Principal economista por trás de uma das propostas de reforma tributária federal que tramita na Câmara dos Deputados, Bernard Appy é só elogios à proposta de reforma tributária estadual apresentada pelo governador Eduardo Leite. Em entrevista por telefone a GaúchaZH, Appy defende sem restrições as medidas propostas por Leite, desde o aumento geral da alíquota de IPVA até a devolução de ICMS para famílias de baixa renda.
Ex-secretário executivo e ex-secretário de Política Econômica durante os governos Lula, o economista atua hoje como diretor do Centro de Cidadania Fiscal – um think tank focado em tributação e políticas públicas. Na avaliação do paulistano, o Rio Grande do Sul não tem alternativa de curto prazo que não manter a carga tributária elevada, como propõe o governo Leite. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O sr. considera pertinente que o Rio Grande do Sul encaminhe sua reforma tributária estadual, neste momento de debate da reforma federal?
Sim, eu acho que é adequado, porque a (proposta de) reforma que está em discussão na Câmara dos Deputados e no Senado, no que afeta o ICMS, tem uma transição longa. E a (proposta de) reforma do governo federal não afeta o ICMS e nenhum tributo estadual. Se é possível melhorar o sistema tributária estadual, a partir de mudanças em cada Estado, antes de haver a reforma ampla, acho que é positivo.
Qual a impressão do sr. sobre a proposta de reforma do governo Leite?
Nas linhas gerais, acho que a reforma é bastante positiva. A ideia de reduzir o número de alíquotas de ICMS e homogeneizar o máximo possível vai na mesma linha do que está sendo proposto na PEC 45, que está em discussão na Câmara dos Deputados, e que propõe uma alíquota uniforme na tributação. A ideia de devolução do imposto (ICMS) para as famílias de baixa renda, aliás, é uma proposta que foi trazida para o Brasil por um auditor fiscal do Rio Grande do Sul, e que nós incorporamos também no desenho da PEC 45. Porque acaba tendo um custo menor do que a desoneração da cesta básica e um efeito melhor em termos de reduzir a desigualdade e de melhorar a distribuição de renda.
Para se ter uma ideia, quando fizemos estudos (nacionais), a desoneração da cesta básica para todo mundo exigiria a alíquota dois pontos percentuais maior. Sendo que, no fundo, quando eu desonero a cesta básica de forma linear, eu estou dando um benefício que em termos absolutos é maior para a família de alta renda do que para as famílias de baixa renda. E por outro lado, do ponto de vista distributivo, é muito mais eficiente devolver o imposto para as famílias de baixa renda. Esse modelo exige uma alíquota meio ponto percentual mais alta. Com um quarto do custo para a sociedade como um todo, você consegue fazer uma política que é mais eficiente do ponto de vista distributivo.
Parte da reforma proposta pelo governo gaúcho prevê o aumento linear do IPVA e redução das isenções. Como o sr. vê essa medida?
Geralmente quem possui automóvel são as pessoas de renda mais alta. As pessoas mais pobres não possuem automóvel. Se você aumentar a tributação de IPVA e, para compensar, reduzir um tributo sobre consumo que afeta mais, proporcionalmente, as famílias mais pobres, acho uma medida correta. As pessoas que têm renda mais alta têm veículos mais caros, e pagam mais IPVA do que pessoas que têm renda mais baixa e terão veículo mais barato.
Em segundo lugar, não pode olhar a mudança que está sendo feita no IPVA sem considerar as demais mudanças que estão sendo propostas pelo governo. Para entender se a mudança piora ou melhora a distribuição de renda, tem que olhar a mudança como um todo. E o governo do Estado está propondo aquele modelo de devolução de uma parte de ICMS incidente no consumo das famílias de baixa renda, o que é muito progressivo.
No caso do ITCD, o imposto sobre heranças, a cobrança no Rio Grande do Sul é progressiva e tende a ficar ainda mais. No caso do IPVA, a cobrança é linear. Seria mais justa uma cobrança também progressiva sobre o IPVA?
Em um tributo sobre patrimônio, com alíquota linear, em termos absolutos, já se onera mais as pessoas de renda mais alta. Eu não acho incorreta essa tributação linear do patrimônio. Em geral, acho correta. No ITCD faz todo sentido ter progressividade. É um imposto sobre heranças, de transferência patrimonial. Justifica-se ter progressividade. Inclusive esse é o padrão mais comum no mundo.
Os impostos sobre propriedade, tanto propriedade de veículos quanto imobiliária, geralmente tem alíquota uniforme, com limites de isenção. Esse é o padrão mais comum de tributação do patrimônio. Lembrando que as famílias muito pobres não têm veículos. São as famílias a partir de um certo nível de classe média baixa que começam a ter veículos. Não vejo que isso seja um grande problema.
O Rio Grande do Sul tem graves problemas fiscais. As alíquotas de ICMS atuais foram temporariamente aumentadas e voltam aos patamares antigos em 2021. Ou seja, se a reforma do governo Leite não for aprovada, haverá uma redução brusca na arrecadação. Um Estado como o Rio Grande do Sul pode abrir mão desta carga tributária elevada?
O atual governo do RS também está adotando também várias medidas de contenção de despesas, seja via reforma da previdência, seja de reforma administrativa. No longo prazo, o ideal é fazer um ajuste de despesas. Toda mudança em política de despesa tem um efeito diluído ao longo do tempo. E, no curto prazo, em um Estado na situação do Rio Grande do Sul, eu não vejo como reduzir a carga tributária.