A retirada do Brasil da lista de nações consideradas em desenvolvimento, anunciada nesta semana pelo governo dos Estados Unidos, preocupa a indústria gaúcha. O possível reflexo imediato no setor responsável por 22,4% do PIB do Rio Grande do Sul é a perda de competitividade no mercado americano de produtos do Sistema Geral de Preferências (SGP). Itens elencados no SGP e exportados por países considerados em desenvolvimento ganham vantagens tarifárias do governo dos EUA.
— Essa diferença de preço vai deixar de existir fazendo com que o nosso produto ingresse no mercado americano equiparado a qualquer outro do mundo. O Rio Grande do Sul terá de revisar sua estrutura logística, gastos internos para atacar o custo Brasil e não perder competitividade — alerta o professor do curso de Negócios Internacionais da PUCRS Adroaldo Lazzarotto.
Ele projeta que a médio e longo prazos, a mudança de status fará o Estado e o país evoluírem:
— Teremos de amadurecer para competir no mercado global de igual para igual.
Economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), André Nunes de Nunes acrescenta que a exclusão do SGP não é automática e nem foi comunicada oficialmente ainda ao Brasil.
— Não terá impacto capaz de levar a uma recessão econômica, mas algumas empresas serão prejudicadas. Haverá perda de exportação — lamenta Nunes, citando algumas mercadorias produzidas no Estado que devem ser afetadas, como produtos químicos, metais, derivados de borrachas, couros e algumas preparações de carnes.
Nos setores calçadista e agropecuário, o impacto tende a ser pequeno, conforme as entidades representativas. Presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira diz que nenhum benefício é concedido atualmente pelos Estados Unidos para a indústria calçadista:
— Neste primeiro momento, não vai interferir. Futuramente, tudo é possível. Mas essa não é uma avaliação que podemos fazer agora.
O economista-chefe do Sistema da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, considera até positiva a exclusão do Brasil do grupo de países em desenvolvimento. E explica que a consequência na agricultura será praticamente nula.
— Não entramos em nenhum mercado com tarifas especiais, bem pelo contrário. Somos sobretaxados, especialmente, na Europa. Além disso, os Estados Unidos são mais concorrentes nossos do que clientes, ainda que importem mais do que todo o Mercosul junto — argumenta.
— É incompatível pleitearmos entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), fazer parte de um grupo importante, com poder de decisão global, entrar em acordos internacionais muito maiores, mas, ao mesmo tempo, nos considerarmos em desenvolvimento. Temos de querer uma coisa ou outra. Ou a gente aceita ajuda ou se impõe como nação — conclui.
Alteração
Mais do que facilidade de acesso a mercados e prazos mais longos para negociações, estar listado como país em desenvolvimento significava autorização para exportar aos EUA isento daquilo que o mercado chama de investigação de direito compensatório, que pode punir países fomentadores de subsídios comerciais considerados injustos. Fora do tratamento especial, os limites são menores.
Até então, Brasil e outros 18 países excluídos, como Argentina e China, eram imunes às investigações se as importações americanas provenientes dessas nações fossem inferiores a 4% do total das importações e, no conjunto com todos os demais em desenvolvimento, menores a 9%. Com a mudança na classificação, as porcentagens caem para 3% e 7%, e o governo do presidente Trump passa a ter maior margem para aplicar barreiras comerciais.
— É uma medida unilateral que afeta vários países, e o grande efeito está na investigação de subsídios concedidos pelo país exportador. Ou seja, torna mais fácil para os Estados Unidos aplicar medidas compensatórias (sobretaxas) contra exportações destes países. Claro que essa decisão não é interessante para o Brasil — observa Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento.
China
Um dos principais objetivos dos EUA é acabar com a possibilidade de países se autodefinirem como "em desenvolvimento" na Organização Mundial do Comércio (OMC) para tentar atingir a China, com quem vem travando guerra comercial há anos, apesar de uma fase inicial de acordo entre as nações ter sido pactuada em 2020.
Ainda assim, Trump tem se esforçado para eliminar o tratamento diferenciado às nações que considera que não devem ser beneficiados pela flexibilidade nas regras comerciais devido à ascensão de suas economias. Washington sustenta que objetivo é reduzir número dos países que poderiam receber tratamento especial e afirma que a decisão leva em conta "fatores econômicos, comerciais e participação de um país no comércio mundial".
Diz, ainda, que não considerou indicadores de desenvolvimento social, como taxas de mortalidade infantil, analfabetismo e expectativa de vida ao nascer. O departamento de Comércio ressaltou que a decisão foi motivada por pedidos de adesão à Organização para a OCDE, o clube dos países ricos.
A regulação foi publicada pelo USTR, autoridade comercial dos Estados Unidos, ao atualizar uma regra de 1998 por considerá-la obsoleta.
Desde que assumiu a Casa Branca, o presidente Trump tem reclamado do tratamento dispensado a países tidos como em desenvolvimento durante disputas comerciais, em especial da China. Em Davos, na Suíça, em janeiro, ele voltou a falar no tema ao criticar o fato de que China e Índia serem consideradas nações em desenvolvimento pela OMC.
Brasil aceitou abrir mão
Parte dos países afetados pela resolução americana já aceitaram abrir mão do tratamento especial concedido a países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).
É o caso de Cingapura, Coreia do Sul e Brasil. Em março, quando o presidente Jair Bolsonaro visitou Donald Trump em Washington, aceitou a mudança de status na OMC em troca do apoio americano ao processo de adesão brasileiro à OCDE. Para os EUA, o Brasil está no G20, grupo de economias desenvolvidas e, portanto, não poderia seguir com status de emergente.
— Chegaria um momento em que o Brasil teria de subir de patamar, ser considerado desenvolvido. Não podíamos ser o nono PIB mundial e continuar como emergente. Precisamos fazer ajustes econômicos para entrarmos definitivamente no grupo de países ricos — avalia o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.