– Pensa em um cara feliz que levanta de manhã, brinca, se diverte e só agradece.
É assim que Geraldo Rufino se define. De origem mineira, o empresário de 62 anos passou a infância na Favela do Sapé, em São Paulo, e se transformou em um sinônimo de persistência.
Logo aos “sete anos e meio”, perdeu a mãe e teve de buscar formas de garantir seu sustento. Para isso, ensacou carvão e catou latinhas, entre outras atividades. Seguiu contrariando obstáculos ao longo do tempo, até a fundação da JR Diesel, na década de 1980. Comandada por ele, essa empresa é uma das maiores da América Latina no ramo de reciclagem e desmontagem de veículos. Rufino será um dos palestrantes do evento de inovação Gramado Summit, que seria em março mas foi reagendado para maio, na serra gaúcha.
Em entrevista a GZH, o empresário rememora sua trajetória, relata otimismo com os negócios, mesmo com a pandemia, e dá dicas para quem deseja ser chefe de si mesmo.
Como surgiu sua vocação para empreender?
As pessoas geralmente confundem um pouco o intuito do empreendedorismo, a interpretação sobre o que é empreender. No meu ponto de vista, empreender é um sentimento, um comportamento. É assumir a responsabilidade de ser locomotiva, de produzir, de querer fazer a diferença, de ajudar alguém. Você não faz as coisas sozinho. Então, empreender é fazer algo pelo próximo. Copiava isso da minha mãe. Minha mãe era uma empreendedora. Tinha oito filhos, morava numa favela, ralava e achava meios para poder cuidar de todos. Conseguia arrumar trabalho para todo mundo. Para mim, aquilo era o sentido de empreendedor. Quando minha mãe faleceu, eu tinha sete anos e meio. No primeiro momento, ficou aquele vazio. A gente sempre fica tentando entender o que fazer. Mas copiei minha mãe, que chamo até hoje de mentora. Ela me deixou muito fortalecido de valores. Meu empreendedorismo tem a ver com meus valores. Eu queria ser importante. E, para mim, ser importante é ser empreendedor na vida. É quando você faz alguma coisa para beneficiar alguém. Ou seja, em vez de esperar que alguém faça por você, você começa a querer ser a pessoa que faz. Empreendedorismo é isso. Minha veia empreendedora vem de lá atrás. Quando arrumei um trabalho para ensacar carvão (na infância), queria ajudar minha família. Empreendedorismo para mim é isso. Nossa empresa (JR Diesel) é uma recicladora de ônibus e caminhões, considerada uma das maiores da América Latina. Depois de ensacar carvão, catei latinhas (também na infância). Também era reciclagem. Costumo dizer que, entre reciclar um ônibus e a latinha que achava no aterro, a única diferença é o tamanho do material. O espírito é o mesmo. Tinha o propósito de fazer a diferença para o próximo, começando por mim. Meu propósito de empreender é beneficiar pessoas.
Quais são as suas lembranças da infância, quando você começou a trabalhar?
Arrumei um trabalho para ensacar carvão perto da periferia onde morava quando tinha oito anos. Fiquei fazendo isso por um ano. Com nove anos, fui catar latinhas no aterro sanitário. Fui por minha conta. Fiquei nisso por dois anos. Depois, fiz um monte de coisa. Eu entendo que nasci rico. Tive mãe fantástica, família unida, do bem. Então, me sentia rico, próspero, feliz. Só não tinha dinheiro. Quando você resolve ir para a linha de frente e fazer algo para alguém, por muitas horas, em vez de esperar que alguém faça isso por você, o dinheiro aparece. É uma consequência.
No Brasil, costuma-se dizer que o ambiente de negócios dificulta o empreendedorismo. Na sua avaliação, qual é hoje o maior desafio para empreender no país?
O maior desafio é fazer um planejamento de vida, entender onde você está. Tem muitas pessoas que colocam a família em risco, vendendo casa ou carro, para abrir uma startup, uma franquia ou um carrinho de pipoca. Cara, é por isso que a maioria das empresas fecha com dois anos. Na hora de fazer uma avaliação sobre empreendedorismo, a primeira coisa que precisa estar pronta é você. O maior produto do empreendedorismo é o ser humano. Quando você presta serviços para uma empresa, está no CNPJ de alguém, é ali que você deve buscar o sentido empreendedor. Você vai embora um minuto depois de acabar o seu horário de trabalho? Usa uma hora para comer? Então, você não está preparado para empreender. Não invente moda, que não dá certo. Agora, se você é o cara que chega primeiro ao trabalho, que não usa uma hora para comer e que não tem pressa de ir embora por ter propósito de se destacar, já é um começo de espírito empreendedor. Quando você empreende, existem passivos. O modelo fiscal e tributário que nós temos é leonino no país. Tipo assim, é como se você tivesse um sócio antes de abrir a porta, porque tem de pagar um monte de taxas e tributos antes de começar a trabalhar. Mas o melhor produto para você começar a empreender é você. Como está preparado? Se você não estiver preparado, o principal desafio será psicológico, emocional. O cenário da economia é conhecido. O sobe e desce já é conhecido, é algo natural, porque estamos em um país gigante. Há uma instabilidade. As crises vêm a toda hora. Então, o maior desafio é o emocional. Não é o imposto, a concorrência ou o produto importado. O grande desafio é a sua estrutura para poder se sustentar no mercado.
O senhor falou sobre a sucessão de crises no país. Atualmente, o Brasil – e o mundo – vive turbulência gerada pela covid-19. Mesmo sem ter chegado ao fim, a pandemia já deixou alguma lição?
O maior aprendizado é se imaginar na direção de um veículo. O veículo tem um espelho no centro, dois laterais e o para-brisa, certo? Gente, esta crise mudou de tamanho porque mexe com o emocional, envolve saúde e pessoas. Quando você olha no retrovisor, a parte mais delicada é para quem tem risco de perder o que tem de mais precioso, que é a vida, ou de perder um ente querido. Nesta crise, vamos aprender a evoluir como pessoas, a rever nossos valores, a lembrar que temos famílias, que é preciso ter agenda com nossas famílias. É aprender a valorizar o ser humano, lembrar que os idosos viveram mais do que a gente e podem nos orientar. É parar de achar que um equipamento de tecnologia substitui um ser. Aí teremos a oportunidade de olhar a crise pelo retrovisor e de evoluir. Assim, você pode olhar para frente, pelo para-brisa, como um ser humano melhor. Uma crise como esta nos mostrou que somos semelhantes. Temos de aprender a conviver com o diferente. Ou seja, esta é uma crise que traz oportunidades para sermos seres humanos melhores.
O maior desafio (para empreender) é entender onde você está. Tem muitas pessoas que colocam a família em risco, vendendo casa ou carro. É por isso que a maioria das empresas fecha com dois anos. o maior desafio é o emocional. Não é o imposto, a concorrência ou o produto importado. O grande desafio é a sua estrutura para poder se sustentar no mercado.
A pandemia impactou a rotina dos negócios. Como a empresa do senhor, a JR Diesel, vem atravessando este período?
Essa pergunta é fantástica. Se cada um se cuidar, ajuda a ser locomotiva, ajuda a puxar, sem ser puxado. Na pandemia, entendi que todos nós somos essenciais. Ninguém vive sem ninguém. O médico precisa comer. Quem traz a comida? O caminhoneiro. Quem produz a comida? O agricultor. Quem faz a comida? O cozinheiro. Então, todo mundo é essencial. Dentro desse quadro, reuni todos na empresa. Expliquei isso para o meu time. Mandamos para casa em torno de 20 a 30 pessoas, grávidas ou com problemas de saúde. Qual foi a escolha que eu fiz? Disse que não iríamos demitir. Entendi naquele momento que o grande problema era, e ainda é, emocional. As pessoas começaram a ficar com medo, com incertezas. Todos começaram a baixar a cabeça. Cheguei à seguinte conclusão e comentei com um gestor: tenho condições de cuidar dos meus 150 colaboradores, de dar as melhores condições de higiene, de estrutura, com máscaras e álcool em gel. Então, também decidimos auxiliar os caminhoneiros, dando almoço e café da manhã para o povo que estava na estrada. Minha atividade tem a ver com a deles. Decidimos manter salários e o emprego de todo mundo. Isso criou uma imunidade, uma felicidade, uma autoestima, que permitiu que a gente passasse todo o período sem ter ninguém com problemas graves. Ninguém precisou ser internado. Quem pegou (o vírus), se curou em casa. Todo mundo ficou animado, começamos a produzir e crescemos na pandemia.
Qual é o cenário para a economia brasileira em 2021? Como descreve o horizonte para os negócios neste ano?
Para mim, o cenário é 100% positivo. Nosso país é muito rico. O problema é que não temos ainda equilíbrio político. Muitas medidas fortaleceriam nossa produtividade se as forças políticas se entendessem. Não há lugar no mundo em que você não dependa da política. Agora o cenário tem uma possibilidade maior de entendimento entre Legislativo e Executivo. Quando se entendem, este país vira gigante. Aí sabemos para onde ir, e não tem ninguém no meio do caminho dizendo “veja bem”. Acredito que teremos um cenário bem mais positivo do que no ano passado. O que espero do entendimento político é que pare de atrapalhar. O brasileiro, por si só, é resiliente, vai para cima e começa a fazer, independentemente do quadro fiscal que nós temos. O mundo precisa do Brasil. Então, na realidade, acredito que quem está fazendo previsões negativas está dando um tiro no pé. Não sou do tipo que faz previsões para o longo prazo. Mas as minhas previsões imediatas são boas. Para o médio prazo, excelentes.
A crise provocada pela pandemia tem alguma semelhança com turbulências anteriores sentidas na economia?
A crise de hoje vai direto no emocional. As outras crises eram técnicas e financeiras, essa é a diferença. As outras crises pelas quais passamos eram frias, e, como o brasileiro é resiliente e trabalhador, superava as dificuldades de maneira rápida. Então, na hora em que começar a passar o medo ou a insegurança, e as pessoas perceberem que há vacina, que o mundo não parou e só foi abastecer, as coisas voltam. O que está atrapalhando agora é a falta de reação.
Uma dica que posso dar é saber lidar com pessoas. É resgatar a solidariedade. Outra é copiar. Você quer empreender? Copie. tem gente que já está 10 anos na frente. qualquer coisa que você deseja fazer, alguém já está fazendo melhor.
Nas últimas semanas, cresceu a mobilização de empresários em busca de avanços na vacinação contra a covid-19 no país. Como o senhor avalia essa mobilização? O empresariado pode contribuir?
Claro. Por que minha empresa conseguiu proteger a todos e está bem? Porque assumimos a responsabilidade, não terceirizamos a culpa. Protegemos os nossos. Se deixássemos cada empresário tomar iniciativas para cuidar do seu time, aliviaríamos as coisas para o governo cuidar de quem não tem condições. Saúde é coisa do governo, mas, neste momento de pandemia, há uma exceção. O momento é de exceção. Se o governo der liberdade para a área empresarial agir, faremos uma revolução.
O senhor é um dos palestrantes do evento de inovação Gramado Summit, previsto para março. Como será a sua palestra? O que pretende abordar?
Geralmente, me deixam falar para que as pessoas saiam motivadas. Mas nunca fiz treinamento para ser palestrante. Não uso PowerPoint, nem fotos. Olho no olho das pessoas e falo um pouco das minhas vivências. É uma hora para resumir uma história de 50 e poucos anos de positividade. Venho vencendo neste país que as pessoas dizem que é complicado. Sou um brasileiro de coração verde e amarelo, apaixonado pelo que este país tem de melhor. A cereja do bolo do Brasil é o brasileiro. Vou conversar para mostrar o quanto somos resilientes, o que já estou fazendo, inclusive nesta crise, que é diferenciada. A ideia é mostrar que todos podem fazer também. Não sou empresário acima da média, fora da caixa. Faço o simples, o óbvio. Tenho um propósito muito claro, que é ser locomotiva. Prefiro puxar do que ser puxado. É isso. Minha ideia é fazer com que as pessoas olhem para dentro e saiam melhores. Empreender já parte de dentro de casa. Empreender não é ter só um CNPJ. É ter relacionamento. Somos emocionais. Se tivermos iniciativas, podemos mudar aquilo que muita gente espera que a gente faça.
Qual é, então, a maior dica do senhor para quem busca “ser “locomotiva, para quem deseja empreender?
O primeiro passo é acreditar em você. É entender que não vai fazer nada sozinho. É necessário aprender a lidar com pessoas, conviver com pessoas diferentes. Se você respeitar valores e conviver com quem é diferente, já ganhou alguém para lhe ajudar no seu propósito. Até para planejar você precisa de alguém. Uma dica que posso dar é, definitivamente, saber lidar com pessoas. É resgatar a solidariedade. Isso começa na base. É fazer o simples. Outra coisa importante é copiar. Você quer empreender? Copie. O mundo todo está em desenvolvimento o tempo todo. Mas tem gente que já está 10 anos na frente. Então, qualquer coisa que você deseja fazer, alguém já está fazendo melhor. Outro detalhe: questão financeira. Não imagine que você terá uma ideia, que vai vender seu carro, sua casa, colocando tudo em risco, e que terá sucesso. Não vai. Enfrente a situação só com aquilo que não vai abalar sua estrutura emocional.
E como surgiu o projeto de fundação da JR Diesel (a empresa nasceu em 1985)?
Quando eu catava latinhas, perdi meu dinheiro com 11 anos. Quebrei pela primeira vez. Então, tive de vender limão na feira. Depois, tive oportunidade de arrumar emprego como office boy e crescer em uma empresa, até virar diretor. Foi lá que aprendi a ser solidário. Meus irmãos tiveram problema, bateram seus caminhões (em 1985). Os caminhões não tiveram recuperação. Só sobraram as peças. Então, começamos a vender essas peças. Ou seja, não teve um grande planejamento, uma visão (para a criação da empresa). Teve oportunidade, e daí fé e determinação. Fui fazendo isso, e as coisas se transformaram para meus irmãos. Eles se deram bem e foram fazer outra coisa. Eu tive de assumir o negócio. Consegui crescer sem perder o que já tinha. O dia tem 24 horas, e ninguém precisa de mais de oito para dormir. Em 16 horas, dá para fazer muita coisa. Então, não é necessário expor sua família, ir para o cheque especial, vender tudo e comprar uma franquia. Como assim? Ninguém deveria seguir algumas coisas de redes sociais, a ideia de que empreender é ir para o risco. Não fiz isso. Empreender não é necessariamente correr riscos. Consegui ficar bem, sem comprometer o emocional de ninguém. Tenho sete irmãos. Somos em oito, todos vivos. Meu pai faleceu com 106 anos. Minha mãe morreu quando eu tinha sete e meio. Minha família sempre foi muito unida. Quase todos são empreendedores, alguns sem CNPJ. A base do empreendedorismo é o emocional, e isso você começa a ajustar dentro de casa, na família. Você quer empreender? Como está lidando com sua mãe e com seu pai? E com seu irmão? Em casa, você começa a carregar suas baterias. A raiz do empreendedorismo é lidar com pessoas diferentes.
O Gramado Summit
- É uma grande conferência sobre temas relacionados às áreas de inovação e tecnologia. Terá a participação de cerca de 140 palestrantes, entre eles, o empresário Geraldo Rufino, da JR Diesel. Neste ano, pelo menos a metade é formada por mulheres.
- Esta edição do Gramado Summit seria realizada entre 10 e 12 de março, no Serra Park, em Gramado, na serra gaúcha, mas acabou adiada devido ao avanço da pandemia e das atuais restrições sanitárias no Estado. A previsão atual é de realização entre 5 e 7 de maio. A programação divulgada inicialmente está mantida.
- Informações sobre ingressos estão disponíveis no site gramadosummit.com/ingressos.