O prazo para todos os municípios brasileiros se adequarem às normas do novo marco legal do saneamento básico se encerra nesta quinta-feira (31), o que inclui ajustar os contratos firmados com empresas a exemplo da Corsan, no Rio Grande do Sul.
As prefeituras que não assinarem aditivos para incluir as metas de universalização na oferta de água e rede de esgoto passam a ficar em situação irregular e podem encontrar dificuldades para receber novos investimentos diretos, obter financiamentos ou participar de programas federais para o setor.
A Corsan não divulga o balanço parcial de quantas das 317 prefeituras sob sua responsabilidade se adequaram até o momento, e a Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs) deverá fazer um levantamento sobre a situação de todas as cidades gaúchas nos próximos dias, mas relatos indicam que nem todas deverão cumprir o prazo.
As cidades de todo o país têm a obrigação de ajustar os contratos de prestação desses serviços a fim de prever o atendimento de 99% da população com água potável e 90% com esgotamento sanitário até 2033, conforme estabelece o novo marco legal do setor assinado em 2020. Para converter essas metas em realidade, é preciso incluí-las nos contratos vigentes e adequar as condições econômicas a esses novos parâmetros, garantindo a capacidade financeira para executá-los. Isso envolve questões como a duração dos novos acordos e o cálculo das futuras tarifas.
Essa tarefa envolve tanto prefeituras que têm os chamados contratos de programa (feitos diretamente, sem necessidade de licitação, maioria no RS) com empresas estatais como a Corsan, quanto aqueles com contratos de concessão via licitação ou responsáveis diretamente pela prestação do serviço. Uma lei estadual previu o prazo inicial de 16 de dezembro do ano passado para as prefeituras que desejassem assinar um aditivo especificamente com a Corsan – nesse caso, recebiam vantagens adicionais como ações no processo de privatização da companhia, que deve se concretizar até julho.
– Até aquele período, aderiram 76 municípios que respondem por pouco mais da metade do faturamento da empresa, e incluíam nove das 10 maiores cidades atendidas. A partir de agora, quando se encerra o prazo federal, quem não assinar fica em situação precária. Ainda será possível assinar o aditivo, mas, até isso ocorrer, ou buscarem outra solução, ficarão com o contrato em situação precária – afirma o diretor-presidente da Corsan, Roberto Barbuti.
Ou seja, o serviço de saneamento seguirá sendo oferecido mesmo sem o ajuste no contrato, mas dificilmente os municípios em situação irregular receberão investimentos de maior porte.
– Não podemos penalizar o cliente, além de se tratar de um serviço essencial. Mas, para fazermos investimento de maior porte, que traz resultados em alguns anos, como qualquer empresa não podemos fazer isso sem embasamento contratual. Não é ameaça, é uma situação comum a qualquer empresa que precisa estar respaldada por contrato – diz Barbuti.
Mesmo as cidades que não têm acordo com a Corsan e adotam outro modelo de prestação de serviço precisam prever formalmente os novos objetivos de atendimento da população sob pena de perder acesso a recursos, na avaliação do advogado especialista e Direito Público e Regulatório Rafael Maffini, sócio-diretor do escritório Rossi, Maffini, Milman e Grando Advogados e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
– Há dois riscos principais: os municípios podem ficar com restrições para se integrar a políticas públicas federais e obter recursos para essa área, ou, em casos como o da Corsan, também pode ser instaurado processo administrativo que pode levar à caducidade do contrato ou a sua extinção por descumprimento, sendo necessário dar início a uma licitação para uma nova concessão – avalia Maffini.
Famurs vai fazer levantamento sobre situação das cidades do RS
Não há informação disponível no momento sobre o universo de cidades gaúchas que ficarão com contratos irregulares de saneamento a partir desta quinta-feira. A Corsan informou que só deverá divulgar um balanço envolvendo os seus contratos depois de vencido o prazo, e a Famurs pretende realizar uma pesquisa com todas as prefeituras para verificar quantas ainda precisam se adequar para não correr o risco de sofrer penalizações.
– Após a virada do mês, vamos fazer uma pesquisa para ver quem já assinou os aditivos para se adequar ao novo marco regulatório, sejam aqueles que têm acordo com a Corsan ou não. Sabemos que muitos assinaram, mas outros não – afirma o presidente da Famurs e prefeito de São Borja, Eduardo Bonotto.
Informações preliminares indicam que algumas localidades deverão lançar propostas de manifestação de interesse (PMIs) a fim de consultar eventuais interessados do setor privado em assumir o serviço para, em um segundo momento, publicar editais de licitação. Uma das possibilidades é formar consórcios de municípios menores para ganhar escala e facilitar as condições econômico-financeiras para a prestação do serviço e o atingimento das metas do marco do saneamento básico.
Presidente da Corsan, Roberto Barbuti acredita que muitos prefeitos ficaram com a impressão equivocada de que a assinatura do aditivo com a empresa significaria um aval ao processo de privatização em andamento. Segundo o dirigente, são processos independentes entre si.
Perguntas e respostas
O que é o marco do saneamento?
É uma nova legislação, sancionada pelo governo federal em 2020, que, entre outras determinações, estabelece metas de universalização para 2033 no país. Até lá, os prestadores de serviço terão de atender 90% da população com coleta e tratamento de esgoto, e 99% com acesso a água potável.
Por que as prefeituras precisam ajustar os contratos de saneamento?
Porque é preciso prever nos contratos vigentes as novas metas de universalização de água e esgoto, demonstrar a capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços para dar conta desses objetivos e fazer eventuais ajustes como o tempo de duração dos contratos. Como será preciso investir mais recursos para alcançar as metas, prazos mais longos permitem aliviar o impacto sobre o cálculo da tarifa, por exemplo.
Há risco de interrupção no serviço de água ou esgoto?
Não. Trata-se de serviço essencial. Empresas como a Corsan já garantiram que seguirão cumprindo os contratos em vigor, mesmo aqueles que possam ser classificados como precários pela falta de adequação ao novo marco legal, ou seja, não inteiramente de acordo com a legislação vigente.
O que pode ocorrer com os municípios em situação irregular?
Na avaliação de especialistas, as cidades com contratos precários poderão ficar fora de planos de investimento mais ambiciosos, ter dificuldade para conseguir acesso a financiamentos ou participar de programas estatais de melhorias nesses setores, já que não terão total segurança jurídica.
Ainda será possível se adequar depois de vencido o prazo para ajustes?
Sim. Ainda é possível fazer os ajustes necessários. Mas, até que isso ocorra, a prefeitura fica em situação irregular, pode perder acesso a investimentos e ficar sujeita à fiscalização de órgãos de controle.
Como deverá ficar a tarifa?
Depende do cálculo a ser feito para custear os investimentos necessários e atingir as metas de universalização, de acordo com o tratamento tarifário a ser dado pela agência reguladora. No caso específico da Corsan, até isso ficar melhor definido, a empresa propõe manter a tarifa atual, em termos reais, com reajustes anuais pelo IPCA, até 2027, quando haveria uma revisão tarifária.
Quais prefeituras já se adequaram e quais ainda precisam fazer os ajustes?
Essa informação deverá ser consolidada nos próximos dias, após o final do prazo para regularização. A Corsan ainda não está divulgando quantos dos 317 municípios gaúchos sob contrato já assinaram aditivos, o que deve ocorrer apenas depois do dia 31, e a Famurs deverá fazer uma pesquisa com todas as prefeituras do Estado nos próximos dias para que isso seja melhor esclarecido — já que nem todas as cidades têm acordo com a Corsan.