Empresários gaúchos com operações na Argentina adotam cautela diante da possibilidade de retorno da centro-esquerda ao poder no país vizinho, quarto maior comprador de produtos brasileiros e principal parceiro econômico no Mercosul. O comportamento se explica pelas lembranças de turbulências nas relações entre a presidente Cristina Kirchner e os investidores externos devido às medidas de protecionismo de seu governo, apesar do alinhamento ideológico com os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Alguns empresários admitem, sob anonimato, a torcida pela reeleição de Mauricio Macri.
— Quando houve a indicação de que aconteceria uma mudança política e que essa mudança ia trazer um ambiente econômico mais amigável (a eleição de Macri, em 2015), a reação foi positiva — diz um executivo com décadas de negócios na Argentina.
Porém, ele relativiza os riscos de uma possível eleição de Alberto Fernández e Cristina, não chega a ser uma "hecatombe" em suas palavras:
— A Argentina está em modo de sobrevivência há muitos anos. Tem problemas estruturais muito difíceis. Cristina vem com um discurso nacionalista, de valorização da indústria local, mas, na prática, a gente viu que não foi bem isso que aconteceu.
Outro empresário gaúcho é taxativo: preferia mais quatro anos de governo Macri:
— Os próprios argentinos estão preocupados por conta da liberdade para poder importar e exportar — explica.
Fechada durante o governo Cristina, a Câmara Empresarial Argentino-Brasileira foi reaberta em fevereiro deste ano no Rio Grande do Sul, com o objetivo de estimular os negócios bilaterais. O presidente da entidade, Pedro Calazans, da Uniagro Alimentos, manifesta preferência pela continuidade da política externa, mas, diante da tendência de mudança política, pondera:
— Queremos que possam continuar com esse trabalho de integração maior do Mercosul, avanço em acordos bilaterais e multilateral, como o acordo Mercosul-União Europeia (UE).
Ele admite receio em relação a um governo de centro-esquerda, com imposição de cotas de exportação e importação, que prejudique o livre-comércio.
— A economia do Rio Grande do Sul depende bastante da Argentina. É o primeiro país de destino de exportação de produtos manufaturados. Toda a indústria metalmecânica, automobilística, calçados e móveis é muito forte — afirma.
Entre janeiro e setembro, o saldo da balança comercial foi negativo (veja quadro abaixo). Conforme Federico Antonio Servideo, presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira (Camarbra), no governo Macri houve avanços parciais na relação bilateral. Porém, o comércio, segundo ele, ficou baseado na plataforma automotiva.
— É difícil estimar como um eventual governo de Fernández ou Macri irá reagir. Esperamos que a racionalidade venha para ficar e que o relacionamento entre os dois países continue a se desenvolver de maneira razoável, o que implicará talvez discutir alguns acordos. Porém, na nossa percepção, isso não implicará retrocessos significativos na relação bilateral — afirma.