Ministro da Fazenda e do Planejamento no governo de Dilma Rousseff, o economista e professor da Fundação Getulio Vargas Nelson Barbosa é um crítico do que chama de “teto Temer”, em referência ao seu criador, o ex-presidente Michel Temer.
Para Barbosa, que não assinou o manifesto de 80 colegas em defesa da manutenção do mecanismo, o limitador pode causar mais prejuízos do que ganhos ao país. A solução para o impasse seria abrir um debate “adulto e racional” em busca do meio-termo, de um outro modelo de teto.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Qual é a sua avaliação sobre a polêmica envolvendo o teto de gastos?
As pessoas estão confundindo ter limite com ter o limite que Michel Temer propôs. É óbvio que gasto tem de ter limite. A maioria dos economistas não discute isso. A questão é que esse congelamento que Temer propôs é completamente inadequado ao Brasil. Vem comprimindo o investimento e prejudicando o orçamento social, tanto que a previsão para o orçamento de 2021 é de que saúde e educação terão redução. Esse teto precisa ser alterado. Precisamos de nova regra fiscal, com limites adequados à sociedade brasileira, colocando maior restrição onde precisa, como na folha de pagamento, principalmente nos altos salários.
Então não se trata de revogar o teto, mas de fazer uma revisão?
Sim, até porque quem propôs o teto pela primeira vez fui eu no governo Dilma. Só que era um teto de quatro anos e não de 20, que possibilitava que o governo tivesse crescimento real de despesa, se assim quisesse. Podia ir separando também, ter uma meta específica para investimento, saúde, educação. Não é nada revolucionário.
Quem defende a manutenção do teto considera um risco a revogação ou revisão, vê irresponsabilidade fiscal nisso e prevê a volta da inflação. Não é uma preocupação válida?
Isso é um terrorismo. É a mesma coisa que se falava quando se dizia que haveria orçamento com déficit em 2015. Temos orçamento com déficit há quatro anos e a taxa de juros caiu e a inflação está sob controle. É claro que déficit muito alto é problema, mas é uma dicotomia achar que a gente sai da situação atual e vira imediatamente uma Argentina ou Venezuela. É desconhecimento ou desonestidade. O que se está propondo é: ou tem o teto Temer ou não tem limite nenhum. Entre os extremos há alternativas. Quem coloca a discussão nesses termos, não quer discutir nada.
Há uma encruzilhada na economia brasileira, um dilema entre irresponsabilidade fiscal e austeridade a qualquer custo. Qual é a saída?
A saída é ter uma discussão transparente e honesta sobre os limites de gastos. Quais são os gastos que estão sofrendo mais agora e que a gente tem mais necessidade? O investimento público é um deles. Ele não é suficiente para manter a infraestrutura existente. Quer dizer que vai extrapolar? Não. Tem de ter limite. Então vamos discutir e fiscalizar isso, com transparência. É bom senso, mas, para ter bom senso, a gente tem de sair dos chavões.
Mas e o risco de desandar?
Entendo que, se abrir a discussão de revisão de teto, a porteira por onde passa um boi pode deixar passar a boiada. Abre-se o teto para discutir saúde e educação e passa um aumento para o Judiciário. Sim, tem esse risco, mas, se o teto ficar como está, haverá também o risco de um colapso da saúde e da educação, em uma economia que ainda não saiu da recessão. Precisamos discutir riscos e benefícios de forma adulta, racional.
Você fala em discussão adulta, racional. Mas isso é possível no Brasil de hoje?
É a única saída. Sempre digo que o Brasil, antes de chegar ao Plano Real, fez os planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor. Foi um risco, mas e se a gente tivesse optado por parar de tentar? É difícil, mas temos de discutir até chegar à solução. O teto no atual formato é inviável e tem efeitos negativos. Então, em vez de ficarmos discutindo ajustes temporários, é melhor fazer uma rediscussão geral, organizada e transparente. Se não fizer isso, esse teto vai desabar e não vai ter nada no lugar. Aí sim vai ser o liberou geral.