O freio no corte do juro básico do Banco Central (BC) era esperado, mas não deve fazer efeito na alta de preços que assusta os brasileiros. Embora esteja concentrada nos alimentos, também afeta insumos que, mais adiante, podem se converter em novas pressões no bolso.
A constatação apareceu no comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) que justificou a parada: "a inflação deve se elevar no curto prazo". O único compromisso do BC é controlar a inflação, mas a alta de preços que o juro pode domar é a causada por aumento no consumo, não por escassez de oferta, como se vive agora.
A desvalorização do real ante o dólar e a disputa global por matérias-primas levaram o Brasil a uma situação rara de forte descasamento entre os índices de inflação. O IGP-10 de setembro, anunciado nesta quarta-feira (16) pela FGV, mostrou alta de 2,53% em agosto. É mais do que o acumulado pelo IPCA nos 12 meses terminados em agosto, de 2,44%. O IPCA é considerado o indicador oficial de inflação no país exatamente por ser usado pelo BC para calibrar o juro. O acumulado pelo IGP-10 em 12 meses até agosto é de 11,8%.
Portanto, o Brasil tem hoje um termômetro marcando 2,44%, sinalizando inflação abaixo do centro da meta, e a vida real retratada no indicador que mostra alta de 11,8%, várias vezes acima do teto que o BC pode aceitar. Esse descompasso é raro, admite o coordenador de preços da FGV, Andre Braz, mas ocorre quando há fortes quedas do real. O caso mais recente de que lembra foi em 2002, durante a campanha eleitoral em que Luiz Inácio Lula da Silva venceu e marcou o recorde do câmbio em valor real.
Braz tenta tranquilizar quem se assusta ante a possibilidade de ter contratos reajustados pelos IGPs e salários pelo INPC, irmão do IPCA, com alta acumulada em 12 meses de 2,94%. Pondera que, embora o IGP-M seja associado com valor do aluguel, a alta desse tipo de contrato acumula alta mais moderada, de 3,07% em 12 meses:
– Apesar de o IGP-M ser muito citado como indexador do aluguel, é pouco praticado. A negociação costuma ganha força em momentos de recessão. O locador prefere manter o inquilino bom pagador, então não reajusta ou acerta um valor mais próximo da realidade.
Braz pondera que os IGPs reajustam só em parte serviços como energia, telefonia e transporte. Se restringem às parcelas do custo afetadas pela variação cambial, como o cobre, no caso das empresas de eletricidade, material que subiu 55,1% nos últimos 12 meses.
– Os IGPS já não indexam mais a economia como no passado. Cada um corrige uma parte.
Mesmo assim, desta vez, de fato, a inflação oficial não captura os efeitos da alta de preços no bolso do consumidor.
Quais são os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três subíndices: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado o índice oficial do Brasil porque serve de referência para o Banco Central. Mede a variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.