O Ministério da Economia e o de Relações Exteriores avaliam os impactos de uma eventual saída do Brasil do Mercosul. Técnicos das pastas e da Advocacia-Geral da União (AGU) foram acionados para detalhar os acordos e tratados que afetam cada país e o bloco econômico.
Ainda não há um cálculo preciso do impacto de uma ruptura, mas entram nessa conta perdas bilionárias decorrentes do fim das exportações brasileiras com tarifas diferenciadas aos países do bloco e as perdas para cidadãos.
Para entrar e sair nos países vizinhos, seria preciso passaporte com visto. Famílias que vivem nesses lugares teriam permanência cancelada. Diplomas perderiam a validade. Até as placas de veículos, que começam a ser trocadas por aquelas com os padrões do Mercosul, teriam de ser modificadas novamente.
No centro desse debate está a resistência da Argentina a uma política de redução da tarifa externa comum (TEC), que incide sobre os produtos exportados pelo bloco para outros países. Em viagem ao Japão, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, na quarta (23), que pode solicitar a suspensão da Argentina para evitar que essa revisão tarifária seja barrada.
— Nós sabemos que a volta da turma do Foro de São Paulo e da Cristina Kirchner para o governo argentino pode, sim, colocar em risco todo o Mercosul. E, se possivelmente colocando em risco todo o Mercosul, repito, possivelmente, você tem de ter uma alternativa no bolso — afirmou.
Para o Brasil, a redução tarifária em 80% de mais de 10 mil produtos do bloco significa levar adiante uma abertura comercial ampla dentro de quatro anos, afetando principalmente a indústria automobilística, base das relações comerciais com outros países.
Ainda segundo os negociadores, esse quadro de incerteza em relação à Argentina foi o que gerou resistência do governo brasileiro à assinatura do acordo automotivo com o país vizinho, em setembro.
Para ser concretizada, a revisão tarifária em curso precisa do aval dos quatro países-membros (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). A Venezuela está suspensa desde 2017 e não tem direito a voto.
A ordem para uma avaliação do impacto de uma eventual saída do Brasil do Mercosul foi uma orientação dada pelo Planalto para a equipe econômica e de relações internacionais assim que a chapa peronista, formada por Alberto Fernández e pela ex-presidente Cristina Kirchner, disparou nas pesquisas eleitorais para a sucessão presidencial. Ambos são protecionistas.
Nos bastidores, assessores consideram a medida extremada e que funcionaria, no final, como arma de Bolsonaro para interferir nas eleições ajudando seu aliado, o liberal Mauricio Macri.
Internamente, a equipe econômica vê com preocupação a retirada do bloco. Entre janeiro e agosto deste ano, os países compraram US$ 9,2 bilhões em produtos do Brasil, que importou US$ 11,8 bilhões de seus parceiros. A indústria calçadista, têxtil e fogões, geladeiras e outros itens da linha branca são os carros-chefes dessas vendas.
Da mesma forma como seria difícil sair do tratado, os representantes dos países também consideram improvável uma suspensão da Argentina caso ela não concorde com os termos da redução da TEC.
Em 2012, o Paraguai foi suspenso por causa da deposição do então presidente Fernando Lugo, após rápido processo de impeachment. Isso foi possível graças a uma cláusula chamada democrática. O argumento também foi usado contra a Venezuela. Para esses representantes, a volta dos peronistas não poderia ser, por si só, um motivo para que a cláusula democrática seja acionada novamente.
A abertura comercial é uma promessa de campanha. Desde que assumiu, Bolsonaro sinalizou que faria uma modernização e abertura da economia capitaneada pelo ministro Paulo Guedes, medida que estava prevista para ser retomada com mais força após a reforma da Previdência.
A reportagem teve acesso à última proposta tarifária discutida, revelada pelo jornal Valor Econômico. Por ela, a indústria será a mais afetada, com redução média do imposto de importação para o setor de 13,6% para 6,4%. Em cada dez itens, seis teriam descontos superiores a 50%. Na média, a TEC ficaria em 6,8%, com uma redução de 40%.
Veículos de passeio passariam dos atuais 35% para 12%. Na cadeia do aço, a tarifa média cairia de 10,4% para 3,7%. Laminados planos (insumo da produção de veículos) seriam taxados a 4%, em vez de 14%. Alguns tipos de plástico teriam corte de 12% para 8%. Na indústria que fornece o insumo (polipropileno), a queda seria de 14% para 4%.
Se a redução for implementada, o setor têxtil nacional poderá ter tarifas equivalentes às do Canadá. As alíquotas de adubos e fertilizantes estariam niveladas com a dos Estados Unidos (EUA) e até menores que as da UE.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), um corte de 50% na tarifa reduzirá o Produto Interno Bruto (PIB) de pelo menos 10 dos 23 setores industriais até 2022.