Diretor do Banco Central entre 2003 e 2006, no primeiro governo Lula, marcado pela continuidade da política macroeconômica de Fernando Henrique Cardoso, o economista Alexandre Schwartsman é defensor da manutenção do teto de gastos. Signatário do manifesto de 80 economistas pela permanência do mecanismo de controle, ele reconhece que há problemas, mas adverte:
— Se é ruim com ele, é pior sem ele.
Para Schwartsman, a alternativa seria a execução de reformas ambiciosas com o objetivo de alterar a dinâmica dos gastos no Brasil, inclusive a revisão de regras do funcionalismo, para “baixar o piso e não derrubar o teto”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Qual é a sua avaliação sobre o teto de gastos?
É uma briga antiga. O teto existe vai fazer quatro anos. No início, era a emenda do fim do mundo, que faria com que os serviços públicos no Brasil regredissem ao nível do Congo, esse tipo de coisa. Enfim, é uma medida que está sob ataque desde sempre, mas, dada a estrutura do orçamento no Brasil, não vejo nada de muito diferente que se pudesse ter feito. A ideia foi criar o teto de gastos para conter o ritmo de crescimento das despesas, que vinha bem acima da inflação e do crescimento do PIB. Foi uma decisão correta.
Então, o teto deve permanecer como está?
Sim, deve permanecer. Se o país fizesse reformas ambiciosas, até se poderia acabar com ele. Mas, na ausência disso, precisamos desse teto como mecanismo para disciplinar o setor público. Se é ruim com ele, é pior sem ele. E é claro que há problemas. Estabeleceu-se um teto para os gastos, mas os gastos obrigatórios continuaram subindo. A questão é que sempre se soube da necessidade de reformas para evitar isso. Em 2019, fizemos a reforma da Previdência, mas paramos por aí. Então, de fato, há dificuldades. O pessoal que já era contrário está aproveitando para varar de vez o teto. Só que tem consequências.
Quem defende o fim do mecanismo diz que isso fundamental para ampliar investimentos públicos e gastos sociais. Não é uma preocupação válida?
Tremenda bobagem. Primeiro, porque nenhum programa social foi reduzido. De 2016 para cá, o gasto social cresceu além da inflação. O que esse pessoal quer é defender servidor público. Investimento? Desculpa, Estados não têm teto de gastos, e o investimento está despencando. Por quê? Porque gastam muito com funcionalismo. E outra: o Brasil teve o PAC (Programa de Aceleração de Crescimento). Cadê os efeitos disso? Se gasto público ajudasse o país a crescer, a gente era campeão mundial.
Há uma encruzilhada na economia brasileira, um dilema entre irresponsabilidade fiscal e austeridade a qualquer custo. Qual é a saída?
Sempre teve esse tipo de conflito. No governo FHC, tinha aquela história de desenvolvimentistas contra ortodoxos. No governo Lula, também teve conflito. Inicialmente, tendeu-se para algo mais controlado, mas, depois, quem levou a melhor foram os gastadores. O governo Dilma foi de gastadores até o final. Quando tentou segurar, era tarde. Sempre tem alguma justificativa.
Mas e hoje, como resolver o conflito?
Interpreto isso muito mais por um prisma político-eleitoral. Enquanto a agenda do Paulo Guedes não atrapalhou a agenda do presidente, tudo bem. Só que Jair Bolsonaro sentiu cheiro de sangue na água e ampliou os gastos. O auxílio emergencial é uma grana bastante razoável em um país pobre como o Brasil. A popularidade dele subiu, o cara está com os olhos brilhando e já viu o caminho para a reeleição, mas no meio do caminho tinha uma pedra chamada Paulo Guedes. O conflito é esse.
Como superar?
O que eu acho que vai acontecer é que o teto vai rodar. A gente está lutando uma batalha perdida.
Qual é a alternativa ao debate sobre o teto?
A alternativa é fazer um monte de reformas. Fazer uma reforma administrativa séria, desvincular o orçamento, colocar na Constituição que você pode reduzir jornada e cortar salários de servidores públicos. Tem um monte de coisas que mudaria a dinâmica de gastos no Brasil. Precisamos baixar o piso e não derrubar o teto. Isso envolve, principalmente, mexer com o funcionalismo, até porque é uma vergonha. Não tem outra palavra. A gente está no meio de uma pandemia. Um monte de gente perdeu o emprego, está vivendo com R$ 600 por mês. E qual é o sacrifício que o servidor público fez? O ajuste há muito tempo está sendo suportado pelo setor privado.