A iminente vitória do governo na votação desta terça-feira (7) na Assembleia, que deverá bater o martelo sobre a retirada da exigência constitucional de plebiscito para a privatização de três estatais gaúchas, abrirá as portas do regime de recuperação fiscal ao Estado. Apesar de ainda depender da aprovação de projetos específicos para vender as empresas, o avanço empolga a área econômica do governo federal, que vê ambiente político favorável para o governador Eduardo Leite no Legislativo.
Passada essa etapa, o Piratini irá encaminhar as propostas que autorizam o Executivo a se desfazer de CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás. Os textos terão o carimbo do regime de urgência e irão trancar a pauta de votações 30 dias após o início da tramitação. Depois, será a vez de propor revisões no regime de Previdência estadual dos servidores, nos estatutos e planos de carreira e em benefícios do funcionalismo.
— O governo deverá mandar (os projetos) na sequência. Provavelmente os textos serão enviados em regime de urgência. Se o governo decidir enviar com urgência, acho que em junho poderão ser votados — diz o líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP).
Enquanto a PEC precisa de ao menos 33 votos para ser aprovada — o governo conseguiu 40 votos na há duas semanas —, no caso dos projetos de lei é preciso apenas maioria simples (metade mais um). A perspectiva torna ainda mais difícil a vida da oposição à Leite na Assembleia, contrária às privatizações.
— Só daremos a partida como encerrada após o apito. Lutaremos até o fim. Estamos conversando com a comunidade e mostrando os índices de qualidade que temos, hoje, na RGE. É um caos, é muito ruim o atendimento (da concessionária privada) — diz o líder da bancada do PT na Assembleia, deputado Luiz Fernando Mainardi, em defesa da CEEE.
A bancada do MDB, maior partido aliado de Leite, garante que votará em uníssono pela PEC. No primeiro turno da votação, os emedebistas, para demonstrar insatisfação com a distribuição de cargos, demoraram para comparecer ao plenário.
— Esse é um projeto do governo passado. Sabemos da importância para o futuro o Rio Grande do Sul. Todos os deputados da bancada estarão presentes nesta terça-feira (7) — diz o líder da bancada emedebista na Assembleia, deputado Fabio Branco.
Debate duro a caminho
Com alto potencial de contestação por parte dos servidores, a discussão dos projetos das vendas de estatais promete gerar o debate mais arraigado desde o início da administração atual. Mesmo antes do aval do parlamento a essas alterações, Leite avalia que poderá encaminhar à União a proposta de adesão:
— Temos a expectativa de que a apresentação dos projetos seja suficiente e temos confiança na aprovação dos textos junto à Assembleia, uma consciência coletiva de que o Estado precisa enfrentar as causas do déficit.
Reuniões entre técnicos da Fazenda gaúcha e da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) são realizadas em Porto Alegre e Brasília, além de videoconferências, para afinar pontos da proposta. Na prática, o Piratini precisa provar que deixará o regime especial, que tem prazo máximo de seis anos, conseguindo caminhar com as próprias pernas, sem depender de aportes ou concessões futuras da União para manter sua saúde financeira.
Queremos que os Estados tenham autonomia, independência e possam voltar a investir nas sociedades locais
ONYX LORENZONI
Ministro da Casa Civil
Caso a proposta apresentada seja considerada consistente, a adesão poderia ocorrer ainda em 2019, mesmo que o foco da equipe econômica federal esteja em seu próprio equilíbrio financeiro neste primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro.
— São coisas independentes. O regime não tem nada a ver com o governo federal. Depende muito mais do Estado. O acordo pode ser fechado neste ano e vemos um ambiente político mais propício no Rio Grande do Sul para isso — afirma um observador da STN presente desde o início das negociações.
Um ponto que ainda precisa de definição é a apresentação do comprometimento da receita gaúcha com pessoal, juros e amortização da dívida, que deve ser superior a 70%. Apesar de superar o índice, os relatórios oficiais apontam situação menos dramática, já que metodologia do Tribunal de Contas do Estado (TCE) exclui algumas despesas, como o pagamento de pensões. O caso está em discussão com cortes de contas de todo o país e com a própria STN.
Chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni admite que, além do regime de recuperação fiscal, o Executivo prepara para as próximas semanas o anúncio de um pacote que confere maior independência aos governos estaduais. Ele mudou de postura em relação ao período de transição presidencial, quando disse acreditar que somente "a partir do segundo ano de governo" haveria solução aos Estados.
— O plano de recuperação é um balão de oxigênio. Ainda vamos divulgar ações que solucionem o problema. Queremos que os Estados tenham autonomia, independência e possam voltar a investir nas sociedades locais — pontuou Onyx.
O ministro antecipou que estão em estudo mudanças na distribuição de recursos, o que beneficiaria Estados e municípios. Questionado se a proposta atende aos apelos de governadores por um novo pacto federativo, limitou-se a dizer que o governo vai por em prática o mantra de campanha "mais Brasil, menos Brasília".
Até o momento, apenas o Rio de Janeiro conseguiu assinar o acordo. Segundo cálculos da STN, o Estado deixou de pagar à União cerca de R$ 24 bilhões nos últimos três anos. Além do Rio Grande do Sul, Minas Gerais negocia a adesão ao regime de recuperação fiscal, embora ainda precise apresentar uma proposta completa ao Ministério da Economia.
Outra ação de socorro prevista pelo governo federal está focada em 12 Estados que possuem nota C no ranking de endividamento medido pelo Tesouro. O Programa de Equilíbrio Fiscal (PEF) — também chamado de Plano Mansueto, em referência ao secretário nacional do Tesouro, Mansueto Almeida — estima liberar R$ 40 bilhões em quatro anos. O projeto ainda precisa ser aprovado pelo Congresso. O Rio Grande do Sul, com nota D, não deverá participar.
Sem vender Banrisul, aposta em venda de ações e redução de despesas
Apesar do apetite da equipe econômica federal voltado ao Banrisul, o banco não está na mesa de negociações para a adesão gaúcha ao regime de recuperação fiscal. Com isso, a situação vai exigir profunda matemática financeira. Para incrementar a receita, há a previsão de venda de ações no mercado — mantendo o controle acionário do Estado — e de subsidiárias. Para atacar despesas futuras, o foco recairá sobre os servidores.
A intenção é revisar o regime de Previdência estadual, estatutos, planos de carreira e benefícios do funcionalismo. O ex-governador José Ivo Sartori (MDB) chegou a propor alterações em vantagens, mas não avançou por falta de apoio no Legislativo. A situação de Eduardo Leite é diferente.
Nas duas oportunidades em que a fidelidade de sua base foi testada — no fim da licença-prêmio e no primeiro turno da PEC do Plebiscito — o resultado foi positivo, com apoio que variou entre 38 e 40 votos entre os 55 deputados estaduais. A venda de participação na Corsan também é estudada, assim como concessões de rodovias e órgãos públicos. É amparado na expectativa de mudanças no custeio da folha que está o otimismo do Piratini na elaboração da nova proposta de acordo.
— O que a gente traz de novidade é uma reestimativa das questões de despesa de pessoal. É um cenário que não tem efeito tão grande no curto prazo, mas é crescente ao longo do plano e a longo prazo — sustenta o secretário estadual da Fazenda, Mauro Aurelio Cardoso.
Caso a proposta seja aceita, a União autoriza a contratação de novos financiamentos, que podem ser utilizados para quitar passivos. Ainda, suspende a cobrança das parcelas da dívida por três anos, com a possibilidade de ampliação do benefício por igual período. O Rio Grande do Sul não está pagando os valores mensais desde agosto de 2017 devido a uma decisão judicial que impede sanções da União em caso de inadimplência.
Não há prazo para julgar liminar que livra RS do pagamento da dívida
Embora a adesão ao regime de recuperação fiscal esteja no radar do Piratini, é impossível prever quando o acordo será selado e se a União irá aceitar o Estado no programa ainda em 2019. A indefinição aumenta a importância da liminar que suspendeu os pagamentos da dívida gaúcha com a União, de R$ 270 milhões mensais, aproximadamente, em agosto de 2017. O instrumento está sendo contestado pela Advocacia-Geral da União (AGU), que pede que a decisão seja derrubada _ o julgamento não tem data marcada.
Em agosto de 2017, o ministro Marco Aurelio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), justificou a ação pela iminência da assinatura do acordo entre o Piratini e a União. Durante a gestão de Michel Temer, não houve contestação do governo. No entanto, em abril deste ano, a AGU pediu que a Corte volte a permitir a aplicação de sanções ao Rio Grande do Sul por inadimplência.
— Com certeza, o pedido para derrubar a liminar veio do Tesouro. A suspensão do pagamento é um precedente perigoso, caso outros estados também consigam. E quanto mais tempo o Estado fica sem pagar a dívida, mais difícil se recuperar e aderir ao regime de recuperação fiscal — comenta um integrante da AGU que acompanhou o início das negociações.
Técnicos do Tesouro afirmam que a suspensão dos pagamentos deve ser excepcional, já que não resolve o problema financeiro dos Estados e aumenta o estoque da dívida devido à incidência de juros. Por isso, a defesa da adesão ao acordo que, além de oferecer fôlego nas parcelas mensais, exige a reestruturação das finanças e garante recurso imediato.
— O problema maior dos Estados não é a dívida. O problema é que vários deles têm estrutura de gasto público muito pesada de pessoal, com servidores especiais que se aposentam com 49 anos — relata um integrante da cúpula do Tesouro Nacional.