Uma das principais marcas da reforma trabalhista de 2017, o trabalho intermitente recuou no Rio Grande do Sul no ano passado. O saldo de vagas criadas nessa modalidade ficou em 2.129 em 2020 – queda de 52,85% se comparado ao mesmo período de 2019. A desaceleração na geração de emprego nessa categoria ocorre após salto de 151,58%, registrado no ano anterior, segundo dados fornecidos pelo Ministério da Economia.
Mesmo em queda, os números do trabalho intermitente seguem positivos, ao contrário do quadro geral da geração de emprego formal no Estado no ano passado, que fechou com saldo negativo de 20.220, segundo dados do Caged, divulgados no fim de janeiro.
Colocando uma lupa sobre os números, a retração na diferença entre contratações e demissões no âmbito do trabalho intermitente no Estado foi puxada pelo primeiro semestre do ano, marcado pelo início da pandemia no país. Na segunda metade de 2020, o saldo começou a retomada de fôlego.
O trabalho intermitente é uma modalidade de contrato com prestação não contínua de serviços, que permite a alternância de períodos de trabalho e de inatividade. O modelo prevê carteira assinada e direitos trabalhistas, como depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o recolhimento das contribuições previdenciárias.
O economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Ely José de Mattos avalia que a redução, observada principalmente no primeiro semestre durante a pandemia, pode ser explicada pela facilidade de desligar trabalhadores que atuam sob essa modalidade.
– No trabalho intermitente, é fácil o desligamento. A não renovação, não buscar o funcionário, simplesmente desligar. É tudo mais facilitado. Estou supondo que para boa parte do comércio, do setor de prestação de serviço, que tem esse tipo de funcionário, é muito mais fácil, muito mais rápido de desligar. O fato é que nesse primeiro semestre fundamentalmente a gente está falando de efeito da pandemia – afirma Mattos.
O professor destaca que, não entrando no mérito da qualidade desse tipo de emprego, o trabalho intermitente se tornou alternativa tanto para empregadores quanto para empregados em um cenário de crise sanitária e restrições.
– Em situações extremas, como é o caso que a gente está vivendo, é uma ferramenta que funcionou. Ela auxiliou a gente a ter um pouco mais de dinâmica no mercado de trabalho. Agora, em uma situação sem pandemia, é o ideal? Acho que não é, mas aí é outro contexto – pontua Mattos.
A economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, afirma que é necessário destacar que, mesmo com redução na geração de emprego, o trabalho intermitente apresentou saldo positivo, o que auxiliou a evitar um rombo maior na abertura de novos postos no emprego formal.
– A gente tem que observar que a gente saiu de um cenário de criação de emprego para destruição de empregos. Enquanto que no trabalho intermitente a gente preservou a geração de emprego, ainda que com menor intensidade. Se não fosse o trabalho intermitente, a situação do emprego no Rio Grande do Sul seria ainda pior – destaca a economista.
No Brasil, mesmo com recuo de 14,64% na geração de vagas de emprego intermitente, essa modalidade de contratação teve saldo positivo de 73.164. Esse montante representa pouco mais da metade (51,27%) de todas as vagas abertas no emprego formal do país em 2020: 142.690.
Futuro do emprego formal
O professor da Escola de Negócios da PUCRS avalia que o futuro do emprego formal no Estado e no país, assim como a retomada sustentada da economia, ainda é incerto. Mattos afirma que algumas pendências, como a criação de um novo auxílio emergencial, serão fundamentais para estimar esse cenário.
A economista-chefe da Fecomércio-RS afirma que não existe uma "bala de prata" para resolver o problema do desemprego no país. Patrícia avalia que é necessário criar condições para a economia brasileira ser mais eficiente:
– Tem várias frentes. Tem de passar por uma reforma tributária, que torne o sistema tributário mais eficiente e os nossos produtos, portanto, mais competitivos. Tem de melhorar a nossa infraestrutura. Se a gente melhorar a nossa infraestrutura com uma boa reforma tributária, a gente consegue ser mais produtivo.
Sindicatos
Assim como diversos pontos da reforma trabalhista, o trabalho intermitente não foi bem recebido entre as lideranças sindicais. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Estado, Amarildo Cenci, afirma que essa modalidade estimula uma precarização no mercado de trabalho, pois cria um prejuízo social e barra o planejamento a longo prazo de toda a economia.
– O trabalho com contratação mais permanente faz com que haja também um melhor desenvolvimento do próprio negócio, das próprias empresas. Para nós, não é flexibilizando e precarizando que a gente vai ter melhor desenvolvimento econômico e social do país. A atuação do trabalhador intermitente se vê meio temporária – afirma Cenci.
O presidente da CUT no Estado entende que o trabalho intermitente atende à sazonalidade em alguns segmentos da economia, mas que deveria existir para cobrir eventualidades e não uma parte de formalização dos contratos. Sobre a continuidade do saldo positivo da modalidade no Estado no ano passado, Cenci diz que isso ocorre em razão de um cenário onde não há segurança e estabilidade econômica dos negócios, e parte da população precisa de renda.
– O trabalho intermitente, a grosso modo, é a forma que as pessoas estão tendo hoje para se alimentar num mercado de trabalho absolutamente diminuído.