O governo Eduardo Leite projeta liberar ainda em 2021 o autolicenciamento ambiental para 49 atividades produtivas, das quais 31 são de médio e alto potencial poluidor. A proposta está em fase final de regulamentação no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), colegiado no qual o governo tradicionalmente tem maioria.
O autolicenciamento ambiental — tecnicamente chamado de licença ambiental por compromisso (LAC) — já existe no Rio Grande do Sul em lei desde o início de 2020. Para ser aplicado, contudo, depende dessa regulamentação.
Na lista de atividades de médio e alto potencial poluidor que o governo deseja transferir para autolicenciamento estão, por exemplo, as usinas de concreto e de asfalto, as fábricas de argamassa e as centrais de beneficiamento de dejetos de animais, além da silvicultura com pínus e eucalipto.
No momento de emitir ou rejeitar novos licenciamentos, os órgãos ambientais sempre consideram o porte dos empreendimentos. Pela proposta do governo, das 49 atividades listadas para LAC, 45 delas poderão ser autolicenciadas independentemente do tamanho da operação.
Diferentemente da licença tradicional, que depende da análise e da aprovação de técnicos do órgão ambiental para ser expedida, no autolicenciamento o empreendedor envia os documentos exigidos, se compromete a respeitar as regras e a permissão é automaticamente emitida pela internet.
O autolicenciamento é apoiado por empresários — que citam desburocratização e agilidade — e criticado pelo Ministério Público (MP) e por ambientalistas — que apontam riscos de degradação do meio ambiente.
Embate jurídico
O MP avalia que a proposta do governo do Estado traz insegurança jurídica e aumento dos riscos ambientais. O promotor Daniel Martini, do Centro de Defesa do Meio Ambiente, diz que a emissão de licenças por compromisso não é autorizada pelo regramento nacional para negócios com médio e alto potencial poluidor. Além disso, afirma que a possibilidade de danos ao meio ambiente aumenta conforme o potencial de poluição e o porte dos empreendimentos.
— Um empreendimento de grande porte e com grande potencial poluidor pode colocar em risco um bairro, uma cidade, uma região. E muitos danos não são recuperáveis. É um risco que a sociedade brasileira não está pronta para correr, pois sabemos da dificuldade da fiscalização (depois da emissão da licença).Hoje, o licenciamento ambiental pressupõe análise humana. Isso vai deixar de ocorrer. É a ausência completa do Estado — aponta Martini.
Luiz Henrique Viana, secretário estadual do Meio Ambiente e presidente do Consema, estima que o colegiado vote entre setembro e outubro a regulamentação da licença ambiental por compromisso. Na avaliação do secretário, o formato não aumenta riscos, pois são exigidos documentos técnicos do empreendedor:
– A Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental), que é órgão licenciador, tem conhecimento das atividades e da necessidade de documentação, características e obrigações. As exigências são muito grandes para que a licença ambiental por compromisso seja expedida.
Em ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a lei gaúcha que permite o autolicenciamento, a Procuradoria-Geral da República (PGR) criticou a previsão de uso do mecanismo para atividades de médio e alto potencial poluidor. Citando a Associação Brasileira de Membros do MP de Meio Ambiente, a PGR apontou: “Ao criar a licença ambiental por compromisso, o Rio Grande do Sul converte parte do licenciamento ambiental em um procedimento cartorário, verdadeiro simulacro de avaliação ambiental”.
A lista das 49 atividades que podem passar para o autolicenciamento e os documentos requeridos partiu da Fepam. A presidente do órgão, Marjorie Kauffmann, diz que a proposta levou em conta o conhecimento acumulado sobre as atividades produtivas:
– As atividades foram selecionadas conforme o conhecimento e o menor índice de riscos. Essa lista veio dos chefes de divisões e serviços da Fepam, que indicaram que, para esses empreendimentos, não há necessidade de estudo aprofundado. Isso porque, embora alguns tenham classificação de médio ou alto potencial poluidor, não têm nos levado a grandes problemas de poluição.
Impacto das atividades
Um dos principais argumentos em defesa da LAC é de que, nesse formato, o poder público teria menos trabalho no licenciamento e poderia gastar energia na fiscalização. A presidente da Fepam promete que os empreendimentos que forem autolicenciados serão os primeiros a serem fiscalizados pelo órgão:
– Obtendo a LAC, o empreendimento passará automaticamente para a lista prioritária para ser vistoriado pela nossa fiscalização. E, durante a vigência da LAC, será feita a análise aprofundada dos documentos.
Nilo Sérgio Fernandes Barbosa, representante da Associação dos Servidores da Fepam, critica a proposta construída pela direção do órgão. Na avaliação dele, o autolicenciamento só cabe para atividades de baixíssimo impacto:
– É um absurdo. O autolicenciamento deve ser usado somente em situações de extrema insignificância no impacto ambiental. Incluir atividades de médio e alto potencial poluidor no autolicenciamento é o maior problema da proposta.
Mais antiga entidade de defesa do meio ambiente do país, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) entende que a classificação de potencial poluidor, por si só, não dá conta da complexidade dos impactos ambientais. Por essa razão, defende o licenciamento prévio para todas as atividades produtivas.
– Um empreendimento em um lugar e outro empreendimento igual em outro lugar causam impactos diferentes ao meio ambiente. Quando um projeto entra para a análise de técnicos na Fepam, equipes multidisciplinares avaliam exatamente esse impacto – diz Francisco Milanez, diretor técnico-científico da Agapan.
Atualmente, a média de tempo para emissão de licenças ambientais, segundo a Fepam, é de 80 dias. A média considera tanto os empreendimentos que são autorizados em poucos dias quanto os pedidos que passam meses tramitando no órgão ambiental. Pela projeção da Fepam, quando o autolicenciamento entrar em vigor, o empreendedor conseguirá obter a LAC em apenas um dia útil, após o envio de documentos e o registro bancário do pagamento da taxa.
A Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) é favorável à proposta. O vice-coordenador do Conselho de Meio Ambiente da Fiergs, Walter Rudi Christmann, diz que, mesmo no autolicenciamento ambiental, os parâmetros seguem sendo estabelecidos pelo órgão público.
– Trabalhei toda a minha vida em um projeto de celulose de papel, que era um dos maiores poluidores. Tivemos uma Borregaard e hoje temos uma CMPC, que é modelo mundial. A mesma fábrica virou modelo mundial. Ninguém arrisca fazer um empreendimento que possa sofrer punições. A LAC reduz a burocracia — defende o diretor da Fiergs, fazendo referência à fábrica de celulose instalada em Guaíba.
Se a proposta do Palácio Piratini for aprovada no Consema, cerca de 10% das atividades produtivas que dependem de licença ambiental serão feitas no formato simplificado. Antes de seguir à votação, o conselho ainda avaliará as sugestões encaminhadas pela sociedade civil durante consulta pública realizada no início de julho.