A Medida Provisória (MP) 905, que institui o programa Verde e Amarelo, vai além do incentivo à inserção de jovens no mercado de trabalho. O texto editado pelo governo Bolsonaro, na segunda-feira (11), provoca uma ampla reforma na legislação trabalhista, tocando em pontos polêmicos, como duração da jornada de trabalho e folgas remuneradas. Especialistas em Economia e Direito do Trabalho ouvidos pela reportagem de GaúchaZH entendem que o governo federal usou a MP para tocar uma nova reforma trabalhista.
Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp, José Dari Krein rejeita usar o termo "minirreforma" ao comentar a iniciativa do governo federal, pois, segundo ele, as alterações são profundas e impactam diretamente na vida dos trabalhadores:
— Na minha avaliação, ela (MP) é uma reforma trabalhista, porque mexe na jornada de trabalho, na remuneração, nos sindicatos e fundamentalmente no sistema de fiscalização e no Ministério Público do Trabalho, que são responsáveis por reafirmar os direitos e garantir que eles sejam efetivados. É uma reforma trabalhista ampla.
Retirados da MP da Liberdade Econômica durante tramitação no Congresso após resistência, a maior flexibilização para o trabalho aos domingos e a ampliação da carga horária de bancários estão entre as principais mudanças resgatadas pela MP.
O texto do programa foi editado exatamente dois anos após o início da reforma trabalhista aprovada durante a gestão de Michel Temer. A juíza Noemia Porto, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) vê similaridade entre as duas agendas.
— A gente percebe semelhanças na lógica da reforma trabalhista e nessa medida provisória, que é um generalizado grau de redução paulatina de direitos para os trabalhadores —pontua.
Ministério estima abrir 1,8 milhão de vagas em três anos
Na apresentação do programa, o governo federal evitou rotular as mudanças como uma nova reforma trabalhista, dando ênfase às iniciativas que buscam criar uma modalidade específica de emprego voltada a jovens entre 18 e 29 anos. Na estimativa do Ministério da Economia, essa ferramenta deve abrir 1,8 milhão de vagas em três anos. A medida tem duração prevista de dois anos, enquanto as demais modificações na CLT são permanentes. Caso não seja aprovada no Congresso no prazo de 120 dias, a MP perde validade.
No entendimento do advogado e professor de Direito do Trabalho da Unisinos Guilherme Wunsch, o governo erra ao provocar mudanças profundas nas lei trabalhistas por meio de MP, que deveria ser utilizada em casos emergências. Wunsch também afirma que o texto do governo atual repete equívocos da reforma de 2017:
— Dois anos se passaram da reforma trabalhista. Aqueles empregos prometidos não foram gerados e agora a gente vem de novo com outra minirreforma, dessa vez por medida provisória, com esses jargões de que só a mudança na lei trabalhista vai gerar empregos. O que gera empregos não é a existência de uma lei, mas sim uma política de empregabilidade no país. Isso a gente não tem, porque sequer temos o Ministério do Trabalho hoje.
Governo afirma que MP é "uma alternativa a mais" para contratações
Por telefone, o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo conversou com a reportagem. Ele nega que o objetivo do governo fosse apresentar uma reforma trabalhista.
— Nós não mexemos na questão de segurança do trabalhador, por exemplo. A medida foca na recuperação da capacidade de fiscalização e retira a insegurança jurídica, além de estimular a geração de emprego principalmente para o jovem — diz. — Além disso, a MP vem como uma alternativa a mais para a contratação. Se o empregador quiser fazer os contratos com as alternativas já existentes, pode fazer, não tem obrigação de seguir o que foi proposto — complementou.
Em relação a comparação com a reforma trabalhista da gestão Temer, Dalcolmo defende que o objetivo do ex-presidente era diferente da atual MP, que visa criar empregos.
— (A reforma de Temer) Era uma iniciativa para oferecer segurança jurídica a empregadores, mas não mexia em aspectos financeiros. E, nisso, foi muito bem sucedida. Agora, o governo coloca mais uma possibilidade de contratação e aporta uma desoneração muito grande, na expectativa de reduzir a taxa de desemprego com foco nos jovens — diz.
Quem faz coro ao secretário é o coordenador do Conselho de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), Thômaz Nunnenkamp, que considera um "exagero" dizer que a MP impõe uma reforma trabalhista.
— O que o governo fez foi deixar mais claro o arcabouço jurídico. Há pontos que estão sendo mudados, sim, mas dizer que é uma reforma é exagero. A questão do trabalho aos domingos, por exemplo, já vinha sendo discutida há mais tempo e já tinha liberação de vários setores.
Para ele, o uso de uma MP para tratar das mudanças não é inadequado. O recurso, diz, foi usado em diversos momentos por governantes. Em relação a expectativa de geração de emprego, Nunnenkamp cita demais fatores que impactam na questão.
— O mundo, como um todo, está em uma situação econômica muito instável. Fazer essas mudanças são condições necessárias, mas não são suficientes, não garantem a solução por si só. Mesmo assim, o que o governo faz, com a medida, é o serviço de tirar obstáculos para que a economia possa fluir nos próximos meses — diz. — As mudanças dão ao empresário uma noção maior do tamanho do risco que ele tem ao empreender, algo que hoje, às vezes, ele não sabe.
O secretário do Trabalho do governo Bolsonaro afirma que a MP tem "muito potencial".
— Temos consciência de que (a medida) não reduzirá drasticamente a taxa de desemprego, mas há muito potencial de inserir jovens, principalmente os que buscam o primeiro emprego, no mercado de trabalho — defende Dalcolmo.
Principais mudanças
Trabalho aos domingos
Como é: A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que o trabalhador tem o direito a descanso semanal de 24 horas consecutivas, que coincidirá no todo ou em parte com o domingo, "salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa de serviço estipulada por autoridades". Caso seja necessário o trabalho aos domingos, uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical. deverá ser organizada.
Como fica com a MP: o programa do governo diz que repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo, "no mínimo, uma vez no período máximo de quatro semanas" para os setores de comércio e serviços. No setor industrial, será uma vez no período máximo de sete semanas. Conforme o texto. "o trabalho aos domingos e aos feriados será remunerado em dobro, exceto se o empregador determinar outro dia de folga compensatória".
Carga horária de bancários
Como é: bancários têm carga horária de seis horas em dias úteis, com exceção dos sábados, somando 30 horas de trabalho por semana
Como fica com a MP: o programa do governo aumenta a carga horária diária dos bancários para oito horas. A medida não afeta os empregados que trabalham exclusivamente nos caixas.
Registros profissionais
Como é: a lei atual fixa a necessidade de registro profissional para diversas categorias profissionais
Como fica com a MP: o texto acaba com a exigência de registro profissional para jornalistas, publicitários, radialistas, químicos, arquivistas e guardadores e lavadores de veículos.
Contribuição social do FGTS
Como é: a lei complementar Nº 110, de 29 de junho de 2001, instituiu a contribuição social do FGTS. Em casos de demissões sem justa causa as empresas tem de desembolsar 50% sobre o total do FGTS do trabalhador. Desse montante, 40% vai para o trabalhador e 10% para o governo.
Como fica com a MP: a partir de 1º de janeiro de 2020, a contribuição social adicional de 10% do FGTS será extinta.
Fiscalização
Como é: a CLT estipula uma série de multas, observando caso a caso.
Como fica com a MP: o programa separa a aplicação das multas em dois grupos. O primeiro, de natureza variável, estipula multas com valores que variam de R$ 1 mil a R$ 100 mil. O segundo, de natureza per capita, prevê penalidades com valores entre R$ 1 mil e R$ 10 mil. As multas serão aplicadas. Em ambos os casos será observado o porte econômico do infrator.