Abalado por polêmicas ambientais e ações na Justiça, o projeto de abertura da Mina Guaíba para extrair carvão na Região Metropolitana enfrenta outro obstáculo.
O governo gaúcho, que até o ano passado defendia a exploração do mineral como política de Estado, passou a sinalizar um desembarque dessa iniciativa. Em encontros privados e declarações públicas, o governador Eduardo Leite prega o fim do uso do carvão e chegou a dizer que a mina prevista para ser escavada entre Eldorado do Sul e Charqueadas “não vai sair”. Em razão desse cenário, a iniciativa se encontra suspensa por solicitação dos próprios empreendedores e sem prazo para voltar a andar.
A postura do governo destoa de manifestações anteriores do primeiro escalão sobre a implantação de um complexo carbonífero que incluiria, em um segundo momento, a instalação de um polo carboquímico destinado a converter carvão em gás nas proximidades do Rio Jacuí. Quem costumava traduzir o posicionamento do Piratini em relação ao projeto era o ex-secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura e atual chefe da Casa Civil, Artur Lemos.
Em reportagem publicada por GZH em janeiro do ano passado sobre problemas ambientais observados em indústrias desse setor em países como Estados Unidos e China, Lemos defendeu a implantação do complexo carboquímico e lembrou que essa estratégia está prevista em uma lei de estímulo ao setor aprovada pela Assembleia Legislativa ainda na gestão do emedebista José Ivo Sartori (2015-2018). Também descartou o risco de problemas ambientais graves, temidos em razão da proximidade com o Parque Estadual Delta do Jacuí.
– Nós teríamos como ponto de partida uma tecnologia já muito mais desenvolvida e menos sujeita a problemas (do que a de outras unidades que apresentaram problemas ambientais) – declarou Lemos à época.
As afirmações do governador nas últimas semanas têm um tom bastante diferente. Em declaração ao Flow Podcast na sexta-feira (24), Leite disse:
– A gente precisa reduzir emissões (de poluentes), e isso envolve uma política, sim, de descarbonização a partir de mudança de matriz energética (...). O Rio Grande do Sul tem a maior parte da reserva de carvão do Brasil. Mesmo assim, eu entendo que a gente deve avançar na direção de acabar com esse tipo de geração.
Em seguida, o governador descartou a possibilidade de abertura da Mina Guaíba na Região Metropolitana, que seria o maior ponto de extração de carvão a céu aberto do país com área de 4,5 mil hectares (equivalente a 6,3 mil campos de futebol) – motivo de críticas de ambientalistas pela proximidade com o Jacuí e com zonas de preservação.
– É importante dizer aqui, falava-se muito sobre uma mina, a Mina Guaíba, no Rio Grande do Sul, que é uma mina de carvão que se tentava fazer a exploração... É importante dizer que está arquivado esse processo. Esse processo não está tramitando, está arquivado, essa mina não vai sair, no Rio Grande do Sul, para exploração desse carvão – garantiu Leite.
Procurado por GZH, o Piratini informou por meio de sua assessoria de comunicação que o governador fez referência a “um pedido do próprio empreendedor para arquivar administrativa e temporariamente o processo”. O diretor da Copelmi, Carlos Faria, afirma que foi solicitada uma “suspensão” do licenciamento em razão de dificuldades que se acumulam nos últimos anos, como ações judiciais e polêmicas ambientais. Mas ressalta que não é uma medida definitiva.
A Justiça Federal determinou que a Copelmi considere a presença de indígenas na área do empreendimento em seus estudos ambientais, por exemplo. Agora, outra questão a ser considerada pelos empreendedores para decidir se solicita a retomada da análise para licenciamento é a mudança de postura por parte do governo gaúcho.
– Fizemos um trabalho ao longo de vários anos junto a outros governos gaúchos e a este mesmo (de Eduardo Leite). Agora, aguardamos uma posição efetiva do governo, para lá ou para cá. Pedimos efetivamente essa suspensão (do projeto) para que possamos ter uma definição do próprio governo do que vai ser feito – afirma Carlos Faria.
Independentemente das posições públicas divulgadas pelo Piratini, a eventual aprovação do projeto depende da resolução dos problemas apontados nas ações judiciais, como a falta de análise sobre o impacto da extração do mineral em comunidades indígenas, e do reinício das análises ambientais por parte da Fepam. Até o momento, não há perspectiva de que isso seja retomado.
Copelmi defende transição gradual na matriz energética
A participação em um podcast não foi a única oportunidade em que o governador se mostrou contrário à extração do carvão em solo gaúcho nas últimas semanas. Em 14 de setembro, Eduardo Leite participou de uma teleconferência vinculada à iniciativa “Clima e desenvolvimento: visões para o Brasil 2030”, organizada pelo Centro Clima da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) e pelo Instituto Talanoa. Nesse evento, também descartou a continuidade do projeto da Mina Guaíba e apostou fichas na “descarbonização” do Estado.
– O governador fez uma consideração de que havia uma proposta de se abrir uma nova mina de carvão no Rio Grande do Sul, mas que isso estava arquivado e que precisamos fazer transição energética. Consideramos uma sinalização muito importante, porque sabemos que há forças políticas e econômicas que gostariam de mais investimento em carvão – observa a presidente do Instituto Talanoa e uma das organizadoras do evento, Natalie Unterstell.
Carlos Faria sustenta que a Copelmi não é contrária a uma transição energética que reduza a participação do carvão na matriz energética estadual em um prazo até 2050.
– A Copelmi tem consciência da (necessidade de) descarbonização ao longo do período, mas isso não pode se dar da noite para o dia. Tem de ser feita uma política de redução, de trabalho com cada região, de gerar novos empregos e migrar a mão de obra – observa Faria.
O diretor da carbonífera entende que, dessa forma, ainda seria possível conciliar a meta de maior preservação ambiental com a implantação do complexo carboquímico por meio de uma redução gradual do uso do mineral ao longo das próximas décadas:
– Temos praticamente 25 anos de hoje até 2050. Isso permite, em termos financeiros, desenvolver o projeto (carboquímico), gerar energia e fechar o projeto perfeitamente bem. Temos de aproveitar o que temos, dentro da consciência ambiental que nós também temos. A Copelmi trabalha há mais de 130 anos no Rio Grande do Sul.