Estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desde 2018, o moçambicano Beni Chaúque, 34 anos, chegou a Porto Alegre já com um objetivo claro: criar o protótipo de um sistema de desinfecção da água, por meio de espelhos que coletam a luz solar. A invenção, elaborada durante o mestrado do pesquisador, deu certo, e mata bactérias e cistos de protozoários em 90 segundos. A ideia é instalar o equipamento em locais sem saneamento básico, para que comunidades carentes tenham acesso à água potável.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2019, quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada. No Rio Grande do Sul, conforme levantamento do SNIS de 2018, a falta de acesso abrange 1,1 milhão de pessoas. Em média, 11 mil pessoas morrem por ano no Brasil de doenças ligadas à falta de saneamento básico. A criação de Chaúque pode ajudar a mudar essa realidade.
Hoje doutorando da UFRGS, no Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola e do Ambiente, o moçambicano teve a ideia de adaptar uma prática já comum em comunidades periféricas, de armazenar a água em garrafas pet e mantê-la ao sol ao longo de, pelo menos, seis horas, a fim de desinfetá-la. No protótipo de Chaúque, em vez de a água ficar parada, ela se mantém em fluxo contínuo graças a uma espécie de bomba de aquário, que a movimenta lentamente por um tubo. Primeiro, a água passa por um concentrador de calor, feito com espelhos. Depois, segue fluindo pelo sistema e passa pelo irradiador, no qual recebe os raios ultravioleta.
O sistema em fluxo contínuo acelerou o processo. Se antes era preciso seis horas ao sol para desinfetar 1 litro d’água, agora o tempo é de 90 segundos. O recipiente, capaz de tratar 360 litros de água por dia, custa cerca de R$ 1,8 mil para ser feito e pode ser uma solução para oferecer água potável a populações de áreas rurais, por exemplo.
— Além de os sistemas tradicionais de distribuição de água potável serem onerosos, eles não são os mais adequados para áreas rurais, onde as pessoas moram mais distantes umas das outras — relata o pesquisador, que tem o objetivo de instalar os equipamentos em margens de nascentes.
Tratamento eficaz
Chaúque revela que o primeiro teste foi com bactérias. Depois, o estudo avançou para micro-organismos como os cistos de protozoários, que são mais resistentes do que as bactérias e seguem sendo um desafio para os sistemas tradicionais de tratamento de água, já que são resistentes até mesmo ao cloro.
— Já estaríamos satisfeitos se a desinfecção fosse de 60%, mas para nossa surpresa, ela foi de 100%. Fizemos e refizemos testes para confirmar e, de fato, a desinfecção foi integral — comemora o moçambicano.
A expectativa do doutorando é que, em recipientes de maior proporção, a água precise ser exposta por menos tempo à radiação para ser desinfetada e o processo possa ser usado para abastecer comunidades em larga escala. Para isso, a UFRGS entrou com um pedido de patenteamento da invenção, que ainda que siga aguardando patente, já é a primeira criação da universidade a ter o registro de Tecnologia Verde, que passa por uma agilização no processo de recebimento do registro, devido a seu caráter sustentável, com baixo consumo de energia, e de relevância social.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Enquanto isso, Chaúque, sua orientadora, Marilise Brittes, e o coorientador, Antônio Benetti, exploram outros potenciais do sistema ao longo do doutorado do pesquisador, que também é professor na Universidade Rovuma, na cidade de Nampula, em Moçambique.
— Nossa ideia é tornar o sistema ainda mais sustentável, usando fontes de energia como o vento e o próprio sol. Também queremos ver se ele se presta para inativar vírus e fármacos, além de outros químicos que vão parar na água — descreve Marilise Brittes.
Em paralelo, a equipe busca parcerias para viabilizar o funcionamento de equipamentos com a nova tecnologia em comunidades.
— Quem sabe pode despertar a vontade nas pessoas de investir nesse sistema e transformá-lo em um sistema para as pessoas que precisam de água potável? É um equipamento que dispensa o uso de desinfetantes químicos, demanda pouca eletricidade e é simples de manusear, o que o torna acessível, barato e com potencial para contribuir significativamente para aumentar o acesso das pessoas — vislumbra o pesquisador.