Em meio ao avanço de preços de alimentos, o Banco Central (BC) interrompeu o ciclo de cortes na taxa básica de juro. Em reunião finalizada nesta quarta-feira (16), o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) manteve a Selic em 2% ao ano, depois de nove reduções consecutivas. Com a decisão unânime, a taxa permanece no menor nível já registrado no país.
Em comunicado, o Copom reconheceu que "a inflação deve se elevar no curto prazo". Na visão do comitê, a "alta temporária nos preços dos alimentos" é um dos fatores que sustentam essa projeção.
A Selic vinha em queda ao longo deste ano, em uma tentativa de estímulo à economia, atingida em cheio pelo coronavírus. A taxa é uma das referências para linhas de crédito oferecidas a empresas e consumidores. Entretanto, o aumento no desemprego e o temor de alta na inadimplência dificultam a chegada dos cortes até a ponta durante a crise.
Após a reunião, o Copom não fechou totalmente a janela para novas reduções, embora as possibilidades tenham ficado menores. "Devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno", apontou.
O comitê resolveu colocar o pé no freio diante da disparada de preços agrícolas, que elevam os valores de alimentos e, assim, pressionam a inflação, medida de forma oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Apesar de as expectativas para o IPCA seguirem em nível comportado, as alterações nas gôndolas dos supermercados deixam economistas em alerta.
O dólar em elevação ajuda a explicar os preços salgados de alimentos. Produtos básicos são cotados no mercado internacional em moeda americana. Se o Copom voltasse a cortar a Selic, poderia estimular novamente a saída de dólares do país, porque o juro ainda mais baixo deixaria aplicações de estrangeiros menos atrativas em meio aos riscos no Brasil. Com menos dólares, a tendência é de alta na cotação em reais.
— A atividade econômica segue deprimida, e a expectativa de inflação permanece comportada, apesar do repique nos preços de alimentos. Isso permite ao Copom manter o juro baixo — pontua Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos.
Decisão esperada por investidores
Nesta quarta-feira, com o mercado financeiro à espera da decisão do comitê, o dólar caiu 0,91%, para R$ 5,241. A bolsa de valores brasileira, a B3, subiu 0,62%, para 99.675 pontos. A manutenção da Selic era aguardada por analistas e investidores.
— É prudente segurar a taxa em 2%. Estamos vendo alta nos alimentos, e os preços vêm subindo muito no atacado — diz o economista Alexandre Espirito Santo, da plataforma de investimentos Órama. — A inflação é um bicho complicado. Às vezes, fica dormindo até que alguém vai lá e dá um susto. Aí, passa a atrapalhar nossa vida. Já vimos isso outras vezes — compara.
No vocabulário do mercado financeiro, a quarta-feira foi chamada de "Super Quarta". É que o Federal Reserve (Fed), a autoridade monetária dos Estados Unidos, também teve reunião. A exemplo do Copom, o Fed manteve o juro inalterado. As taxas americanas ficaram na faixa entre 0% e 0,25%.
Até o final do ano, o Copom terá mais dois encontros. O próximo está marcado para o final de outubro. No comunicado lançado ontem, o comitê sinalizou que políticas adotadas pelo governo federal têm mitigado efeitos da crise. Mas existem incertezas sobre a retomada após o término desses estímulos, projetado para o final de 2020.
"Os setores mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem deprimidos, apesar da recomposição da renda gerada pelos programas de governo. A incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais", afirmou.