo: petróleo versus dólar. Se o câmbio cair em maior proporção do que o petróleo subir, os efeitos serão mais positivos para o controle da inflação — sintetiza.
Repercussão
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Porcello Petry, considera o aumento de 1,5 ponto percentual na taxa Selic ocorre porque o cenário doméstico mostrou-se com uma inflação mais disseminada e houve piora na expectativa sobre a atividade.
O dirigente ressalta, porém, que a elevação causa um pouco de preocupação "pois a elevação dos juros bancários torna mais alto o custo do capital de giro, necessário às indústrias”. Conforme Petry, aliado aos problemas domésticos há o cenário externo, com o Banco Central dos Estados Unidos (Fed) adotando um tom mais duro em sua comunicação sobre a condução da política monetária.
— O Banco Central age de maneira responsável no combate à pressão sobre os preços, para que o ciclo de alta tenha um menor custo em termos de atividade e emprego — observa.