Dois anos após a reforma trabalhista, uma em cada dez novas vagas criadas é de trabalho intermitente, que não prevê jornada fixa. Para 2020, o governo espera um crescimento desse tipo de modalidade de trabalho.
Aprovada durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), a reforma flexibilizou a legislação trabalhista e criou esse tipo de contratação. Nesse período, foi aberto 1,124 milhão de empregos formais. Desse total, 133 mil são de trabalho sem jornada ou salário fixo. Isso representa 11,8% da expansão do trabalho com carteira assinada.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados na quinta-feira (19) pelo Ministério da Economia mostraram que, em novembro, o trabalho intermitente representou 11,4% das novas vagas. É a maior fatia para o novo tipo de contrato desde junho, quando foi de 18%. O trabalho nessa modalidade se concentra no setor do comércio e serviços, impulsionado pelas contratações de fim de ano, às vésperas do Natal.
O Ministério da Economia diz acreditar que, no próximo ano, o trabalho sem jornada fixa ficará mais conhecido entre os empregadores e, por isso, crescerá. "Sem perder de vista o processo de retomada da economia brasileira, que, por sua vez também tem garantido contratações em outras modalidades", ressaltou, em nota.
Para o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, os modelos de contratação criados na reforma legalizaram a precarização dos empregos, que teriam se tornado frágeis e inseguros. A avaliação inclui, além do trabalho intermitente, jornada parcial, terceirização irrestrita e contratação de autônomos.
Lúcio afirma que dois pontos fragilizam as relações de trabalho a partir da reforma: a insegurança quanto à renda acumulada ao fim de um mês e a falta de proteção social.
A reforma de 2017 liberou a possibilidade de as empresas fazerem contratações por períodos menores do que as 40 horas semanais. Todos os empregadores têm de recolher ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o valor proporcional da contribuição previdenciária.
Alvo de polêmicas
Porém, se ao fim do mês o trabalhador tiver recebido, no somatório de suas remunerações, menos de um salário mínimo (de R$ 998 neste ano), caberá a ele o pagamento da diferença ao INSS, ou esse período não será considerado, seja na aposentadoria, seja na contagem da carência para o direito a benefícios por invalidez ou salário-maternidade.
— A Previdência te projete para o futuro, mas também no presente, como proteção social. Sem isso, o trabalhador está ainda mais vulnerável — afirma o diretor do Dieese.
A situação da renda, afirma o sociólogo, é mais delicada:
– Há ainda uma insegurança primária, que é não saber se você tem renda, se vai ser chamado para trabalhador e quantas vezes durante o mês.
Segundo Lúcio, a regularização de jornadas alternativas era uma necessidade, considerando que esse tipo de trabalho já existia e era informal. Centrais sindicais têm ressalvas em relação ao tipo de contrato. Para representantes dos trabalhadores, o trabalho intermitente não deve crescer e se sobrepor ao emprego com jornada fixa.
— O (trabalho) intermitente não é o que vai fazer o país crescer. Tem o mérito de abrir vagas, mas não acredito nisso como uma forma de desenvolver o país — disse o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna.
Para o presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, o trabalho intermitente, apesar de ter normas próprias, tem que ser exceção:
— Num período de alto desemprego, é uma possibilidade de inclusão no mercado, mas não deve ser maioria. Isso seria precarização.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fipe Hélio Zylberstajn diz que o salto nas contratações com jornada intermitente em novembro demonstra que o uso da modalidade está mais ligado ao suprimento de demanda momentânea, como se esperava antes da reforma:
— O pessoal do movimento sindical vai dizer que está precarizando, mas, se você olhar a série, a frequência vinha caindo e deu um pulo em novembro, que é justamente pelo movimento do fim do ano. Esse contrato casa bem com necessidades específicas.
Para o pesquisador, os números demonstram que o contrato atende bem momentos e situações pontuais:
– Sem esse modelo, o comércio ia contratar informalmente ou acabaria não contratando.
Zylberstajn diz considerar "parcialmente verdade" que haja pouca proteção social a esses trabalhadores. Isso porque, segundo ele, muitos dos trabalhadores, por causa de características próprias da atividade, já atuam em mais de um lugar, aumentando as chances de fechar o mês com a remuneração no salário mínimo.
– Um garçom não trabalha somente para um bufê, por exemplo, então ele certamente consegue completar o mês.
Membro de grupo técnico do governo sobre assuntos trabalhistas, o advogado Wolnei Tadeu Ferreira disse que a fatia de contratos intermitentes nos últimos dois anos é bastante relevante e representa uma forma de proteção de empregados, que, sem essa opção, ficariam na informalidade.
– Muitos combinam o trabalho intermitente com outros empregos, por exemplo, por aplicativos. A tendência é que esse nível (11%) seja mantido – projeta Ferreira.