Caracterizado por permitir empregos sem jornadas e salários fixos, o trabalho intermitente deu salto no Rio Grande do Sul em um ano. No acumulado de 12 meses fechado em novembro de 2019, a modalidade gerou 4.173 vagas com carteira assinada — alta de 141,8% em relação a igual período anterior. GaúchaZH solicitou os dados ao Ministério da Economia.
Nesse intervalo de tempo, o Estado criou 15.927 empregos formais. Isso significa que, no período, o trabalho intermitente foi responsável por pouco mais de um quarto (26,2%) de todos os postos abertos.
A opção ainda é recente, o que ajuda a explicar o salto em termos percentuais. Entrou em vigor em novembro de 2017, na reforma trabalhista aprovada no governo Michel Temer (MDB).
Na prática, a mudança abre janela para contratações por períodos inferiores a 40 horas semanais em setores como o comércio. Cabe às empresas que aderem à modalidade a tarefa de recolher ao INSS o valor proporcional da contribuição previdenciária dos funcionários. Mas, se o trabalhador é demandado poucas vezes por semana e recebe menos de um salário mínimo ao final do mês, tem de desembolsar a diferença ao instituto, ou o período não é incluído para aposentadoria.
Professor da Escola de Negócios da PUCRS, o economista Ely José de Mattos considera positiva a possibilidade de migração de atividades informais, os populares bicos, para ocupações com carteira assinada. Porém, entende que a disparada de vagas sem jornadas e salários fixos também embute riscos, como a questão relacionada à contribuição ao INSS.
— Não podemos celebrar o crescimento de contratações intermitentes como retomada do emprego. Não é reação. Em dois ou três anos, quando a economia avançar mais, vamos ver se vão estacionar ou não. Se substituírem vagas que hoje são fixas, acho que a opção não será saudável — observa.
A disparada dessa modalidade não é exclusiva do Rio Grande do Sul. Em igual período de 12 meses, o Brasil registrou expansão de 72,9%, para 82.536 novos postos.
— Avalio essa opção como positiva, porque não gera redução de direitos trabalhistas. O pagamento é feito de maneira proporcional à jornada. É um tipo de contrato flexível. Um fator que pode ter contribuído (na criação de vagas) foi a vitória nas eleições de 2018 de um candidato (Jair Bolsonaro) favorável à manutenção da reforma trabalhista — analisa o economista Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados.
Sindicatos
No acumulado de 12 meses até novembro, o país abriu 605,9 mil empregos formais. Ou seja, o trabalho intermitente respondeu por 13,6% de todos os postos criados com carteira. Embora haja anúncios de vagas dessa opção em endereços digitais, empresas evitam comentar o assunto. Empregados também preferem não falar a respeito do tema.
— Nessa modalidade, há risco de perda de renda. Mas temos de ver o que aconteceria sem o trabalho intermitente. O nível de empregos formais seria reduzido — argumenta o pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.
Lideranças sindicais criticam o avanço da criação de vagas sem jornadas e salários fixos. Na visão do presidente da Central dos Trabalhadores do Brasil no Estado, Guiomar Vidor, a modalidade provoca “precarização”:
— É uma falsa ilusão de abertura de empregos. As pessoas são contratadas, mas podem ficar semanas sem ir ao trabalho.
Para o advogado Adalberto Bueno, membro do departamento jurídico da Federasul, que representa parte do setor empresarial gaúcho, o trabalho intermitente serviu para substituir os populares bicos.
— Na minha opinião, criou-se uma burocracia. Os bicos foram regulamentados. Mas tem empresários que gostaram e passaram a trabalhar com essa opção — diz.
Tendência de crescimento até o fim do ano
Apesar da existência de riscos internos e externos, como a tensão entre Estados Unidos e Irã, espera-se que a economia brasileira apresente retomada mais consistente em 2020. Caso a projeção se confirme, a geração de empregos com carteira assinada, inclusive intermitentes, deve registrar fôlego no ano, indicam analistas.
—O desempenho do mercado de trabalho vai estar relacionado ao crescimento da economia. Se tivermos avanço mais expressivo da atividade, a tendência é de que todos os tipos de trabalho tenham alta — estima o economista Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados.
Em 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) deve apresentar alta próxima de 1% – o resultado será conhecido em março. Projeção recente do Banco Central (BC) aponta elevação de 1,2%. Para 2020, a instituição prevê crescimento de 2,2%. Ou seja, quase o dobro do ano passado.
Competitividade
Pesquisador do FGV Ibre, Daniel Duque projeta que a informalidade, uma das marcas da crise, tende a seguir em alta pelo menos nos primeiros meses de 2020.
Ao longo do ano, se a economia apresentar reação mais consistente, a geração de vagas com carteira assinada, tanto fixas quanto de jornadas indefinidas, deve aumentar, completa o analista.
— Se olharmos para o restante do mundo, veremos que o trabalho intermitente é uma tendência, até em países que estão crescendo mais, como a Espanha. O aumento nesse tipo de contratação está associado à busca de empresas por mais competitividade — afirma Duque.