O atual nível dos reservatórios e a previsão de chuvas em abundância para o verão no Sudeste modelam novo cenário para o setor energético, bem diferente daquele encontrado há pouco mais de dois meses no país. Agora, com a retração da atividade econômica, que diminui a demanda no setor industrial, e a redução do consumo doméstico, em razão das tarifas elevadas, o risco de racionamento começa a ficar no passado.
Um dos principais indicativos, conforme aponta Edilson Deitos, diretor e coordenador do Grupo Temático de Energia do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), é a queda nos valores do megawatt/hora (MW/h) negociado no mercado livre. O preço, que estava em R$ 583 no dia 20 de agosto, caiu 91,2% em pouco mais de três meses e atualmente é cotado a R$ 50,79.
— O atual contexto já faz com que o mercado livre de energia elétrica pratique preços bem abaixo do teto. Em paralelo, a termelétrica de Uruguaiana voltou a operar e, apesar de ser uma energia cara, é uma potência que nos garante uma certa tranquilidade em reposição energética no Sul. Diante deste contexto, foi afastado por completo o risco de racionamento — garante.
Até o terceiro trimestre de 2021, a intensificação da estiagem, na maior escassez de chuvas dos últimos 91 anos, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), esvaziou os reservatórios de água das principais hidrelétricas. Hoje, no subsistema sul, que responde por 7% da matriz nacional, as bacias estão com 49,11% da capacidade, quase o dobro dos 26% registrados em setembro.
No Nordeste, que possui fatia de 17,8% da produção hídrica do país, em igual período houve leve queda de 49,82% para 41,01%. E no Sudeste, o centro da crise, os níveis têm se mantido na casa de 20%, o que ainda inspira cuidados.
É o que diz o professor Guilherme Fernandes Marques, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (Gespla) da UFRGS. Ele lembra, entretanto, que o pico do risco do racionamento seria no final de novembro e acabou não ocorrendo.
Por isso, destaca o pacote de medidas colocadas em prática pelo ONS como o acionamento das termelétricas, importação de energia e redução da vazão nos reservatórios. O último item é o que faz com que 10, das 15 usinas gaúchas, estejam com produção hidráulica bastante abaixo do programado.
O panorama é bastante parecido com o do auge da crise, entretanto, explica Marques, o motivo é diferente. Antes, o fato era resultado da falta de água, agora, é fruto da tentativa de reencher os reservatórios.
Projeções
Na prática, o conjunto de ações aumentou a oferta e cobriu a lacuna enquanto ainda havia risco de desabastecimento no país. No momento, a projeção é de melhora nos três subsistemas (Sul, Nordeste e Sudeste) e, de acordo com o próprio ONS, as afluências voltarão a ficar muito próximas da média histórica, depois de terem chegado no pior patamar em 90 anos.
Outro fator que auxilia os prognósticos é a previsão de uma redução superior a 0,5 ponto percentual na demanda por energia. Esse declínio de carga é justificado, segundo aponta Marques, principalmente pela redução no uso de ar condicionado, em razão das temperaturas mais amenas. Para o professor, apesar da melhora do quadro, todavia, não é hora de relaxar.
Escapamos do racionamento, mas não saímos da crise. É importante não esquecer que ainda estamos em um período anômalo e 2022 é uma incógnita.
GUILHERME FERNANDES MARQUES
Professor da UFRGS
— Escapamos do racionamento, mas não saímos da crise. É importante não esquecer que ainda estamos em um período anômalo e 2022 é uma incógnita. Vai depender muito da continuidade da recuperação do sistema e a confirmação das expectativas de chuva para o verão no Sudeste — alerta.
Sem redução de custos e de tarifas
A queda brusca nos valores da energia negociada no mercado livre ainda não acompanha a redução de custos na atividade econômica e passa longe das contas do consumidor final. Edilson Deitos, diretor e coordenador da Fiergs, explica que isso sinaliza a existência de certa disponibilidade de energia.
Ele acrescenta que há um cálculo para chegar ao preço do MW/h, considerando os níveis dos reservatórios, o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) e a quantidade de despachos. Na indústria, por exemplo, já se questiona a razão de uma queda tão brusca, tendo em vista que as termelétricas (mais caras do que as hidrelétricas) ainda operam.
— Nos perguntamos, como isso poderia ser mais flexível para impactar menos no bolso dos consumidores do mercado cativo (regular) e também do livre. Até porque essa diferença é paga, embutida nos encargos setoriais e poderia chegar ao consumidor final com uma redução da tarifa anual — comenta.
Desconcentração
Por essa razão, Deitos salienta que a Fiergs tem atuado para que os projetos de potencial hídrico ganhem maior celeridade no Estado, especialmente os que envolvem maior capacidade de armazenamento de água. Ele afirma que o cenário de chuvas da região Sul é diferente do Sudeste e isso demandaria desconcentrar a matriz.
— Se aqui no Sul chegarmos a uma participação maior do 7% na composição do sistema integrado (SIN), poderíamos ser uma "bateria" hídrica para trazer mais equilíbrio e evitar o acionamento de termoelétricas e importação de energia, ambos mais caros do que o modelo de produção hídrica. Beneficiaria todos os consumidores de energia no país — sustenta.