A proposta do governo Eduardo Leite para aumentar de forma linear o IPVA de carros e caminhonetes – de 3% para 3,5% – não é unânime entre especialistas. Os críticos do projeto avaliam que o aumento geral do imposto agrava a injustiça tributária, enquanto os apoiadores entendem que os ricos já pagam um valor mais elevado.
O especialista em tributação Pedro Humberto Carvalho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), alerta que o IPVA já tem um peso muito maior para as famílias gaúchas de baixa e média renda em comparação às mais ricas e que a proposta pode pior a situação dos mais pobres. Um aumento geral do imposto pioraria o cenário.
— O IPVA já pesa, atualmente, 3,5 vezes mais para os mais pobres em comparação aos mais ricos do Rio Grande do Sul. Então, se você aumentar a alíquota, você vai aumentar essa disparidade. Aumentar o IPVA não é uma solução para a justiça fiscal — aponta Carvalho.
De acordo com o pesquisador, os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre orçamento familiar no Estado mostram que o IPVA consome 3,5% da renda das famílias que ganham até R$ 4 mil por mês e que pagam o imposto. Neste grupo, estão 50% da população gaúcha. Na outra ponta, entre os 10% mais afortunados, o pagamento de IPVA consome apenas 1% da renda familiar, calcula Carvalho. Para famílias com renda intermediária, entre R$ 4 mil e R$ 14 mil, o pagamento do tributo representa 1,7% da renda anual.
Uma das formas de reduzir o impacto dos tributos para as camadas de menor renda é aplicar a chamada progressividade nas alíquotas. Na prática, significa criar várias alíquotas, aplicando percentuais mais baixos aos bens de menor valor e alíquotas mais altas às posses mais elevadas.
— Um aumento linear (do IPVA) fica aquém do que poderia ser explorado em uma reforma tributária. Toda tributação que não é progressiva carrega em si uma injustiça (tributária) — reforça o advogado tributarista Marcelo Rohenkohl.
O economista Bernard Appy diverge dessa opinião. O diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CciF) lembra que, em valores absolutos, as pessoas mais ricas já pagam um valor mais elevado de IPVA do que as famílias mais pobres.
— As pessoas que têm renda mais alta têm veículos mais caros e pagam mais IPVA do que pessoas que têm renda mais baixa. Em um tributo sobre patrimônio, com alíquota linear, em termos absolutos já se onera mais as pessoas de renda mais alta — analisa Appy.
Entusiasta da proposta do governo gaúcho, ele acredita que o aumento de IPVA é uma medida acertada dentro do conjunto da reforma tributária estadual.
— Se você aumentar a tributação de IPVA e, para compensar, reduzir um tributo sobre consumo que afeta mais, proporcionalmente, as famílias mais pobres, acho uma medida correta — acrescenta Appy.
IPVA progressivo acabaria no STF, dizem juristas
Um exemplo de imposto progressivo é o ITCD, cobrado sobre heranças e doações. As heranças de menor valor são tributadas em 3%, enquanto as mais altas, em 6%. Ao apresentar a sua reforma tributária, Leite defendeu o conceito de tributar mais quem tem mais, propondo ampliar a progressividade do imposto sobre heranças. Contudo, no IPVA, o governador defendeu o aumento linear, por enxergar restrições legais para a progressividade.
— Chegamos a discutir a possibilidade de IPVA progressivo, no entanto se visualizou a impossibilidade legal — afirmou o governador, durante a apresentação da reforma, no último dia 16.
O IPVA progressivo é considerado juridicamente controverso. Juristas ouvidos por GaúchaZH avaliam que há margem para estabelecê-lo, mas destacam que o tema acabaria sendo decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
— Não sei qual o óbice que o governador teve em mente quando falou da impossibilidade de progressividade no IPVA. Eu diria que, em princípio, como já aconteceu com o ITCD (imposto sobre herança), o IPVA poderia ser progressivo. Mas terminaria no Judiciário. Acho que o governador não quer mexer em vespeiro — avalia Igor Danilevicz, professor de Direito Tributário da UFRGS, que vê com bons olhos as linhas gerais da reforma estadual.
Para o tributarista Rohenkohl, não há dúvidas de que é constitucional aplicar a progressividade sobre o IPVA:
— Não há, a rigor, uma barreira que impeça o IPVA de ser progressivo. Inclusive, se pegarmos a composição do STF hoje, não há dúvida de que a progressividade do IPVA seria considerada constitucional.
Em vez de cobrar 3% ou 3,5% de IPVA sobre todo os carros e caminhonetes, Rohenkohl considera que o Piratini poderia reduzir o percentual cobrado dos veículos de menos valor e subir a tributação sobre os bens de luxo para até 4,5%.
— Acredito que, no IPVA, uma alíquota progressiva de até 4,5% não teria o impedimento de ser considerada confiscatória — avalia Rohenkohl.
Mais cauteloso, o tributarista e desembargador aposentado Adão Cassiano acredita que há incerteza jurídica sobre o tema. Cassiano lembra que o Supremo, ainda que tenha autorizado a progressividade para o imposto sobre heranças, em 2013, já negou anos antes o uso desse mecanismo para o ITBI, imposto municipal cobrado em transações imobiliárias.
— Seria mais justo se o IPVA fosse progressivo. A progressividade, quando bem utilizada, pode modular a carga tributária e é um mecanismo de justiça fiscal. Mas, para saber se o IPVA poderia ser progressivo, só quando chegar um caso lá (no Supremo) – pondera Cassiano.
Imposto sobre gasolina compensará IPVA, diz Leite
Durante as apresentações da proposta de reforma tributária, o governador tem argumentado que, entre aumentos e reduções de impostos, o saldo será positivo para os contribuintes. Leite também explica que a reforma é progressiva na medida em que reduz o ICMS, que pesa sobre consumo e produção e aumenta tributos sobre as propriedades, caso dos veículos.
Em relação ao peso direto no bolso do contribuinte por conta do IPVA, o governador pondera que haverá redução do imposto sobre os combustíveis.
— O que vai ter de desoneração do (ICMS de) combustível vai cobrir esse valor que vai ser chamado no IPVA. Tem que olhar o conjunto da obra — disse Leite na apresentação das medidas.
O ICMS sobre os combustíveis foi elevado de 25% para 30% no Rio Grande do Sul, a pedido do então governador José Ivo Sartori, entre os anos de 2016 a 2018. Ainda antes de assumir o governo, Leite pediu que a Assembleia Legislativa renovasse as alíquotas elevadas de ICMS até o final de 2020. Em 2021, se nada for feito, o Estado volta a ter automaticamente o imposto mais baixo sobre os combustíveis.