Ao detalhar a proposta de reforma tributária do Estado, nesta quinta-feira (16), em videoconferência, o governador Eduardo Leite apresentou o que poderá ser a mais ampla alteração já feita no sistema de impostos do Rio Grande do Sul.
As medidas sugeridas — que serão encaminhadas no início de agosto à Assembleia Legislativa — incluem de tudo: diminuição de alíquotas de ICMS, devolução de impostos a famílias de baixa renda, aumento de IPVA, extinção de isenções fiscais e até contrapartidas em dinheiro de setores favorecidos por benefícios.
Por trás das modificações está o fim da elevação do ICMS, aprovada em 2015 e válida até 31 de dezembro deste ano, com impacto de R$ 3 bilhões nas finanças estaduais. O valor equivale a duas folhas de pagamento do Executivo, que já vêm sendo quitadas em atraso há anos.
Para explicar a alternativa encontrada diante do problema, Leite partiu de uma apresentação com 128 páginas e falou por mais de duas horas a jornalistas e líderes setoriais, tamanha a complexidade do tema. Começou relembrando a promessa feita na campanha eleitoral, quando se comprometeu a não prorrogar a majoração e a promover uma revisão completa da política tributária. Antevendo críticas, fez um apelo:
— O que peço a todos é que enxerguem a floresta e não apenas as árvores individualmente, que tenham uma compreensão do conjunto da obra, do resultado final das ações.
A ressalva deve-se à forma como foi redesenhado o sistema, impondo perdas para praticamente todos os setores e ganhos coletivos, em uma tentativa de equalizar e reorganizar a distribuição da carga tributária, mantendo a arrecadação do Estado no patamar atual. Em resumo: se as alterações forem vistas apenas de forma individual, Leite teme que sejam rejeitadas.
— O resultado da reforma é de um empate com a arrecadação que temos hoje. O governo não está alterando a estrutura tributária com viés arrecadatório, buscando aumento de receita. Não há aumento de carga tributária. Há, inclusive, diminuição de carga no ICMS. Estamos diminuindo o peso do ICMS sobre a nossa economia e vamos buscar essa compensação de outras formas que entendemos mais inteligentes — destacou o governador.
A reformulação é integral e envolve uma mudança de foco, com o objetivo de desonerar o consumo e onerar o patrimônio. São diferentes movimentos: da redução de alíquotas de ICMS ao atendimento de antigas demandas do empresariado, passando pela devolução de impostos à sociedade e por profundas modificações na política de isenções, benefícios e desonerações fiscais, que prometem causar controvérsia (veja os detalhes abaixo).
Para compensar a desoneração sobre o consumo, o governo propõe a elevação da alíquota de IPVA para automóveis (de 3% para 3,5%), a diminuição dos descontos do bom motorista e a redução do percentual de isentos de 46% para 25% da frota. Quanto ao ITCD, imposto sobre heranças e doações, a intenção é criar novas faixas, chegando a 8% (hoje, elas não passam de 6%). Mesmo com esses aumentos, Leite diz que o impacto no bolso dos contribuintes não será maior.
Aí vai um exemplo: hoje, quem tem um carro com mais de 20 anos, não paga IPVA. Se a mudança entrar em vigor, esse proprietário passará a pagar. Ao mesmo tempo, em tese, gastará menos com combustível. Considerando a média do preço da gasolina, a redução seria de R$ 0,27 na bomba. Por ano, em estimativa aproximada, o custo cairia cerca de R$ 500, enquanto que o gasto com IPVA seria menor do que isso. Na teoria, não haveria avanço de carga tributária sobre a ganhos.
Outra aposta de Leite para equalizar as distorções é indenizar famílias de baixa renda (até três salários) com uma espécie de devolução do ICMS. Se sancionada, a iniciativa será inédita no Brasil e terá o papel, no entendimento do governador, de elevar a capacidade de consumo dessa população, movimentando a economia e ajudando a tirar o Estado da crise.
— Cada medida, isoladamente, não se viabiliza. O Estado não consegue fazer o movimento de reduzir carga, se não houver compensações. As coisas estão amarradas para que a gente possa ter sustentabilidade fiscal, não prejudicar serviços e garantir competitividade — disse o governador.
Agora, o desafio do Palácio Piratini é convencer a opinião pública — e, principalmente, os setores mais afetados, entre eles a indústria e o agronegócio — de que esse equilíbrio delicado, traçado na tela do computador, vai mesmo funcionar na prática.
— Há dois caminhos alternativos. Um é ruim. O outro é pior. Ruim é manter as alíquotas como estão. Pior ainda é não ter as atuais alíquotas, perder arrecadação e comprometer ainda mais a capacidade financeira do Estado. O povo irá pagar a conta com a precarização de serviços — adverte o governador.
Principais pontos da proposta
1) Redução de alíquotas de ICMS
- O modelo atual de tributação no RS tem cinco alíquotas básicas (12%, 18%, 20%, 25% e 30%) e a proposta é reduzir para duas (17% e 25%), para simplificar o sistema
- Hoje, a alíquota geral é de 18%. Ela foi elevada em 2015, com vigência até dezembro deste ano. A partir de janeiro, se a proposta for aprovada, cairá gradualmente. Em 2021, será de 17,7%, em 2022, de 17,4% e, em 2023, de 17%
- A outra alíquota diz respeito a combustíveis, telecomunicações, energia elétrica, entre outros produtos. Hoje, ela é de 30%. Passará, de imediato, em janeiro de 2021, a ser de 25%, sem transição. Com isso, na prática, itens como gasolina, álcool e a conta de luz terão a tributação reduzida. Já refrigerantes e gás de cozinha, que hoje têm carga menor, sofrerão aumento
2) Redução da alíquota efetiva para compras internas
- Para diminuir custos de empresas e aumentar a competitividade, o governo propõe a redução do ICMS pago nas operações internas (quando uma empresa daqui compra algum produto de outra empresa gaúcha) de 18% para 12% a partir de 2021
3) Fim do imposto de fronteira
- O governo prevê o fim do Diferencial de Alíquotas de ICMS (Difal), mais conhecido como imposto de fronteira, uma antiga reivindicação que inclusive foi aprovada na Assembleia em 2013, mas nunca entrou em vigor. Isso valerá a partir de 2022
4) Revisão do Simples Gaúcho
- O programa que oferece facilidades a micro e pequenas empresas será reformulado. Em 2021, será mantida a isenção para os cerca de 200 mil empreendimentos que faturam até R$ 360 mil por ano. Mas, a partir de 2022, isso valerá somente até a faixa de R$ 180 mil anuais, mantendo a isenção para 160 mil empresas
5) Extinção parcial de isenções e reduções de base de cálculo
- A reforma prevê a extinção da maior parte dos benefícios concedidos na forma de Redução de Base de Cálculo (RBC). Isso envolverá, por exemplo, as cestas básicas de alimentos e de medicamentos, a erva-mate e as carnes temperadas. O impacto é estimado em R$ 663 milhões ao ano para o Estado
- Quanto às isenções fiscais, deixarão de ter o benefício os seguintes produtos: hortifrutigranjeiros, pão francês e a massa pronta para seu preparo, leite pasteurizado tipos A, B e C, maçãs, peras, ovos, flores naturais e preservativos. O impacto é de R$ 841 milhões anuais. O fim da isenção será gradativo, com transição até 2023
- Ao mesmo tempo, para a maior parte desses produtos, haverá a redução da alíquota geral, de 18% para 17%, até 2023
6) Criação do Fundo Devolve ICMS
- Outra proposta de revisão de benefícios fiscais prevê a criação do Fundo Devolve-ICMS, que será formado com recursos proporcionais aos benefícios concedidos pelo Estado. Ou seja: empresas beneficiadas terão de contribuir. Aquelas que têm créditos presumidos (destinados a atrair investimentos e a estimular setores da economia), serão chamadas a repassar 10% sobre o valor do benefício. O mesmo valerá para isentos de ICMS nas saídas de insumos agropecuários
- O objetivo, com isso, é financiar a política de devolução de ICMS para famílias de baixa renda, além de garantir verbas para investimentos em infraestrutura, relacionados à atividade agropecuária, por exemplo
7) Respeito aos contratos
- Não há mudanças nos contratos firmados para investimentos no RS
- Não há mudanças nas regras de benefícios concedidos por programas como Fundopem e Fomentar
- Benefícios que expiram em dezembro de 2020 serão renovados por tempo indeterminado
- O RS continuará com uma política de desonerações em apoio a setores econômicos
8) Devolução de ICMS para famílias de baixa renda
- A iniciativa consiste em devolver parte do ICMS a famílias com menor renda (de até três salários mínimos, que correspondem 1,1 milhão de famílias, 30% do total). Elas terão de estar no Cadastro Único (do governo federal) e registradas no programa Nota Fiscal Gaúcha
- Receberão restituição mensal com valor fixo mínimo de 15% a 40% do ICMS pago (pelo menos R$ 30), que poderá ser ampliado. Essa ampliação será calculada conforme o consumo da família, a partir do controle das notas fiscais eletrônicas, e terá um teto
- O dinheiro será depositado mensalmente em conta específica, como ocorre com o Bolsa Família. A intenção é de que a medida seja implementada gradativamente, começando pelas famílias com renda de até um salário mínimo
9) Mudanças no IPVA
- Aumento de alíquota de 3% para 3,5% para automóveis e camionetas
- Alteração dos critérios de isenções: serão isentos veículos fabricados há mais de 40 anos (e não há mais de 20 anos, como é hoje). Isso ampliará o percentual de pagantes de 54% para 75%
- Redução do valor mínimo do IPVA de quatro Unidades de Padrão Fiscal (UPF) para até uma UPF (atualmente, no valor de R$ 20,30)
- Redução dos benefícios de Bom Motorista: com três anos sem infrações, o desconto cairá de 15% para 5%; dois anos sem infrações, de 10% para 3%; e um ano sem infrações, de 5% para 2%
- Lei estadual para emplacamento obrigatório no RS
- IPVA Verde: a isenção já existente para os veículos elétricos será estendida para os veículos híbridos até 2023. Também haverá isenção por dois anos do IPVA na compra, até 2023, de novos ônibus e caminhões e isenção por quatro anos de ônibus novo com características de biossegurança
- Conforme o governo, o impacto das novas alíquotas e das demais medidas na arrecadação chegará a R$ 744 milhões anuais a partir de 2021
O que não muda
- Não há mudanças no diesel (a carga permanece 12%)
- Não há mudanças no IPVA de motos e caminhões (alíquotas de 2% e 1%, respectivamente)
- Seguem as isenções para táxi, lotação, ônibus, transporte escolar, lotação, veículo de instituições sociais
- Não aumentam os custos do transporte público urbano
- Não há mudança nos custos do transporte de carga
10) Mudanças no ITCD
- O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos incide sobre a transferência gratuita de bens móveis ou imóveis e também de direitos, incluindo a sucessão (causa mortis). Hoje, as alíquotas chegam, no máximo, a 6%
- A proposta é adotar faixas de alíquotas progressivas para causa mortis de 7% e 8% (hoje o máximo é 6%) e de alíquotas progressivas para doações de 5% e 6% (hoje o máximo é 4%). Além disso, busca-se prever explicitamente a incidência de ITCD, com Substituição Tributária (um tipo especial de regime de tributação), sobre planos de previdência privada