O Tesouro Nacional vai enfrentar um enorme desafio no início do ano que vem. Uma fatura de R$ 643 bilhões em dívidas do governo federal vence entre janeiro e abril. O valor é mais que o dobro da média registrada nos últimos cinco anos. Em quatro meses, o Tesouro terá de pagar aos investidores o equivalente a 15,4% da dívida interna brasileira, num momento em que cresce a desconfiança com a sustentabilidade das contas públicas.
Para pagar essa dívida, o governo precisa se financiar ainda mais e há desconfiança entre economistas sobre a capacidade do país de emitir títulos diante da incerteza do ajuste nas contas públicas.
O Banco Central já até deu um nome para o nó que terá de ajudar a desatar: choque fiscal. A situação se agravou nos últimos meses por dois motivos. Com a pandemia, o governo teve de gastar mais e a dívida pública deve chegar no fim do ano ao equivalente a 100% do PIB, considerado um patamar muito alto para países emergentes. Seria uma situação contornável se os investidores vissem perspectiva de reversão a médio e longo prazos.
Mas teme-se que eventuais medidas populistas para reeleger o presidente Jair Bolsonaro impeçam um ajuste nas finanças públicas. A demora da resposta à piora das contas e o adiamento pelo presidente sobre o modelo de financiamento do novo programa social substituto do Bolsa Família para depois das eleições alimentou o clima de nervosismo no mercado.
Diante do aumento da percepção de risco de deterioração das contas públicas, o Tesouro enfrenta dificuldades crescentes para vender títulos de longo prazo. Passou a vender títulos com prazo cada vez mais curto, de seis meses (com vencimento em abril) a um ano (outubro), ao mesmo tempo que precisava financiar um déficit cada vez maior, resultado dos gastos na pandemia.
O quadro fiscal acabou provocando uma forte concentração de vencimentos nos primeiros meses de 2021. Esse volume pode aumentar ainda mais até o fim do ano porque o Tesouro continua tendo de buscar financiamento por meio de papéis com prazos curtos.
— O encurtamento do prazo de emissão e o consequente aumento da concentração de vencimentos em 2021 representa uma estratégia arriscada. Caso a situação fiscal continue incerta ou haja um evento de risco (externo ou interno) no início do próximo ano, o Tesouro se veria numa situação de ter de rolar volumes elevados a qualquer preço — avaliou Sergio Goldenstein, analista independente da Omninvest e ex-chefe do Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab) do BC.
Ou seja, teria de pagar mais, elevando o risco da dívida sair do controle, em um círculo vicioso de deterioração das finanças que pode obrigar até mesmo o Banco Central a aumentar os juros básicos caso a inflação saia do controle.
Vendas
O Tesouro detalhou os vencimentos nos primeiros quatro meses do ano com base nas vendas de papéis de setembro e outubro, quando a situação piorou e o governo teve de acelerar as captações com prazos mais curtos. Até para as LFTs (atrelados à taxa básica de juros), títulos considerados o porto seguro da dívida, os investidores passaram a cobrar um deságio (uma remuneração adicional como prêmio de risco).
Num único mês, em abril, os vencimentos somarão R$ 315 bilhões. É quase o mesmo volume de todos os vencimentos do primeiro quadrimestre deste ano: R$ 356,8 bilhões. Em 2018, os vencimentos dos títulos somam R$ 275,4 bilhões até abril. Para se ter uma ideia do tamanho dos vencimentos no início do ano que vem, 2020 começou com uma necessidade de financiamento total da dívida interna em mercado de R$ 808,2 bilhões.
O subsecretário da dívida pública do Tesouro, José Franco de Morais, garantiu que até o final de dezembro o governo terá em caixa todo o dinheiro necessário para pagar os vencimentos dos primeiros quatro meses do ano. Essa reserva, apelidada de colchão de liquidez da dívida, permite ao Tesouro não fazer leilões de venda para a rolagem da dívida em caso de turbulência maior no mercado que dificulte o financiamento.
Rolagem é o termo usado para a troca de títulos vencidos de uma dívida velha por títulos novos a vencer. Segundo Morais, o colchão reduz o risco de financiamento da dívida. O colchão foi reforçado também com a transferência de R$ 325 bilhões do lucro do BC para o Tesouro.