Um mês após decreto da prefeitura de Porto Alegre permitir a retomada das atividades ligadas à construção civil, as obras na Capital praticamente voltaram ao ritmo normal. De acordo com o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), os mais de 200 canteiros abertos na cidade estão ativos e absorvem quase toda a mão de obra contratada antes do início da pandemia de coronavírus. Dos 27 mil trabalhadores do setor, apenas os profissionais acima de 60 anos e aqueles que compõem grupos de risco seguem afastados.
Mesmo com a liberação, a rotina de trabalho na Capital mudou drasticamente desde 23 de abril, data em que o setor ganhou sinal verde para voltar. Medidas de proteção tiveram de ser adotadas pelas empresas, como fornecimento extra de equipamentos de proteção individual (EPIs), manutenção do distanciamento entre as pessoas, escalas para entrada, horário de almoço e saída do trabalho. Além disso, a jornada passou a ser limitada das 9h às 16h, reduzindo o tempo de atividade nas obras.
— As obras voltaram à normalidade, seguindo os protocolos de segurança. O que está nos atrapalhando é o horário reduzido. Isso tira praticamente três horas diárias de trabalho e causa uma queda na produtividade — pondera Aquiles Dal Molin Junior, presidente do Sinduscon-RS.
As empresas do setor vêm adotando diferentes estratégias para lidar com a carga menor. Segundo o Sinduscon-RS, foram registradas apenas demissões pontuais durante a paralisação entre março e abril. A maioria das companhias optou por manter a mão de obra, mas em alguns casos houve suspensão de contrato ou redução do salário proporcionalmente à jornada. A GC Engenharia é uma das que optou pela redução de 25% na carga horária e remuneração. Atualmente, 25 dos 30 funcionários fixos voltaram às atividades nos três canteiros da incorporadora.
— Retomamos conforme o decreto, reduzindo a carga de trabalho. Apesar de reduzir a produção, ao menos estamos trabalhando. É melhor do que os 40 dias que ficamos parados antes — diz Paulo Garcia, diretor da GC.
Lançamentos são reavaliados
A retomada das atividades do setor vem acompanhada pelo início de novas obras. A Cyrela abriu dois canteiros desde o mês passado, chegando ao total de nove obras em andamento na Capital. O diretor de engenharia Gustavo Navarro explica que os empreendimentos já haviam sido divulgados e, por isso, tiveram os cronogramas mantidos.
— São projetos que foram lançados há meses e que já tinham vendas fechadas, aí já não se tinha mais opção de começar ou não — constata.
Atualmente, a Cyrela está com cerca de 500 trabalhadores, entre diretos e indiretos, nos canteiros. Mesmo com a redução obrigatória da jornada na Capital, a empresa optou por manter os salários e fazer banco de horas entre os colaboradores para compensação futura.
A paralisação por aproximadamente 40 dias e a carga de trabalho reduzida em relação ao período pré-pandemia deverão ocasionar atrasos nas entregas dos prédios. O setor avalia que, em média, os prazos devem ser postergados em um mês. O cenário de incertezas também faz com que lançamentos de empreendimentos previstos para 2020 ainda sejam estudados.
No início do ano, a Melnick Even previa colocar sete novos projetos no mercado. Dois já foram lançados e os demais terão o momento de divulgação reavaliados, alguns podendo sair do papel somente em 2021.
—Nos lançamentos que estavam por iniciar as obras, nós mantivemos o cronograma. Estamos usando muito as plataformas digitais para vendas e, agora, estamos reestudando outros lançamentos — diz Rubem Piccoli, diretor técnico da empresa.
Nos 12 canteiros em atividade na Capital, a Melnick Even conta com 2 mil trabalhadores diretos e indiretos. Antes do início da pandemia, a força de trabalho chegava a 2,5 mil pessoas. Piccoli diz que não voltaram ao trabalho apenas as pessoas que formam parte do grupo de risco.
Vagas serão abertas na Capital
Ainda que a cautela impere entre as construtoras neste momento de crise, algumas empresas do setor deverão reforçar o quadro de funcionários em Porto Alegre nos próximos meses. É o caso da MRV, que em junho deverá abrir seleção para carpinteiro, pedreiro, montador e profissionais de elétrica e hidráulica.
— Devemos ter entre 40 e 60 vagas para Porto Alegre, para início do trabalho em julho — projeta Pedro Henrique Batista, gestor de obras da MRV no Rio Grande do Sul.
Atualmente, a MRV está com sete canteiros ativos em Porto Alegre, que contam com 550 trabalhadores diretos e indiretos. Antes do coronavírus, a obras reuniam mais de 700 funcionários. Na retomada, a empresa optou por manter afastadas as pessoas que formam parte de grupos de risco.
Um dos setores mais atingidos pela recessão vivida entre 2015 e 2016 no Brasil, a construção civil vivia um momento de recuperação até a chegada da pandemia. Desde o ano passado, a atividade esboçava uma retomada e tinha projeções otimistas para 2020, com a realização de investimentos em infraestrutura e o aquecimento do mercado imobiliário. No entanto, o coronavírus colocou em xeque esse cenário. Entre os trabalhadores do setor em Porto Alegre, há o receio de que a crise possa resultar em cortes nos empregos nos próximos meses.
— Agora que o setor estava tentando se reerguer, veio a pandemia e novamente vamos ter crise. Esperamos que o governo federal saia do marasmo e invista em infraestrutura, gerando empregos na construção civil — aponta Gelson Santana, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil (STICC).
Por outro lado, Santana nota que a pandemia aumentou a preocupação com as condições de trabalho oferecidas nos canteiros. O dirigente lembra que as obras tiveram cuidados reforçados na higiene e na segurança dos trabalhadores para evitar o contágio do vírus.