Uma nova tentativa de um grupo de empresários para compra de vacinas com dinheiro privado, iniciada no fim da semana passada, esbarrou na discordância entre as empresas sobre o modelo a ser adotado para distribuição de vacinas. Segundo uma carta que circulou entre líderes de associações de diferentes setores, existiria um lote de 33 milhões de vacinas da Oxford/AstraZeneca disponível para compra, da Inglaterra, com a obrigação de aquisição de pelo menos 11 milhões de doses de uma só vez.
A ideia de comprar vacinas logo se espalhou por grupos de WhatsApp: "Parecia, na sexta-feira, que tinha chance de dar certo", segundo um industrial que conversou com o Estadão. No entanto, a iniciativa esbarrou no formato de distribuição dos imunizantes a serem adquiridos. Enquanto parte do empresariado defendia o uso de 50% dos imunizantes para vacinar funcionários, com a doação da outra metade ao Sistema Único de Saúde (SUS), grandes empresas acreditavam que todo o lote deveria ser destinado ao sistema público.
Esta segunda posição foi defendida justamente por algumas das maiores empresas do País, como o banco Itaú, a Vale e a Petrobrás, informou uma fonte próxima às conversas. Enquanto parte do empresariado acredita que estaria ajudando o governo na imunização ao dar prioridade a seus funcionários, outras companhias são da opinião de que não se deve "furar a fila" dos grupos de risco determinados pelo Ministério da Saúde: profissionais de saúde, indígenas, quilombolas e idosos.
Ainda na tentativa de "salvar" a compra de vacinas pela iniciativa privada, as partes tentavam retomar as negociações com as gigantes. A ideia é deixar aberta a possibilidade de que, se a empresa assim eleger, possa doar 100% das doses que comprou ao SUS.
Por ora, porém, com as três gigantes saltando do barco, a compra do lote de milhões de vacinas ficou mais difícil - especialmente diante da exigência de uma cota mínima tão alta. O custo estimado das vacinas, na carta que circulou entre os empresários, seria de US$ 23,79 por dose - preço muito superior aos US$ 5,25 que teriam sido pagos na compra da mesma vacina pelo governo federal pelo lote que chegou ao País na sexta-feira passada. O preço pago pelo governo brasileiro já era alto em relação ao valor de venda para a União Europeia.
Outro ponto que surpreende nesse movimento é a disponibilidade dessa vacina em um momento em que a AstraZeneca é criticada pelo atraso na entrega de lotes prometidos há meses para a União Europeia. A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford é citada como uma boa opção pelos empresários porque já tem aprovação para uso emergencial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Procurada, a mineradora Vale afirmou, em comunicado, que foi convidada a participar da discussão, mas "declinou da iniciativa". "A política da companhia é de doação integral de itens que venham a ser adquiridos para apoiar os esforços oficiais de combate à covid-19. Desde o início da pandemia, a Vale vem oferecendo ajuda humanitária no Brasil e nos países onde está presente." Procurados, Itaú e Petrobrás não quiseram comentar o tema.
Difícil relação. Não é a primeira vez que empresários se mobilizam para comprar imunizantes por conta própria. Até agora, porém, não obtiveram aval do governo para realizar a operação. Segundo o jornal O Globo noticiou na noite de ontem, o governo teria mandado um ofício à AstraZeneca autorizando a compra das doses pelas companhias.
Essa seria uma mudança de posição. Em reunião realizada há menos de duas semanas com os ministérios da Saúde, da Casa Civil e das Comunicações, empresas foram informadas de que o governo realizaria toda a imunização e de que não haveria necessidade de ajuda de empresários. À época, o governo disse que teria doses suficientes para vacinar a população e que a compra por empresas seria proibida.
O Estadão conversou com duas fontes que participaram da reunião e que, no dia, disseram ter saído "mais tranquilas" do encontro. No entanto, com as idas e vindas após a reunião - inclusive com o atraso na liberação da vacina de Oxford pela Índia -, o setor produtivo subiu o tom das críticas em relação à lentidão da vacinação, criticando a desorganização e os desencontros do Ministério da Saúde e do Palácio do Planalto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.