Governo federal e líderes do Congresso fecharam um acordo que vai tirar do Executivo o controle sobre cerca de R$ 20 bilhões do orçamento deste ano. A negociação teve como objetivo evitar que os parlamentares ficassem responsáveis pela alocação de um valor maior, que chegaria a R$ 31 bilhões.
Quase metade desse montante é de gastos básicos dos ministérios. A outra metade são investimentos.
Em dezembro do ano passado, o Congresso aprovou uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias para garantir que o governo fosse obrigado a executar as emendas de autoria do relator-geral do orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), no valor de R$ 30,1 bilhões. Também seria obrigatório o empenho de R$ 687 milhões em emendas de comissões temáticas da Câmara e do Senado.
Essa alteração na lei foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas o Congresso Nacional marcou para esta quarta-feira (12) uma sessão com objetivo de derrubar o veto da Presidência.
Diante da certeza de que seria derrotado, o Palácio do Planalto montou uma operação envolvendo o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Após as negociações, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), confirmaram o acordo.
Ficou acertado que ao menos R$ 11 bilhões de custeio para a máquina pública ficarão sob controle do governo. O governo negocia para aumentar esse valor em mais R$ 4 bilhões. Os outros R$ 15,1 bilhões das emendas do relator passarão a ser obrigatórios.
Embora sejam emendas do relator-geral, elas representam demandas de todo do Congresso feitas durante a elaboração do orçamento.
Pelo acordo, o Legislativo derrubará parte do veto do presidente nesta quarta e, no mesmo dia, será votado um projeto de lei que devolva ao Executivo o controle de parte das despesas.
O artigo vetado também previa que a verba das emendas fosse empenhada em até 90 dias, sob risco de punição aos gestores. Essa parte do dispositivo continuará vetada, o que representa uma vitória para o governo.
Por outro lado, a legislação voltará a prever que as emendas de relator e de comissões só podem ser contingenciadas na mesma média que as demais despesas públicas, o que atende ao pleito dos parlamentares, para evitar que o governo coloque esses gastos no final da fila.
Para se ter uma ideia do peso dessas emendas no orçamento, o governo só tem R$ 136 bilhões para realizar despesas discricionárias (todo o restante dos gastos são obrigatórios, com salários e benefícios). Desse total, R$ 91 bilhões são para custeio e investimentos dos ministérios.
O governo ainda precisa encaixar nesses gastos R$ 9,5 bilhões em emendas parlamentares individuais e R$ 5,9 bilhões de bancadas estaduais, valores que são de execução obrigatória há alguns anos.
O projeto a ser votado nesta quarta prevê ainda que seja retomada a possibilidade de o Executivo poder remanejar o orçamento por meio de portarias, sem precisar de autorização do Congresso.
Essas alterações de despesas por ato do Executivo, no entanto, devem ser limitadas a um percentual do orçamento. Esse mecanismo funcionava em anos anteriores, mas foi retirado no orçamento de 2020.
Outra parte do acordo envolve o pagamento de obras que não foram concluídas. Nesses casos, o dinheiro reservado entra no orçamento como forma de restos a pagar.
Como muitas obras não são finalizadas, o governo quer permitir que o dinheiro que sobrou no caixa de 2020 seja usado para bancar restos a pagar de anos anteriores.
As emendas parlamentares são propostas por meio das quais deputados e senadores podem influir diretamente na alocação de recursos e atender a pedidos de suas bases eleitorais. Elas podem ser destinadas a um projeto nacional ou em determinado estado ou município.
Do valor total as emendas impositivas de 2020, 34% são destinados a programas da área da saúde, 23% ao Ministério da Integração Nacional e 11% para a educação, de acordo com o site Siga Brasil, do Senado.
A aprovação do artigo que ampliou o valor das emendas obrigatórias reflete o desgaste entre os dois Poderes. Representantes do Legislativo ouvidos pela Folha também citam a desconfiança em relação às prioridades de gastos do Executivo atual.
No ano passado, por exemplo, o governo contingenciou uma série de despesas e, ao final do ano, acabou por injetar recursos expressivos em empresas estatais, em especial na área de defesa.
Os problemas na área de educação, Pasta que já teve um ministro demitido e que tem segurado recursos para o pagamento de bolsas, por exemplo, também fizeram com que os parlamentares recebessem muitos pedidos para apresentar emendas e garantir recursos.
Outro veto da mesma lei, que também pode ser derrubado nesta quarta, tentou garantir recursos para vários órgãos federais afetados bloqueio de verbas.
O dispositivo impedia que o Ministério da Economia bloqueasse despesas de instituições como IBGE, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre outras.
Uma série de estudos questiona a eficácia das emendas parlamentares para melhorar a qualidade do gasto públicos.
Entre os problemas está a concentração de poder nas mãos de uma única pessoa para eleger uma despesa como prioridade. Há também a questão da diluição dos gastos: um parlamentar pode destinar sua cota individual de R$ 15,9 milhões para um projeto de valor superior a este, que poderá se tornar uma obra incompleta se não obtiver mais recursos.
Outra questão é a possibilidade de o Executivo alegar "impedimento de ordem técnica" ou orçamentária e utilizar a liberação da verba como instrumento de barganha. As restrições orçamentárias foram um dos argumentos do presidente para vetar o artigo.
Ao chegar ao Congresso nesta terça, o presidente da Câmara alfinetou o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao falar sobre o acordo dos vetos.
— Tínhamos entendido que o discurso do governo, do ministro Paulo Guedes, de empoderar o Parlamento, era 100% verdadeiro. É meio verdadeiro, mas não tem problema, não estamos nessa disputa — afirmou Maia ao confirmar o acordo.