Em vigor desde a reforma trabalhista, em 2017, a autorização para que empresas possam demitir grupos de funcionários sem acordo com o sindicato voltou à discussão nesta quarta-feira (19) no Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda indefinido, o tema é alvo de controvérsia no meio jurídico e fora dele.
Em fevereiro, o julgamento chegou a ser iniciado no plenário virtual, ferramenta que permite aos ministros incluírem os votos no sistema sem necessidade de reunião física ou por videoconferência. No entanto, o ministro Dias Toffoli fez pedido de destaque para levar a discussão ao colegiado.
Para o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, a "dispensa em massa de trabalhadores prescinde de negociação coletiva". Na avaliação do magistrado, o empregador tem o direito de reduzir o quadro de colaboradores para fugir "à morte civil, à falência".
Ele foi seguido integralmente pelos colegas Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Já o ministro Edson Fachin abriu divergência e votou para referendar o entendimento fixado pela Justiça do Trabalho, deixando o placar em 3 a 1. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (20).
Na origem do debate está o corte de 4,2 mil empregados da Embraer e da Eleb Equipamentos, em 2009, questionado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP). Na ocasião, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) havia decidido que, dali em diante, seria necessária negociação prévia em casos do tipo. Embraer e Eleb recorreram ao STF.
Até 2017, a CLT não tratava especificamente da questão. Com a aprovação da reforma trabalhista, o Congresso igualou demissões coletivas e individuais, dando autonomia ao empregador para fazer rescisões. Ainda assim, a mudança não impediu novas ações judiciais, partindo do Ministério Público do Trabalho e de centrais sindicais.
Ao julgar o recurso, o STF não decidirá apenas sobre esse caso específico: fixará jurisprudência para esse e outros processos que discutem o mesmo tema. O desfecho, contudo, não é consensual nem mesmo entre advogados trabalhistas.
Para Maria Cláudia Felten, coordenadora do curso de Direito da Imed em Porto Alegre e autora com tese de doutorado sobre o assunto, a exigência de diálogo entre as partes deve ser mantida.
— Desde a decisão emblemática do TST, ficou claro que, com a negociação prévia, é possível minimizar os prejuízos da dispensa em massa. O empregador nem sempre se dá conta de que deixará dezenas, às vezes centenas de pessoas desempregadas com a mesma profissão, em um mesmo município. A negociação coletiva faz com que as partes se aproximem, consigam debater com o auxílio do sindicato e definam esse processo de forma mais organizada para diminuir os impactos. Torço para que o STF compreenda assim — diz Maria Cláudia.
Professor da Unisinos, Guilherme Wünsch concorda. Dependendo da decisão da Corte, o advogado teme que, em meio à crise desencadeada pela pandemia, o índice de desemprego aumente.
— Até 2017, para ocorrer uma dispensa em massa, obrigatoriamente, precisava haver intervenção do sindicato que autorizasse isso por meio de acordo ou convenção coletiva. A reforma derrubou esse requisito e, no meu entendimento, o STF deveria declarar a inconstitucionalidade disso, porque pode acarretar ainda mais desemprego — alerta Wünsch.
Diretor do Departamento de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (Iargs), Gustavo Juchem tem visão diferente. Na avaliação dele, o STF tem a chance de esclarecer a polêmica e corroborar a tentativa da reforma trabalhista de resolver um problema recorrente.
— Ao se estabelecer, sem parâmetros, o dever de negociação coletiva, o empregador passou a ficar à mercê do sindicato dos trabalhadores. A postura normal do sindicato é a de tentar dissuadir a empresa, impedindo demissões. O fato é que o empregador, muitas vezes, se vê obrigado a demitir 50 para preservar cem empregos. Se não há acordo, em alguns meses poderá ser pior. A reforma trabalhista tentou resolver a questão, deixando claro que a dispensa individual ou coletiva, do ponto de vista legal, tem os mesmos efeitos e requisitos. Nossa expectativa é de que o STF confirme isso — afirma Juchem.
Histórico
- Até a reforma trabalhista, em 2017, a CLT não tratava especificamente da negociação coletiva para demissões em massa
- Em 2009, após o desligamento de 4,2 mil funcionários da Embraer e da Eleb Equipamentos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que, dali em diante, seria necessária negociação prévia em casos do tipo
- A Embraer e a Eleb recorreram ao STF, sustentando que não havia obrigatoriedade legal
- Com a reforma trabalhista, foi inserido na CLT o artigo 477-A, que diz o seguinte: "as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação"
- Nesta quarta, o STF deu continuidade ao julgamento do recurso, mas não concluiu. Vai retomar nesta quinta
Por que é controverso
- Para empregadores, não há como obrigar a negociação das demissões, especialmente após a mudança na legislação trabalhista
- Além disso, os donos de empresas argumentam que sindicatos muitas vezes inviabilizam qualquer tentativa de acordo
- Por outro lado, procuradores do Trabalho, sindicatos e advogados que representam categorias argumentam que o impacto das demissões em massa justifica a necessidade de negociação prévia, por permitir organizar o processo e atenuar seus efeitos, especialmente em momentos de crise, como o atual