O setor de serviços e o comércio demonstram sinais de reação na abertura de empregos com carteira assinada no Rio Grande do Sul. Em 2019, ambos foram responsáveis por puxar a geração de vagas de trabalho formal no Estado. O cenário ainda está distante de causar empolgação, mas traz dose de alívio após a recessão enxugar as oportunidades disponíveis.
Segundo o Ministério da Economia, o Rio Grande do Sul criou 20,4 mil postos de trabalho em 2019. O saldo decorreu da diferença entre 1,110 milhão de contratações e 1,089 milhão de demissões. Assim, ficou em nível similar ao verificado em 2018, quando houve abertura de 20,2 mil vagas. Os dados integram o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
No ano passado, a principal contribuição positiva para o desempenho veio do setor de serviços.
De janeiro a dezembro, o segmento abriu quase 18,2 mil empregos — em 2018, foram 18,8 mil. O comércio apareceu na sequência, com geração de 7,9 mil postos. Trata-se do saldo mais elevado para o segmento desde 2014. À época, a economia brasileira ensaiava mergulho na recessão, confirmada em 2015 e 2016.
Para analistas, o desempenho de serviços e comércio está atrelado a uma combinação de fatores. Economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo ressalta que a inflação em nível comportado e o juro menor servem de estímulo ao consumo. Com possível fôlego nas vendas, empresas de ambos os setores tendem a fazer mais contratações, conclui.
— A inflação controlada, associada a maior acesso a crédito, traz mais confiança para o consumo das famílias. As perspectivas são boas para 2020. Indicam maior nível de formalização no mercado de trabalho — aponta Patrícia.
Dentro de serviços, o subsetor de comércio e administração de imóveis, valores mobiliários e serviços técnicos foi o destaque na geração de empregos no ano passado — criou 10,7 mil postos formais.
Foi nesse ramo em que a administradora Paula Bogo, 30 anos, conseguiu espantar o fantasma do desemprego. Em maio de 2019, a moradora de Viamão, na Região Metropolitana, passou a atuar como gestora patrimonial no setor de locações de uma imobiliária em Porto Alegre. Com experiência na área, Paula buscava nova oportunidade desde outubro de 2018.
— O mercado estava bem estagnado. Os salários oferecidos eram baixos. Até conseguir se recolocar, a gente fica como um passarinho sem ninho. Agora, tenho uma nova experiência que é bem agregadora — relata Paula.
eSocial
Um dos fatores que estimularam a demanda por serviços imobiliários e, por consequência, a geração de empregos foi a obrigatoriedade do eSocial para condomínios, diz Carolina Cioccari Lannes Alves, gerente do Secovi-RS, que representa o segmento no Estado.
Com a mudança, os empreendimentos tiveram de registrar no sistema do governo federal, de maneira unificada, dados sobre os funcionários, como folhas de pagamento e contribuições previdenciárias.
— Para cumprir as exigências do eSocial, alguns condomínios passaram a procurar mais as imobiliárias, que tiveram de aumentar as contratações — conta Carolina.
Em 2019, o avanço do trabalho intermitente também chamou atenção no Estado. Parte da reforma trabalhista, a modalidade permite contratações sem jornada e salários fixos. Desde que entrou em vigor, no fim de 2017, virou alvo de polêmica. Sindicatos que representam trabalhadores apontam precarização nos contratos, enquanto lideranças empresariais enxergam forma de modernização.
Em 2019, o trabalho intermitente gerou saldo de 4,5 mil vagas, o que corresponde a 22,1% do total de 20,4 mil postos formais.
— A opção reduziu custos de contratação. Os primeiros empregos preenchidos após uma crise são aqueles mais flexíveis ou informais. Quando a recuperação da economia ficar mais robusta, devemos observar impacto maior sobre as demais vagas — diz o economista Guilherme Stein, professor da Unisinos.
Com qualificação, chance maior de ser contratado
A busca por qualificação é uma das principais dicas para quem deseja encontrar novo emprego, indicam especialistas em recursos humanos (RH). Nesse sentido, tanto atividades presenciais quanto cursos online podem incrementar o currículo e ajudar no retorno ao mercado de trabalho.
— Quem demonstra interesse e tem disposição para aprender sai na frente — argumenta Gustavo Lontra Avila, sócio-diretor da Metta Capital Humano, que tem unidade em Porto Alegre.
Para o ramo de comércio e administração de imóveis, valores mobiliários e serviços técnicos, que se destacou no mercado de trabalho gaúcho em 2019, a lógica é a mesma. Gerente do Secovi-RS, Carolina Cioccari Lannes Alves afirma que cursos de especialização em diferentes áreas do segmento imobiliário tendem a ser úteis. Organizações como o Secovi-RS promovem capacitações.
— A orientação é para que os interessados na área imobiliária busquem se especializar —frisa Carolina.
Segundo Avila, profissões ligadas à tecnologia também chamam atenção pela oferta de vagas de trabalho nos últimos meses. Outra área promissora é a de marketing, acrescenta o especialista.
— Vale lembrar que a tecnologia afeta todos os setores. Então, é preciso buscar conhecimento para sair na frente nos processos de seleção — reforça Avila.
Para quem enfrenta dificuldades e pensa em mudar de área de atuação, o especialista sugere cautela. Esse tipo de decisão costuma envolver riscos. Por isso, uma avaliação detalhada sobre possíveis benefícios e prejuízos é recomendada.
—Primeiro, é preciso analisar se a mudança será por emoção ou razão. Se a pessoa quiser ir para outra área pensando apenas no lado financeiro, a chance de dar errado é muito grande — aponta Avila.
Construção civil e indústria de transformação patinaram
Ao contrário de serviços e comércio, a construção civil e a indústria de transformação marcaram passo no Rio Grande do Sul em 2019. No acumulado do ano passado, os dois setores voltaram a amargar saldo negativo de empregos formais. Ou seja, demitiram mais do que contrataram.
O desempenho mais fraco foi o da construção. De janeiro a dezembro, o setor fechou quase 3,6 mil vagas com carteira assinada, pior saldo desde 2016, indicam dados do Caged.
— A construção depende muito das condições gerais da economia. É um setor que responde depois. Ou seja, vai sentir recuperação quando a economia crescer de maneira mais pujante. O crédito mais barato no país pode dar estímulo — pontua o economista Guilherme Stein, professor da Unisinos.
Porém, a atividade da construção ensaia retomada. Depois de 21 trimestres de variação negativa ou nula, voltou a crescer no Estado. De julho a setembro de 2019, teve alta de 2,2% frente a igual período de 2018, conforme o Departamento de Economia e Estatística, órgão vinculado ao governo estadual.
A questão é saber se os indícios de melhoria na atividade também alcançarão em breve ou não o mercado de trabalho.
Na indústria, o saldo em 2019 foi de fechamento de quase 2,3 mil vagas com carteira assinada.
Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a economista Maria Carolina Gullo diz que o resultado está relacionado, em parte, à frustração de expectativas de crescimento mais firme da economia ao longo do ano.
— As empresas esperavam que a chave virasse em 2019. Não virou. Aí, novos ajustes foram necessários — sublinha Maria Carolina, também diretora da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul.
A economista acrescenta que, devido ao avanço tecnológico nas fábricas, a tendência é de que a busca por oportunidades fique ainda mais desafiadora nos próximos anos. Com isso, a qualificação de trabalhadores ganha ainda mais importância, avalia.
Na indústria, o ramo calçadista foi aquele que mais fechou empregos em 2019 – quase 1,6 mil.
Mais vagas somente com expansão maior do PIB
A geração de empregos formais tende a ganhar fôlego se a economia brasileira apresentar retomada mais consistente, dizem analistas. Para 2020, instituições financeiras projetam alta aproximada de 2% no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. A elevação prevista para o ano passado gira em torno de 1% — o resultado oficial será conhecido em março. Caso o país confirme o desempenho superior nos próximos meses, o Rio Grande do Sul deve pegar carona no movimento mais favorável.
— Podemos ter reflexos positivos no mercado de trabalho se a retomada da economia for consolidada. Agora, se 2020 for tão morno quanto 2019 em termos de crescimento, os números de criação de empregos devem ficar parecidos com os do ano passado — avalia a economista Maria Carolina Gullo, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Apesar do horizonte com projeções mais otimistas, a reação não está imune a riscos, ponderam especialistas. Parte dos temores vem do Exterior. Um deles é o surgimento de casos de coronavírus na China, que tendem a reduzir a circulação de bens e pessoas no território local. O país asiático é o principal destino das exportações brasileiras. Em 2019, abocanhou 28,1% de tudo o que o Brasil exportou. A título de comparação, as vendas para os Estados Unidos, segundo parceiro da lista, chegaram a 13,2% — menos da metade.
— O vírus impacta o comércio. Reduz viagens, empresas fecham menos negócios, menos acordos. Se a economia chinesa é afetada, provoca reflexos no Brasil — argumenta o economista Guilherme Stein, professor da Unisinos.
O mercado de trabalho é considerado um dos últimos indicadores a reagir após períodos de recessão na economia. Com os estragos provocados pela última crise, parte da população brasileira recorreu a atividades informais para garantir renda. No terceiro trimestre de 2019, o Rio Grande do Sul tinha cerca de 1,9 milhão de trabalhadores em atividades sem carteira assinada ou CNPJ, indica o IBGE.