O governo federal conta com recursos que dependem do aval do Congresso para aplicar o mínimo constitucional na área de saúde em 2020. O projeto de orçamento do próximo ano reservou R$ 122,9 bilhões para ações e serviços públicos de saúde, conhecidos como ASPS.
Nesse total, estão previstos R$ 8,1 bilhões de emendas parlamentares — dinheiro que deputados e senadores destinam a suas bases eleitorais. Sem essa parcela, os gastos com saúde em 2020 não alcançam o mínimo a ser aplicado na área, estimado em R$ 121,2 bilhões pela consultoria de orçamento da Câmara dos Deputados.
Na prática, para cumprir o piso constitucional o governo precisará negociar com o Congresso a liberação das emendas, pois não há uma regra que obrigue os parlamentares a transferirem o valor à saúde.
Dos R$ 8,1 bilhões, R$ 3,3 bilhões são referentes a emendas de bancada. A alocação desses recursos é decidida por parlamentares de cada Estado e também não há uma cota reservada para saúde, como acontece com as emendas individuais.
— Uma parte do orçamento da saúde leva mais em conta critérios definidos pelos parlamentares do que aquilo que as áreas técnicas do governo têm planejado, inclusive junto com estados e municípios. Isso preocupa bastante — afirma o economista Francisco Funcia, da comissão intersetorial de orçamento e financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância do Sistema Único de Saúde (SUS).
O piso previsto na Constituição parte da concepção de que a saúde é direito de todo cidadão e é dever do Estado. Desde 2018, esse mínimo é calculado com base no valor aplicado no ano anterior, corrigido pela inflação do período.
Para Funcia, a limitação, estipulada por emenda constitucional, provoca uma redução do financiamento da saúde.
— Estão retirando recursos de algo que é insuficiente. Compromete bastante o atendimento das necessidades de saúde — disse.
O orçamento da pasta para 2020 prevê cortes em algumas ações de saúde. Para compra e distribuição de vacinas, houve redução de quase R$ 400 milhões nos valores para o próximo ano, de R$ 5,3 bilhões para R$ 4,9 bilhões. Desse total, R$ 1,44 bilhão viriam via crédito suplementar, sujeito à aprovação do Congresso.
Outras ações também estão com o orçamento integral condicionado ao aval do Congresso. Dos R$ 13,5 milhões do orçamento para o funcionamento do Conselho Nacional de Saúde, R$ 3,9 milhões estão travados. O fortalecimento do sistema nacional de vigilância em saúde tem R$ 81,24 milhões dos R$ 288,5 milhões dependentes do Congresso.
Parlamentares já se mobilizam para tentar direcionar recursos via emendas. Presidente da Frente Parlamentar da Saúde, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) disse que vai tentar destinar o dinheiro principalmente para o atendimento básico e procedimentos de média e alta complexidade.
Para 2019, Zanotto conseguiu que emendas de Santa Catarina fossem para saúde. Ela reconhece, no entanto, que atualmente há pressão para que o dinheiro seja usado em obras de infraestrutura, como rodovias.
— Na saúde, além do (efeito do) envelhecimento da população, a inflação é sempre maior. Por isso, precisamos melhorar a gestão e brigar por mais recursos, ou a gente não vai conseguir atender à população — defendeu a deputada.
Mesmo com a previsão de R$ 8,1 bilhões de emendas parlamentares, o orçamento de 2020 para a saúde tem a menor margem (R$ 1,7 bilhão) em relação ao piso constitucional desde 2014, quando foram gastos R$ 300 milhões acima do mínimo.
Ex-ministro da Saúde no governo de Michel Temer, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) disse que a equipe do presidente Jair Bolsonaro precisa tornar a máquina pública mais eficiente.
— O governo tem uma crise fiscal muito grande. Se os ministérios não diminuírem a estrutura, não tem chance de dar certo — defendeu.
É a mesma avaliação do deputado dr. Frederico (Patriota-MG), que defende corte nos custos administrativos para aumentar o fôlego para investimento na área.
— Dificilmente vai ter um aumento de aporte de recurso. E a gente não tem saída, a única saída que a gente tem é melhorar mecanismo de gestão — disse.
Para ele, há espaço para cortar na estrutura administrativa de hospitais.
— Às vezes, há salários de diretores que não são compatíveis com a função que ele está realizando. E a gente tem realmente como realizar esses cortes — afirmou. — Tem que entender que o cobertor é curto e não dá para ficar esperando mais recursos do governo, porque a gente não tem como sugerir um aumento de impostos — disse.
Funcia, da comissão do CNS, faz críticas às diretrizes econômicas do governo. Na avaliação dele, o aperto financeiro impede que a economia e a receita cresçam.
— Temos percebido que muitas áreas técnicas do Ministério da Saúde têm manifestado que há falta de recursos e expressado preocupação com o impacto disso no atendimento da saúde à população — disse.
— Pelo que vemos no noticiário, o Ministério da Economia não demonstra sensibilidade em relação a essas questões — afirmou.
O economista defende o controle de despesas pelo governo federal, mas acrescenta que "não é possível achar que o tiro para combater a crise fiscal vai ser somente cortando despesa".
Procurado, o Ministério da Saúde disse que o orçamento de 2020 é realista, pois, em 2019, recebeu R$ 7 bilhões em emendas parlamentares. Lembrou ainda que o projeto agora está nas mãos do Legislativo, que poderá alocar ou não mais recursos para a saúde, considerando a disponibilidade financeira para 2020.