A nova onda de grandes projetos de mineração que vinha ganhando projeção nos últimos anos perdeu força no Rio Grande do Sul e, das quatro iniciativas previstas em diferentes regiões gaúchas, apenas duas seguem em andamento – mas sob questionamentos do Ministério Público Federal (MPF).
Como resultado desse refluxo, de um volume próximo de R$ 2 bilhões em investimentos esperados se o conjunto de minas saísse do papel, quase R$ 1 bilhão foram perdidos ou não têm mais previsão de desembolso. Especialistas da área de mineração lamentam as perdas econômicas e de trabalho, enquanto ambientalistas consideram positiva a suspensão ou o cancelamento dos empreendimentos como sinalização de um futuro com menos impactos ambientais e mais iniciativas de energias renováveis no Estado.
Nos últimos dias, a Justiça Federal anulou o processo de licenciamento da Mina Guaíba, que previa a exploração de carvão, cascalho e areia em uma área escavada de 2 mil hectares (de um total de 4,5 mil hectares) entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, na Região Metropolitana, mediante um investimento de cerca de R$ 600 milhões. A decisão, à qual cabe recurso, apontou que os estudos ambientais tinham de considerar a presença de comunidades indígenas no entorno da mina, o que não foi feito.
Mas o cenário era desfavorável antes mesmo desse despacho: uma decisão judicial anterior já havia suspendido a análise da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), e a própria empresa Copelmi havia solicitado a paralisação no andamento do processo em razão de dificuldades burocráticas. O Piratini, que sempre demonstrou entusiasmo com a exploração carbonífera no local, também mudou de tom nos últimos meses.
— A gente precisa reduzir emissões (de poluentes), e isso envolve uma política, sim, de descarbonização a partir de mudança de matriz energética — declarou o governador Eduardo Leite em um podcast em setembro do ano passado.
Em outra frente, a empresa Nexa (ex-Votorantim Metais) confirmou em nota ter desistido do projeto de explorar zinco, cobre e chumbo na cidade de Caçapava do Sul, onde o investimento chegou a ser estimado, de forma preliminar, em R$ 371 milhões – o que resulta em uma perda potencial de R$ 971 milhões na soma das duas iniciativas interrompidas.
Por meio de nota, a Nexa informou que “não dará continuidade ao Projeto de Caçapava do Sul, que previa a extração e o beneficiamento de minérios de zinco, cobre e chumbo, uma vez que ele não manteve parâmetros de viabilidade econômica. A companhia ressalta que mantém a pesquisa e a busca por outras oportunidades e que o projeto de Caçapava poderá ter continuidade com outra empresa no futuro”.
Para o engenheiro de minas e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) João Felipe Costa, o que há por trás de decisões como essa é um ambiente pouco favorável a grandes projetos de mineração no Estado, atualmente.
— Não sei se é um viés ideológico contra a mineração que existe no Rio Grande do Sul, mas isso atrasa o Estado. A Nexa está saindo daqui e priorizando um projeto semelhante no Tocantins, por exemplo. O Rio Grande do Sul acaba espantando capital e investidores, que vão para outros lugares, porque a demanda por bens minerais continua no mundo inteiro — opina Costa, complementando que soluções de engenharia são capazes de reduzir eventuais impactos ambientais.
Já o engenheiro ambiental John Fernando de Farias Würdig, perito ambiental e técnico da Divisão de Impactos Socioambientais da Atividade de Exploração de Carvão Mineral do Instituto Internacional Arayara, sustenta que os gaúchos saem ganhando em proteção à natureza com a desistência ou suspensão desses projetos. Movimentos de moradores e de ambientalistas ganharam força nos últimos meses para se contrapor ao avanço dos planos de mineração – agora parcialmente freados.
— Espera-se que, a partir de agora, em nosso Estado comece uma transição energética justa, ecológica, sustentável e igualitária, alinhando-se, assim, às diretrizes estabelecidas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima realizada em 2021 em Glasgow, na Escócia — analisa Würdig.
Projetos remanescentes são questionados pelo MPF
Dos quatro grandes projetos de mineração que vinham tramitando no Rio Grande do Sul até os últimos meses, dois somam R$ 915 milhões em investimentos e seguem avançando. O Ministério Público Federal, porém, entrou com ações contra ambos por considerar que representam risco ambiental ou os processos de licenciamento têm falhas.
Uma das iniciativas é o Fosfato Três Estradas, que deverá produzir 300 mil toneladas anuais de fertilizante em Lavras do Sul, no sul do Estado. Já foram investidos R$ 80 milhões pela empresa Águia, que prevê ainda outros R$ 35 milhões em uma fase inicial. Já obteve licença prévia da Fepam e busca a de instalação (que permite início de obras). A última etapa é o documento de operação, que permite o funcionamento da estrutura.
O MPF, por nota, informou que busca a “nulidade de atos praticados no âmbito do licenciamento ambiental” por questões como “deficiências, incompletudes e omissões no Estudo de Impacto Ambiental”, ausência de audiência pública em áreas de impacto e de consulta prévia a pecuaristas familiares potencialmente afetados.
— O processo de licenciamento seguiu rigorosamente os trâmites previstos em lei, e o corpo técnico da Fepam, reconhecidamente um dos mais criteriosos e conceituados do país, foi extremamente diligente na revisão dos aspectos técnicos do EIA, culminando na sua aprovação e concessão da licença prévia para o empreendimento — sustenta o gerente de Desenvolvimento da empresa Águia, responsável pelo projeto, Luiz Clerot.
Clerot observa ainda que alterou o projeto original para eliminar uso de recursos hídricos, barragem e reduzir demanda de energia, com criação de cem empregos diretos.
Também no Sul, estudos de engenharia da Rio Grande Mineração para extrair titânio (usado na produção de pigmentos) e zircônio (matéria-prima da indústria de cerâmica) em São José do Norte seguem em detalhamento. O investimento total poderia chegar a R$ 800 milhões, com 1,5 mil empregos diretos na instalação e 350 na operação, segundo estimativas do empreendedor.
Neste caso, o MPF entrou com uma ação por considerar que a atividade se localizaria em “ambiente muito frágil, de baixa resiliência e alta vulnerabilidade a lesões de grande magnitude, onde vivem espécies ameaçadas de extinção”. O caso segue tramitando.
— Já recebemos licença prévia (do Ibama) e seguimos trabalhando em busca da licença de instalação. Mas é um processo naturalmente complexo e demorado — afirma o representante local da empresa, Aureliano Nóbrega.
A empresa sustenta que o empreendimento não prevê barragem, e o material não utilizado deve ser usado para recompor as áreas já lavradas, reduzindo o impacto sobre o ambiente.