Engessado por recursos escassos e despesas obrigatórias crescentes, o governador Eduardo Leite fechou o primeiro ano de mandato com queda de 49% na capacidade de investimento (descontada a inflação), em comparação com 2018. Em 2019, o Estado destinou R$ 928 milhões a esse fim, o equivalente a apenas 2,3% da receita corrente líquida.
O dado faz parte do Relatório de Transparência Fiscal, divulgado nesta terça-feira (4) pela Secretaria Estadual da Fazenda. Diante de técnicos e jornalistas, o secretário Marco Aurelio Cardoso apresentou o resumo das finanças do Estado em 2019 e fez projeções para os próximos meses. O ano terminou com rombo de R$ 3,43 bilhões, abaixo do previsto originalmente, mas ainda assim longe do ideal (veja quadro).
Sobre investimentos, Cardoso disse que, em razão da crise, os aportes se resumiram à execução de financiamentos herdados de gestões passadas, que estão chegando ao fim. Ele fez a ressalva de que é comum haver a redução desses valores sempre que se inicia uma nova administração, mas reconheceu que a situação não vai mudar tão cedo.
— A curto prazo, é muito difícil que consigamos ter investimento maior em obras. Não temos margem para novas operações de crédito. O foco deve ser as concessões e as parcerias com a iniciativa privada — ressaltou.
Ambas as alternativas fazem parte do plano de voo do Palácio Piratini para 2020. As metas incluem ainda as privatizações, em especial a da CEEE, que está adiantada e pode ganhar o mercado em setembro, e a revisão da matriz tributária estadual. A reforma do sistema, segundo Cardoso, deve ser concluída ainda no primeiro semestre, para ser levada ao crivo da Assembleia antes das eleições municipais.
— Conseguimos avançar muito desde o início de 2019, mas o Rio Grande do Sul continua em situação deficitária. Temos de persistir em um amplo ajuste estrutural e fazer esse debate tributário, que será a grande discussão desse primeiro semestre — projetou Cardoso.
Expectativa de acordo com a União
Aprovada no fim de janeiro, a reforma do funcionalismo estadual proposta pelo governo Eduardo Leite aumentou as chances de adesão ao regime de recuperação fiscal (RRF) do governo federal, embora o Palácio Piratini ainda tenha obstáculos a superar. Secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso disse esperar que o acordo “aconteça ainda neste ano”.
Cardoso comentou a entrevista concedida à Rádio Gaúcha pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, na última sexta-feira (31). Por 25 minutos, o técnico federal foi questionado sobre o andamento das negociações, que se arrastam desde 2017.
Segundo Mansueto, “nos últimos 12 meses, o Estado avançou muito” e, agora, “está muito próximo” de aderir ao plano de ajuste fiscal proposto pela União – que garante carência de ao menos três anos na dívida e abre margem a novos financiamentos.
Entraves
Embora o economista tenha elogiado publicamente a gestão Leite e demonstrado otimismo em relação às tratativas, confirmou que ainda há divergências. Além da controvérsia em torno da venda do Banrisul, até então exigida pela União, persistem dúvidas sobre um dos requisitos à adesão.
— Há 12 meses, o Estado não tinha a reforma que foi aprovada. Fez avanços substanciais que não existiam em 2017 e 2018. Quando a gente coloca isso na planilha, aumentou muito a economia prevista. A controvérsia, hoje, se deve a dois pontos: a privatização ou não do Banrisul e a questão do relatório seguindo a metodologia do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que precisa ser revista e refletir de fato a despesa com pessoal — disse Mansueto.
Desde os anos 2000, o critério de cálculo adotado pela Corte, responsável por avaliar as contas de governadores e prefeitos, mascara os gastos reais com o funcionalismo. Para que ingresse no regime, o governo do Estado terá de adotar – por sua conta e risco – a metodologia da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), mais rigorosa e realista.
A tendência, segundo Cardoso, é de que o governo passe a publicar relatórios oficiais utilizando o novo formato, mas ainda não está definido quando isso irá ocorrer. Há a expectativa por alterações na lei que criou o regime, tornando as exigências menos duras.
— Mansueto falou com muita transparência e reconheceu o esforço que estamos fazendo. Agora precisamos saber como ficarão as regras do RRF, que passa por uma revisão por equipes da STN e do Congresso. Temos participado dessas conversas e, ao que parece, o governo federal tem a intenção de fazer alterações. Isso é bom para todos — avalia Cardoso.
Em relação ao Banrisul, a venda do banco segue fora de cogitação por parte de Eduardo Leite. Já Cardoso espera que a economia estimada com a reforma, no longo prazo, seja considerada suficiente.
Há possibilidade de o prazo RRF ser ampliado, diz Mansueto
O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, concedeu entrevista à Rádio Gaúcha na última sexta-feira, e abordou a situação da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Veja as frases e análises.
Privatização do Banrisul
“O governador propôs uma reforma da Previdência no Estado que é praticamente igual à do governo federal. O impacto nas finanças é crescente ao longo do tempo. Isso traz ganho muito maior do que a eventual privatização do Banrisul, que teria impacto no curto prazo, mas se perderia no longo prazo.”
“Vamos ter de fazer a conta (para verificar se isso se confirma). A lei que criou o regime de recuperação tem uma exceção: quando todas as medidas que o Estado apresenta são mais do que suficientes para voltar ao equilíbrio no espaço de seis anos, eventualmente se pode dispensar a privatização de uma empresa.”
Contexto e análise
Para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o governo do Rio Grande do Sul precisa provar que conseguirá reequilibrar as contas no prazo do acordo (até seis anos).
O Estado é obrigado a detalhar as medidas de economia e de geração de receitas, entre elas, as privatizações. O ativo mais valioso do Estado é o Banrisul, cuja venda é exigida pela União desde o início das negociações, em 2017. Agora, a Secretaria do Tesouro Nacional vai avaliar se o impacto da reforma aprovada por Leite será suficiente para dispensar a privatização do banco. Apesar da fala de Mansueto, não há garantias disso.
O problema dos depósitos judiciais
“O RS tem um problema adicional: no passado, o Estado fez saques de depósitos judiciais de terceiros para pagar despesas correntes e isso deixou uma dívida expressiva.”
Contexto e análise
Depósitos judiciais são valores de pessoas ou empresas que têm ações na Justiça. Os valores ficam reservados em conta administrada pelo Judiciário e servem de garantia para que a sentença seja cumprida. A partir de 2004, o governo do RS foi autorizado pela Assembleia a sacar parte do montante para cobrir déficits. Desde 2018, os saques cessaram, mas restou uma dívida de R$ 10,7 bilhões. O valor faz parte dos cálculos para a adesão ao RRF e é um problema adicional, porque dificulta o reequilíbrio financeiro.
A questão dos precatórios
“O RS tem dívida de precatórios bastante pesada. Hoje, tem uma emenda constitucional que fala que (os títulos) têm de ser quitados até 2024, mas já um projeto na Câmara que amplia esse prazo para 2028. Isso ainda está sendo negociado.”
Contexto e análise
Precatórios são dívidas que o Estado tem com pessoas e empresas, reconhecidas pela Justiça. Hoje, esse passivo é de R$ 14,7 bilhões. Pela primeira vez, em 2019, a conta começou a cair, mas ainda está longe de ser zerada. Isso também entra no cálculo para a adesão ao RRF, porque é fonte desequilíbrio financeiro. A tendência é de que o Congresso postergue para 2028 a exigência de quitação, o que ajudaria o Estado a diluir o impacto da conta e, consequentemente, a aderir ao RRF.
Mudanças na lei do Regime de Recuperação Fiscal
“Há possibilidade de o prazo (do RRF) ser ampliado por talvez mais dois ou três anos, para todos os Estados que pleiteam. Aí fica mais fácil fechar a conta.”
“A questão da entrada (no regime de recuperação) não é flexibilizar, mas olha o caso do RS: o Estado aprovou uma série de reformas que vão gerar economia substancial nos próximos 10, 20 anos e, por não privatizar o Banrisul, isso o impede de entrar no regime. Isso tem de ser discutido. Está se pensando em alterar alguns pontos.”
Contexto e análise
Aprovada em 2017, a lei que criou o regime de recuperação fiscal tem regras consideradas duras e série de exigências (entre elas a privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, entre outros), para a quitação de passivos. Até agora, em razão disso, apenas o Estado do Rio de Janeiro conseguiu fechar acordo com a União. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás seguem tentando, sem êxito. Alterações na lei podem ajudar a destravar obstáculos. Se o prazo de adesão for ampliado de seis para nove anos, por exemplo, o Estado ganha mais tempo para zerar suas dívidas. No caso do RS, seis anos podem ser pouco tempo para sanar o problema.
Revisão dos incentivos fiscais
“É um dos itens exigidos para a adesão (ao RRF). Tem de ter um plano de redução de incentivo fiscal, uma aprovação, mas nunca vi isso como um grande empecilho. Não acredito que seja um problema muito grande para o Estado do RS.”
Contexto e análise
Ao aderir ao RRF, o Estado é obrigado a reduzir em 10% ao ano os incentivos fiscais concedidos a empresas. No caso do RS, o governo promete apresentar, ainda em 2020, proposta de revisão da matriz tributária do Estado, que irá contemplar esse ponto. Mas a proposta ainda terá de passar pelo crivo da Assembleia e pela resistência dos setores econômicos afetados.
Critérios de cálculo das despesas com pessoal
“Esse ponto é um problema, porque quem fiscaliza as contas do Estado é o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e quem aprova ou rejeita as contas do governador é a Assembleia. Esse mesmo problema, dos relatórios não refletirem o gasto com pessoal, existe em Goiás e em Minas. E aí tem de ter uma conversa com o TCE, com a Assembleia e com o governador para que de fato as contas reflitam a situação fiscal do Estado.”
Contexto e análise
Para aderir ao RRF, o Estado precisa provar que compromete 70% de suas receitas com pessoal e pagamento de dívidas. No caso do RS, isso até agora não foi possível porque a metodologia usada para calcular os gastos com a folha – definida pelo TCE – deixa de fora despesas como pensões e auxílios. Na prática, os desembolsos superam os 70%, mas é necessário alterar os critérios e publicar relatórios oficiais com os números reais, sem subterfúgios. Esse debate se arrasta desde 2017 e ainda não avançou.