Após encaminhar a primeira parte da reforma tributária ao Congresso, na semana passada, o governo Jair Bolsonaro esboça novas medidas a serem apresentadas. Possibilidades já aventadas no passado, a criação de um imposto sobre transações financeiras, a desoneração da folha de pagamentos e mudanças na configuração do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ganharam aval do ministro da Economia, Paulo Guedes. O movimento é alvo de críticas entre o empresariado, que rechaça a criação de um tributo semelhante à antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), e enfrenta a oposição do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM).
Em entrevista à Rádio Gaúcha nesta quinta-feira (30), o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, argumentou que taxar movimentações financeiras permitiria ao governo federal arrecadar R$ 120 bilhões por ano. A ideia seria contemplar principalmente operações digitais. Isso daria espaço, segundo Afif, para reduzir a contribuição previdenciária de 20% paga pelas empresas para cada funcionário e serviria para aumentar a faixa salarial de isenção do Imposto de Renda de R$ 1,9 mil para cerca de R$ 3 mil mensais.
Em evento realizado nesta quinta, em Brasília, Maia criticou a recriação de um imposto similar à CPMF. Ele manifestou que votaria contra a proposta e iria tentar influenciar outros parlamentares a também rejeitarem a ideia.
Entre as entidades empresariais do Rio Grande do Sul, a menção à "nova CPMF" gera arrepios. O presidente da Federação do Comércio de Bens e Serviços do Estado (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, afirma estranhar a retomada das discussões sobre o tema.
— A impressão que tenho é de que o (ministro da Economia) Paulo Guedes é tentado por esse imposto, que é horrível pelo efeito cascata dele, pegando do setor produtivo à população em geral — aponta.
A diminuição de impostos sobre a folha de pagamento seria bem-vinda e poderia estimular a geração de postos de trabalho, segundo a presidente da Federação de Entidades Empresariais do Estado (Federasul), Simone Leite. No entanto, a dirigente vê a taxação das transações financeiras como uma maneira de "tirar dinheiro de empresários e trabalhadores".
— Podem chamar esse imposto do jeito que quiserem que somos completamente contrários. Esse processo de mandar a reforma em partes (ao Congresso) confunde e pode acaba tornando-a uma colcha de retalhos — avalia.
Apoiador do projeto inicial encaminhado ao Congresso, o presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Gilberto Petry, também critica o tributo sobre movimentações financeiras.
— A indústria entende que seria interessante tornar a folha de pagamento mais simples, mas se for para tributar na outra ponta, somos contra — sinaliza.
Arrecadação superestimada
Economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Juliana Damasceno acredita que a arrecadação prevista pelo governo com a nova contribuição é superestimada e considera preocupante ela estar atrelada à concessão de benefícios fiscais. Neste contexto, ela recorda que a política de desoneração da folha de pagamento, quando utilizada no governo Dilma Rousseff (PT), se mostrou pouco efetiva para gerar empregos.
— Instituir uma nova contribuição para compensar a redução da folha e outros pontos é preocupante do ponto de vista fiscal. É como se estivéssemos aumentando a carga para tentar resolver nossos problemas — aponta, analisando que a retomada dessa discussão poderá prejudicar a tramitação da etapa da reforma enviada ao Congresso.
Mudanças na tabela do IRPF são necessárias, na avaliação do professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Gustavo Inácio de Moraes. O economista lembra que a faixa de isenção está mais de 100% defasada e deveria chegar a R$ 4,2 mil, se fosse corrigida pela inflação acumulada desde 1996. Ainda assim, ele vê poucas chances de a ideia avançar.
— Com a correção da tabela, mais metade dos trabalhadores ficariam isentos do Imposto de Renda na fonte, mas isso teria um impacto importante no caixa do governo em um momento em que ele precisa financiar medidas anticíclicas — constata.
Além disso, Moraes lembra que alterações nas deduções de despesas com saúde e educação tendem a sofrer forte rejeição entre os contribuintes das classes média e alta do país.
Entenda as mudanças analisadas
Imposto sobre transação financeira
O governo criaria um imposto sobre transação financeira, com alíquota estimada em 0,2%, o que permitiria arrecadar R$ 120 bilhões ao ano. Na avaliação da equipe econômica, isso abriria espaço para reduzir a carga tributária em outros âmbitos. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) seria extinto.
Desoneração de impostos sobre a folha de pagamento
Uma das contrapartidas à "nova CPMF" seria a redução de impostos sobre a folha de pagamentos. O governo acena para as empresas com a possibilidade de isenção da contribuição previdenciária de 20% para trabalhadores que recebem um salário mínimo e prevê a redução de 20% para 15% nos salários acima disso.
Imposto de Renda
O governo estuda aumentar a faixa de isenção de R$ 1.903,99 para aproximadamente R$ 3 mil. Além disso, cogita diminuir a alíquota máxima de 27,5% e criar uma alíquota mais alta para os contribuintes ricos. Também é analisada a possibilidade de redução das deduções, que, no caso das despesas médicas, hoje são ilimitadas. Lucros e dividendos passariam a ser taxados para as pessoas físicas, o que não ocorre desde 1996.