SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Justiça Federal atendeu a um pedido de liminar do Ministério Público Federal do Amazonas e cancelou 1.072 requerimentos (equivalente a 96% do total) relativos a pesquisa ou concessão para mineração em terras indígenas no estado. Ainda há 41 processos a serem analisados.
Os pedidos cancelados pela Justiça estavam suspensos e encontravam-se em condição semelhante a uma lista de espera --aguardando uma lei que regulamentasse a mineração em terras indígenas.
O artigo 231 da Constituição Federal prevê pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas, mas para isso determina que sejam feitas regulamentações pelo Congresso Nacional, após ouvir as comunidades afetadas.
Como não há regulamentação sobre o tema, em vez de indeferir e cancelar os pedidos, a ANM (Agência Nacional de Mineração), antigo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral, órgão responsável para autorizar atividade mineral no Brasil), apenas os suspendeu, com a justificativa de estar esperando a criação de uma lei.
Ao não cancelar e manter em suspenso esses pedidos, a agência permite que se crie um direito de preferência sobre as áreas requeridas, explica o procurador da República José Gladston Correia.
"Se uma empresa hoje quer minerar em uma determinada região [que não seja em reserva indígena], ela vai à Agência Nacional de Mineração, faz o pedido de pesquisa ou de lavra e, então, tem a prioridade sobre aquela área. Essas empresas estavam adotando essa prática em relação às terras indígenas e obtendo esse tipo de priorização, e isso não é lícito", diz Correia.
"Porque se hoje não há ordenamento jurídico para a permissão a qualquer mineração em terra indígena, não há sentido em dar prioridade a quem faz o requerimento, que claramente deveria ser indeferido."
Segundo dados levantados por estudo do WWF-Brasil, em fevereiro de 2018 havia no país 3.114 requerimentos de títulos minerários suspensos e incidentes sobre terras indígenas na Amazônia Legal, apenas na espera da criação de um marco regulatório.
A região, que abrange os nove estados do Norte e o Maranhão, tem 1,1 milhão de quilômetros quadrados em terras indígenas homologadas, o equivalente a 22% de sua área total. No período do estudo do WWF, havia 138 requerentes de mineração no território de posse dos índios, dos quais 64% eram empresas e 36% eram pessoas físicas.
O estudo aponta a Terra Indígena Yanomami, na fronteira com a Venezuela, como a área mais ameaçada. Basta ver a lista de minérios cobiçados neste território: ouro, diamante, tungstênio, estanho, nióbio, manganês, cobre, chumbo, tântalo, platina, césio, cassiterita, columbita, ilmenita, berílio, lítio, minério de estanho, prata, tantalita, esteatito e wolframita.
"Quase cem pedidos alcançam uma área de 11 mil quilômetros quadrados, pouco mais de 10% do território homologado em 1992 e onde já foi detectada a presença de garimpo ilegal", diz o WWF.
Essa área, no entanto, corta dois estados, Roraima e Amazonas. Se analisado apenas o território deste último, a terra indígena mais afetada é o Alto Rio Negro.
Apesar da anulação dos requerimentos no Amazonas, a ANM ainda permite a sobreposição de pedidos de pesquisa e mineração em terras indígenas nos outros estados da Amazônia Legal.
Na avaliação do especialista em políticas públicas do WWF, Jaime Gesisky, o fato de a ANM permitir essa sobreposição de bases de dados não significa necessariamente uma ação deliberada da agência.
"Às vezes o título minerário foi pedido antes de a área ter sido homologada ou mesmo por problemas nas bases de dados. Também há problemas no georreferenciamento. Não há uma conspiração aí, mas problemas na base de dados."
Um projeto de lei, apresentado em 1996 pelo ex-senador Romero Jucá (MDB-RR), estabelecia que todos esses requerimentos seriam considerados prioritários em caso de liberação da mineração em terras indígenas.
O projeto foi relatado na Comissão de Minas e Energia pelo então deputado Elton Rohnelt (PSDB), fundador de empresas que possuem requerimentos na região e ex-assessor do ex-presidente Michel Temer (MDB). Em 2019, foram apresentados requerimentos para criação de comissão especial para analisar o tema.
Procurada, a ANM não respondeu aos questionamentos da reportagem porque a única pessoa responsável pela comunicação do órgão estava afastada.
Sob condição de anonimato, pessoas que trabalham no setor disseram que a situação da agência é precária. Para elas, a ANM foi criada sem recursos, tem poucos funcionários e incapacidade técnica.