A chegada do 5G, prevista para a metade do ano nas capitais do país, promete uma revolução disruptiva da internet e da telefonia móvel como conhecemos hoje. Uma evolução de velocidade que não deve ficar restrita às inovações tecnológicas, mas também ao mercado de trabalho, com novos postos e profissões, do técnico ao mais qualificado.
Conforme estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), as “tecnologias maduras”, que envolvem big data e analytics, nuvem e web mobile, serão as que mais demandarão novos profissionais nos próximos quatro anos. Somadas as mais diversas áreas de tecnologia, serão 673 mil postos de trabalho demandados até 2025.
Em 2021, um crescimento exponencial nas contratações durante a pandemia de covid-19 foi impulsionado principalmente pela transformação digital das empresas. Foram 123.504 novos empregos no país até setembro, superando a estimativa inicial para o ano e 183,2% superior ao acumulado registrado em 2020.
Com a tecnologia do 5G, a tendência é de que o mercado se movimente ainda mais. A expectativa é tanto por vagas diretas, de técnicos para novos equipamentos, antenas e sistemas, quanto pelas vagas indiretas, de desenvolvedores de produtos e de negócios que ainda vão surgir.
– Se observarmos o que aconteceu em gerações de internet passadas, o Uber, por exemplo, deu emprego não só para pessoas superqualificadas, como os engenheiros de software, mas também para motoristas, para o pessoal do RH, para advogados. O 5G vai ser um movimento exponencial nesse sentido. Vamos ter desde profissionais que são os mais claros da área, como engenheiros, pessoal de TI, passando por profissionais de outras áreas, como da comunicação, que vão ter mais possibilidades de informação, mais problemas de desinformação também, porque tudo vai ser mais rápido. Vão ser negócios novos a partir disso – projeta Eduardo Pellanda, professor da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS e coordenador do Plug Future Mobility Hub, liderado pelo Tecnopuc.
Sobra vaga, falta gente
O problema no meio deste caminho é que falta mão de obra. Para Julio Ferst, presidente da regional gaúcha da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro-RS), há uma dificuldade de mão de obra no setor de tecnologia da informação (TI) em geral.
– No Rio Grande do Sul, estamos beirando os 40 mil que faltaria de mão de obra até 2025 na área de tecnologia. Pessoas que podem escrever sistemas para essa comunicação utilizando a tecnologia nova. No Brasil, estima-se 400 mil, sendo que temos uma formação nacional na área de TI em torno de 50 mil ao ano. Ou seja, saem das universidades anualmente 50 mil novos jovens formados. Esses números são absurdos. E com o 5G, nos preocupa porque vai demandar novas profissões, novas formações – diz Ferst.
Profissionais de segurança da informação, de programação e pessoas habilitadas para análise de dados são exemplos de funções que cada vez serão mais exigidas. Bem como formações nos cursos de ciências, engenharias e matemática. Nas universidades, o tema já impulsiona tanto a criação de novos cursos técnicos e de graduação quanto o desenvolvimento de parques tecnológicos.
– De imediato, precisamos de muitos cursos de curta duração que habilitem os profissionais a essa nova tecnologia. Vai faltar mão de obra e precisamos dar esse giro imediato. Agora, se nós queremos surfar essa onda adequadamente, não sendo apenas usuários, mas desenvolvedores de novas aplicações, precisamos investir em formação robusta de graduação e pós-graduação – avalia Silvio Bittencourt, diretor da Unidade de Inovação e Tecnologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
– Se não tivermos capital humano adequado, vamos ser um país dependente, e não é isso que queremos. Essa tecnologia que chega até o final do ano promove alta velocidade em todas as conexões, e isso tudo precisa de profissionais preparados. Precisamos correr – acrescenta Ferst.
Em parceria com o Senac, o Tecnosinos construiu um programa chamado Talentos TI. A ideia é criar 3 mil profissionais até 2024 na área de Tecnologia de Informação e Comunicação para abastecer os postos que hoje têm vacância e suportar o crescimento exponencial.
Atualmente, o Tecnosinos já abriga empresas que desenvolvem softwares e hardwares para aplicações do 5G e no campo das chamadas IoT (internet das coisas). São empreendimentos em diversas áreas, como a saúde, com o desenvolvimento de biosensores que se conectam à rede e permitem o acompanhamento de variações de condição de saúde e informações em tempo real. Para isso, a infraestrutura de laboratórios é fundamental para aplicação e teste da tecnologia. O Instituto Tecnológico de Semicondutores, por exemplo, habilita testes e simulações para diversos tipos de sensores que operam em 5G.
Profissões em expansão
- Analista e Cientista de Dados
- Especialista em IA e Machine Learning
- Especialista em Big Data
- Especialista em Marketing e Estratégia Digital
- Especialista em Automatização de Processos
- Profissional em Desenvolvimento de Negócios
- Especialista em Transformação Digital
- Analista de Segurança da Informação
- Desenvolvedor de Softwares e Aplicações
- Especialista de IoT (internet das coisas)
Fonte: Conexis
Encurtando o caminho
Correndo contra o tempo, as empresas do ramo de tecnologia veem cada vez mais a necessidade de formar profissionais especializados. Focada em se colocar como líder em transformação digital no mercado, a Meta, criada em São Leopoldo, é uma das empresas que estão apostando na formação interna de carreiras.
Para isso, criou o programa Meta League. Por meio de instituições parceiras, a empresa sai em busca de profissionais potenciais no mercado para formação de base.
– Tem um conjunto de instituições parceiras como universidades, escolas técnicas e startups formando gente muito rápido que, em seis meses com um programa intenso de seis ou oito horas por dia, pega um profissional de outra área e coloca dentro do mundo digital. Fazemos conexão com essas empresas, trabalhamos em um processo de conhecimento dos profissionais e contratamos a cada três meses uma leva de 50 a cem profissionais. Fazemos uma formação dentro da Meta de três a quatro meses e o profissional entra no mercado de trabalho através desse processo – explica Claudio Carrara, vice-presidente da Meta.
O empresário lista algumas qualidades fundamentais para um profissional que quer mergulhar na área: capacidade de trabalhar com pessoas diversas, em equipe, de aprender rápido e entregar resultado.
– É muito focado em soft skills (habilidades pessoais), porque a parte específica da tecnologia, se a pessoa tem esse perfil, ela aprende muito rápido. Tendo alguém com vontade de trabalhar, a parte técnica a gente ensina. Se formos ver o modelo tradicional de formação universitária, não temos quatro anos para formar um cientista da computação. Tem um modelo muito mais atualizado de formação rápida, com os cursos avançados – afirma Carrara.
Foi o que aconteceu com o argentino Marcelo Amuchastegui, 71 anos. Engenheiro agrônomo de formação e morando há mais de quatro décadas no Brasil, passou a maior parte da carreira atuando na área de gerência comercial, até mudar completamente de ares, ingressando na programação.
Por meio do Meta League, entrou como desenvolvedor na empresa há cerca de sete meses e hoje é product owner – uma espécie de laço entre o desenvolvedor e o cliente, função sem conhecimento técnico específico e que desponta como promissora no ramo da tecnologia.
– Vi uma reportagem sobre a escassez mundial de mão de obra em TI, pesquisei e comecei a estudar programação sozinho, com cursos online. Até que fiz um curso na Labenu e o diretor disse que pediram uma indicação para a Meta – conta o aposentado sobre a entrada no programa.
Atento às mudanças que ainda virão com o mundo cada vez mais digital, especialmente pelo impacto do 5G, Amuchastegui avalia que a tecnologia vai tomar um espaço maior em todas as áreas, fazendo parte das mais diversas carreiras. Os dados e a internet das coisas (IoT) serão realidade na saúde, com a telemedicina, nos transportes, com os veículos autônomos, e na conectividade, com as cidades inteligentes.
– É uma carreira que não tem uma meta final, o horizonte é infinito, se trabalha em qualquer setor, em banco, na área agrícola, em qualquer lugar. A programação é um segmento da economia que permite trabalhar em qualquer área – projeta.
Teles começam a contratar
Nas empresas diretamente relacionadas ao desembarque da internet de quinta geração, as teles, a movimentação por postos de trabalho associados à tecnologia já começou. Na Unifique, empresa integrante de consórcio que arrematou lote para operar na Região Sul no leilão do 5G, 15 vagas de caráter técnico devem ser preenchidas até a metade do ano. A projeção é de que outras mil sejam criadas até 2025 para implementar a tecnologia.
– Estamos em uma fase de avaliação das soluções, do core tecnológico que vamos utilizar, para fazer os primeiros testes de 5G. Talvez o momento mais crítico seja esse de agora porque requer pessoas que tenham conhecimento avançado na tecnologia, nas soluções, que conheçam fornecedores diferentes – avalia o diretor de mercado da Unifique, Jair Francisco.
A obrigação da empresa pós-leilão é instalar 5G em 670 cidades de até 30 mil habitantes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
À medida que a operação for se estruturando e se encaminhe para a fase de, efetivamente, instalar a estrutura necessária, a tendência é de que os cargos sigam para um nível de emprego um pouco menos técnico, segundo Francisco:
– Cerca de 60% da estrutura de implementação do 5G é baseada na infraestrutura de fibra ótica e de comunicação já existente na nossa operação, não vamos começar do zero. Mas vamos precisar de muita gente porque são muitas torres, muitas antenas, muitos pontos.
Devido ao alcance menor das ondas, o 5G depende da ampliação do número de antenas para a internet rápida funcionar. Especialistas acreditam que a tecnologia precise de cinco vezes mais antenas do que o 4G, o que demandará profissionais para a instalação.
RS tem potencial
Apesar de padecer dos mesmos gargalos que o mundo todo enfrenta em relação à falta de mão de obra para tecnologia, o Rio Grande do Sul encabeça iniciativas que tornam o ambiente favorável para o desenvolvimento da área – sejam elas a criação de parques tecnológicos ou até a atração de eventos mundiais de inovação, como o South Summit, que terá Porto Alegre como sede em 2022.
– A universidade está tentando ser protagonista e puxando a sociedade para os hubs terem startups, empresas, associações e o governo, todos juntos em um interesse comum. Com todo o movimento de inovação que está tendo no Estado, com esses eventos que estão vindo agora, estamos tendo um bom preparo para este futuro que está apontando – diz Eduardo Pellanda, da PUCRS.
Na avaliação do vice-presidente da Meta, Claudio Carrara, o Rio Grande do Sul vem num movimento de ascendência, mas ainda precisa avançar:
– Temos boas universidades, bons cursos técnicos, mas existe um potencial ainda a ser explorado pelo Estado. Estamos fazendo bons movimentos, temos os parques tecnológicos, a criação do Instituto Caldeira, o programa +PraTI, mas segue a necessidade de formar mais rápido, porque isso acelera muito o crescimento do mercado.
Para Silvio Bittencourt, da Unisinos, em termos de infraestrutura e competência, o Rio Grande do Sul é um dos Estados mais bem preparados para se destacar com a nova tecnologia:
– Tem campo de aplicação, universidades, laboratórios. É a região com o maior número de doutores formados por habitante. Sem dúvida, temos infraestrutura e competência, mas não podemos perder tempo.