Enquanto centenas de cidades de Minas Gerais e Goiás enfrentam enchentes e inundações, a onda de calor e a estiagem castigam as lavouras e já deixam um prejuízo de R$ 45,3 bilhões nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Na quarta-feira, 12, os termômetros passaram dos 36ºC em cidades como Uruguaiana e Bagé, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
A soja e o milho, principais grãos da pauta de exportações brasileiras, são as culturas mais atingidas. Somente para os produtores gaúchos, as perdas podem ultrapassar R$ 19,7 bilhões, segundo estudo da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (Fecoagro).
No Paraná, o prejuízo é calculado em R$ 22,5 bilhões, enquanto Santa Catarina já perdeu R$ 1,5 bilhão. No Mato Grosso do Sul, apenas a quebra na soja já custou R$ 1,6 bilhão, mas o cenário pode se agravar.
Até a tarde da quarta-feira, ao menos 200 municípios gaúchos e as 79 cidades sul-mato-grossenses tinham decretado situação de emergência devido à seca, segundo a Defesa Civil. Os produtores rurais pedem rolagem de dívida e linhas de crédito sem juros.
A ministra da Agricultura e Pecuária, Tereza Cristina, esteve na quarta-feira em Santo Ângelo, no noroeste gaúcho, para verificar de perto a situação das lavouras. Ela visitou o sítio do produtor rural Dirceu Segatto, que há 40 anos produz milho, soja, leite e carne, e viu pastagens secas, açudes quase vazios e lavouras de soja com muitas falhas nas linhas. A ministra ouviu também reivindicações dos produtores.
O vice-governador Ranolfo Vieira Júnior entregou uma pauta de reivindicações que inclui a prorrogação no vencimento de contratos agrícolas e subsídio nas operações de crédito para a agricultura familiar.
Perdas
O presidente do Sindicato Rural de Santo Ângelo, Laurindo Nikititz, que também é pecuarista e participou do encontro, disse que os prejuízos já são irreversíveis para o milho e a soja. "Na região das Missões, o milho teve perdas de 80% a 100%. Na soja, estamos com quebra de 50% e pode piorar, pois está prevista uma frente de calor com sensação térmica de 50 graus. Vai dizimar as plantações, pois a soja não suportará esse calor sem umidade no solo", disse.
Segundo ele, houve chuvas esparsas na região, mas sem melhorar as condições do solo.
— Tem chovido de 15 a 20 milímetros, mas precisamos de 150 a 200 mm em três ou quatro dias. Além das perdas no milho, soja, arroz e na produção de uvas, o gado está sentindo muito. Os açudes estão secando e falta água para o gado tanto de corte quanto de leite. Os pastos naturais acabaram e nos cultivados, o gado está arrancando a grama com a raiz —, descreveu.
Conforme a federação das cooperativas, o impacto na soja chega a R$ 14,36 bilhões em valores que os produtores deixarão de comercializar. Já no milho, as perdas financeiras com a cultura atingem R$ 5,41 bilhões. O cálculo considerou a expectativa inicial de produção do IBGE e o porcentual de perdas apurado pela Rede Técnica Cooperativa e pela Fecoagro/RS, levando em conta os preços da primeira semana de janeiro.
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) encaminhou pedido de ajuda ao governo federal, incluindo crédito emergencial sem juros, flexibilização de garantias e ampliação automática do vencimento das operações vencidas por 180 dias. Conforme o presidente Eduardo Bonotto, que também é prefeito de São Borja, são necessárias medidas de curto prazo, pois agricultores familiares que dependem da lavoura para o sustento diário foram fortemente atingidos.
De acordo com a MetSul Meteorologia, a seca que atinge os Estados do Sul também afeta países vizinhos, causando um desastre de bilhões de dólares. Os prejuízos na agricultura da Argentina, Uruguai, Paraguai e sul do Brasil podem se agravar pela continuidade da seca até o final do verão.
A meteorologista Estael Sias, sócia-diretora da MetSul, explica que as frentes frias estão passando de forma muito rápida pelo Rio Grande do Sul e as chuvas vêm em pancadas irregulares, com volume de precipitação menor em relação a outros meses.
Mato Grosso do Sul
O produtor João Merlo, de 68 anos, avalia uma perda de 50% devido à falta de chuva desde o final do ano passado, em sua lavoura de soja, na região de Dourados, em Mato Grosso do Sul. A soja, plantada entre setembro e outubro, teve um enchimento de grãos muito abaixo do esperado.
— Tivemos muitos dias quentes e sem chuvas, por isso metade da produtividade foi pelo ralo — disse.
O produtor cultiva 750 hectares e adota todos os cuidados que considera necessários para obter alta produtividade.
— Trabalho há 35 anos com soja e, embora seja uma cultura resistente, precisa de umidade. Plantamos a área de várzea em setembro e o espigão em outubro, mas a produção não vai cobrir o custo — prevê.
Conforme o agrônomo e consultor agrícola Haroldo Pradella, na região de Dourados, em função da estiagem, a soja está ficando madura 20 dias antes da época adequada.
— Uma lavoura que tinha potencial para 60 ou 70 sacas por hectare, hoje vai produzir em torno de 30 ou 35. Prejuízo por volta de 50% — afirmou.
Para ajudar o setor produtivo a recompor as perdas em função da seca, o governador do Estado, Reinaldo Azambuja (PSDB) decretou estado de emergência nos 79 municípios. Em vigor por 60 dias, o decreto permite ao agricultor acionar o seguro, ampliar o prazo de pagamento das dívidas junto às instituições bancárias e obter ajuda estadual e federal. Conforme a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja/MS), 26% das lavouras, equivalentes a 970 mil hectares, estão em estado ruim.
A estimativa de produtividade das lavouras de soja foi revista de 56,38 sacas por hectare para 53,69 hectares. A previsão representa retração de 14,56% em relação à safra prevista, o que equivale a 1,04 milhão de toneladas - prejuízo de R$ 1,6 bilhão. O impacto foi maior nas regiões sul, sul-fronteira, sudoeste e sudeste, segundo o presidente da Aprosoja/MS, André Dobashi.
O secretário de Meio Ambiente e Agricultura do Estado, Jaime Verruck, disse que a estiagem teve relação direta com os números da safra, já que os índices de chuva estão muito abaixo da média.
— A nossa estimativa era chegar a 12,77 milhões de toneladas, mas ao longo da safra tivemos o problema da crise hídrica muito forte em dezembro, principalmente na região de fronteira, entre Dourados e Ponta Porã, onde ficam as áreas mais afetadas. Com isso, devemos ficar com produção em torno de 12,16 milhões de toneladas — calcula.
Segundo ele, muitas vezes dentro do mesmo município há áreas que tiveram chuvas, enquanto outras sofreram com a seca.
— Hoje, já temos ao menos mil pedidos de seguro agrícola — disse. No sul do Estado, quem plantou a soja um pouco mais tarde, ainda pegou as chuvas que caíram nos últimos dias em condições de ajudar a lavoura. — Plantei em novembro e a soja reagiu bem às chuvas desta semana. Vi que as plantas estão carregadas de vagens e estou apostando que a produção vai ser boa", disse a agricultora Erica Vilhalba dos Santos, secretária do Sindicato Rural de Antônio João, na fronteira com o Paraguai.
Outros Estados
No Paraná, a quebra na safra em função da estiagem chega a 40%, com um prejuízo estimado em R$ 22,5 bilhões, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria da Agricultura. As lavouras mais afetadas são a soja e o milho. Conforme o órgão, o relatório de 23 de dezembro indicava quebra de 12% na safra da soja, mas um levantamento extra, realizado na primeira semana de janeiro, mostrou que o porcentual de quebra subiu para 37,8%. No milho, a perda que era de 13% se acentuou, chegando a 42%.
A safra paranaense de soja, estimada inicialmente em 21 milhões de toneladas, havia caído para 18,4 milhões em dezembro e, no levantamento de janeiro, a produção prevista é de apenas 13 milhões. São 8 milhões de toneladas a menos que serão colhidas, o que resulta num prejuízo financeiro de cerca de R$ 20 bilhões. No milho, o prejuízo deve chegar a R$ 2,5 bilhões. Assim como outras lavouras e pomares, a produção de leite também foi afetada.
Em Santa Catarina, as perdas com a frustração das safras devido à estiagem já chegam a R$ 1,5 bilhão, segundo a Secretaria da Agricultura do Estado. A quebra maior aconteceu nas lavouras de milho do oeste catarinense, principal celeiro agrícola do Estado. A possível falta do grão afeta de forma direta as cadeias produtivas de carne, principalmente o frango, e de leite. O baixo volume de chuvas atinge também as regiões do meio oeste e extremo oeste catarinense.
Para uma média esperada de 150 milímetros, desde o início de janeiro, foram registrados apenas 46 mm de chuva. Nove estações hidrológicas estão em situação de emergência, incluindo as bacias do Rio Chapecó e Rio das Antas. Nesta quinta-feira (13), a ministra Tereza Cristina está na região, em Chapecó, onde se reunirá com o governador Carlos Moisés (sem partido) para discutir a situação da estiagem no território catarinense.