Na virada do século, Eduardo Leite era adolescente em Pelotas e recém estava despertando para a política, inspirado no então presidente Fernando Henrique Cardoso. Como qualquer jovem de 14 anos, não tinha por que mergulhar no debate incandescente que tomou conta do Estado quando o governador Olívio Dutra propôs a lendária “nova matriz tributária”. Por três anos (1999, 2000 e 2001), Olívio tentou, sem sucesso, aprovar uma alteração na estrutura tributária do Estado, com foco no aumento da arrecadação e na redistribuição da carga, de modo a aliviar as famílias de baixa renda.
À época, o Rio Grande do Sul vivia um dos períodos mais conturbados na relação entre o Piratini e a Assembleia. Sem maioria no Legislativo, desgastado pela transferência da Ford para a Bahia e acossado por uma oposição virulenta, Olívio não conseguia aprovar qualquer projeto polêmico. O então vice-governador Miguel Rossetto gastava horas em seu gabinete na ala residencial do Piratini, fumando, tomando café preto e tentando convencer empresários e jornalistas de que não se tratava de simples aumento de imposto, mas de justiça tributária.
Em suas diferentes versões, porque a cada ano era abrandado, o projeto era bem menos ousado do que o agora apresentado pelo governador Eduardo Leite, social-democrata desde aquela época. Bem que o PT gostaria de colocar em prática o discurso da taxação das “grandes fortunas”, mas se Olívio tivesse proposto o aumento do imposto sobre heranças para 8%, a oposição teria iniciado uma nova Revolução Farroupilha.
Em síntese, Olívio propunha aumentar o ICMS de energia e telecomunicações e de produtos considerados supérfluos, como cigarros, perfumes e bebidas alcoólicas, e reduzir os de consumo popular. No balanço de perdas e ganhos, a receita aumentaria e daria fôlego ao governo, que mal e parcamente conseguiu manter os salários em dia.
Olívio também não ousou propor nada parecido com a devolução de parte do ICMS para as famílias mais pobres, como gostaria sua alma socialista. Não havia clima para nada parecido com o que hoje defende o economista Thomas Piketty, adepto da taxação de patrimônio. À época, o autor de O Capital no Século 21 tinha 28 anos.
Desgastado, Olívio não conseguiu sequer disputar a reeleição. O PT optou por Tarso Genro, que acabaria derrotado por Germano Rigotto (MDB), terceira via no embate que tinha do outro lado o ex-governador Antônio Britto, à época no PPS. Governador de 1995 a 1998, Britto, conseguiu aprovar a privatização de estatais e o aumento do ICMS de 17% para 18%, para vigorar no seu último de governo, mas não conseguiu zerar o déficit.
Rigotto assumiu o Estado com as finanças deterioradas, inaugurou a prática de uso dos depósitos judiciais de terceiros, que salvaria o governo Tarso Genro (2011-2014) e, em 2004, e aprovou com 27 votos a favor e 26 contrários o aumento do ICMS de telecomunicações, energia elétrica (residencial e comercial), álcool e gasolina. Detalhe: o aumento valeria somente até o último dia do seu governo.
Vencido por Yeda Crusius (PSDB), que se elegera prometendo equilibrar as contas sem aumentar impostos, Rigotto concordou em apresentar à Assembleia um amplo projeto de reforma tributária elaborado pela equipe da governadora eleita. Sem articulação na Assembleia e sem apoio da sociedade, a proposta foi derrotada.
Com o economista Aod Cunha à frente da Secretaria da Fazenda, Yeda promoveu um ajuste fiscal sem aumentar impostos e sem usar os depósitos judiciais, conseguiu zerar o déficit, mas a receita do bolo desandou no último ano de governo, já sem Aod.
Seu sucessor, Tarso Genro (PT), encontrou a conta dos depósitos recheada e sobreviveu os quatro anos sem propor aumento de impostos e sem atrasar salários, mas legou ao sucessor, José Ivo Sartori (MDB) um déficit que se aprofundaria nos anos seguintes, mesmo com a aprovação, em 2015, do aumento da alíquota geral de ICMS de 17% para 18% e dos combustíveis, energia e telecomunicações, de 25% para 30%. Mesmo assim, parcelou salários e conseguiu na Justiça a suspensão do pagamento da dívida.
A bem da verdade é preciso lembrar que Sartori propôs o aumento de ICMS por tempo indeterminado, sabedor de que o sucessor (ou ele mesmo, caso se reelegesse) enfrentaria dificuldades seríssimas de caixa. A bancada do PDT, porém, condicionou o voto favorável à limitação no tempo e o aumento aprovado deveria valer apenas até o final e de 2018.
Eleito, Eduardo Leite pediu a prorrogação por dois anos, o que foi considerado um erro por economistas que conheciam a realidade das finanças estaduais e sabiam que não haveria como equilibrar as contas em apenas 24 meses. A menos de seis meses do fim do ano, Leite propôs a mais ousada reforma tributária da história do Rio Grande do Sul e que, para valer em 1º de janeiro, terá de ser aprovada até 30 de setembro.