A chegada da proposta de reforma da Previdência ao Congresso nesta quarta-feira (20) marcará o início do principal desafio do governo de Jair Bolsonaro.
A ação, prioridade da equipe econômica em busca do equilíbrio fiscal, irá testar a capacidade de interlocução do Planalto e sua força para modular a voracidade de parlamentares que já se organizam para desidratar o alcance das mudanças.
O texto, que traz pontos mais ambiciosos do que os apresentados nos últimos governos, será entregue por uma comitiva, integrada pelo presidente e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Além de prestigiar os deputados, o ato é visto como forma de Bolsonaro usar o capital político recebido nas urnas a favor da proposta, atenuando críticas de parlamentares que reclamam a falta de canal de diálogo com o Executivo.
Além disso, a estratégia do Planalto é colocar na rua campanha ostensiva para explicar pontos polêmicos do projeto, como a adoção de idades mínimas para aposentadoria por tempo de serviço e como funcionará o período de transição. A palavra “reforma” será evitada e, em seu lugar, será usada a expressão “nova Previdência”. O mote será o combate aos privilégios.
Oferecer subsídios para a discussão também é estratégia para evitar que a demissão do então ministro da Secretaria-Geral da Previdência, Gustavo Bebianno, ofereça poder de barganha para deputados que não integram a base aliada ou a oposição e precisarão ser convencidos pelo governo.
Na última semana, a divulgação das idades mínimas de 65 anos para homens e 62 para mulheres foi recebida com torrente de críticas por líderes partidários na Câmara. O reflexo inicial desfavorável já era aguardado pelo Planalto, assim como a necessidade de negociação em pontos polêmicos do texto para quebrar resistências.
— Vai ter negociação. As idades mínimas ficaram muito altas e a transição, muito pequena. Vamos buscar meio termo – diz o líder do PR na Câmara, José Rocha (BA).
O governo quer evitar atrasos na busca pela maioria. Por ser proposta de emenda à Constituição (PEC), a aprovação depende do apoio de 308 entre os 513 deputados. A demora na apreciação do texto teria repercussão negativa junto ao mercado e reduziria a força política do governo.
Para congressistas, o clima para a aprovação é melhor do que durante o governo de Michel Temer. No entanto, preveem longas discussões, em especial, com representantes de categorias que buscam reduzir os efeitos das mudanças propostas.
— Vemos que todo mundo é a favor da reforma da Previdência, desde que não mexa com os seus privilégios. Mas já é bom ter consenso de que a reforma é necessária – avalia o deputado Alceu Moreira (MDB-RS).
Durante a gestão Temer, a negociação para a antiga reforma contou com uma espécie de balcão, onde deputados apresentavam demandas e condições para apoiar o texto. Em paralelo, parlamentares da base aliada produziam mapas de votos. Em nenhum momento se alcançou o apoio necessário à aprovação.
Para a nova reforma, deputados afirmam que o Planalto ainda não deu início a conversas com a base aliada em busca de votos. A falta de interlocução é citada por parlamentares experientes, que estranham a tímida movimentação e criticam os nomes indicados para as negociações, como o líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO).
— Não concordo com os nomes, mas eles estão sendo coerentes. Para (Rodrigo) Maia, é conveniente, porque ele terá muita influência sobre o líder do governo. Mas está na hora de o Planalto compor com os partidos e não só com as bancadas temáticas – adverte um dos principais nomes do PP na Câmara, referindo-se ao presidente da Casa.
Maia garantiu a imediata instalação da comissão especial que irá tratar da proposta a partir de agora. O grupo será responsável pelo texto final da reforma. Na última semana, ele se mostrou otimista.
— Acredito que, se tudo correr parecido, a gente vai ter esse debate feito, e a matéria pronta para votar no início de junho — disse.
O governo avalia ser possível aprovar as mudanças até o final de setembro.
PONTOS DE CONFLITO
Idade mínima
Atualmente, não há idade mínima para aposentadoria por tempo de serviço.
A proposta do governo aponta para 65 anos para homens e 62 para mulheres, valores intermediários entre o que queria a equipe econômica (65 para ambos) e Bolsonaro (65 para homens e 60 para mulheres). Foi a primeira informação divulgada com objetivo de analisar impacto e facilitar negociações.
Transição
O governo incluiu três possibilidades de transição. Na aposentadoria por tempo de contribuição, há a previsão de idades mínimas iniciais de 56 anos para mulheres e 60 anos para homens, elevadas até o limite de 62 anos para mulheres (em 2031) e 65 anos para homens (em 2029). Para quem está muito próximo da aposentadoria, haverá por dois anos a opção de pedir o benefício pelas exigências atuais de tempo de contribuição, mas com pedágio e incidência do fator previdenciário sobre o valor do benefício.
A terceira alternativa será a aposentadoria por pontos, na fórmula 86/96.
Benefício de Prestação Continuada
A intenção de reduzir o valor, concedido a idosos de baixa renda com alguma deficiência, foi recebida de forma negativa até mesmo por aliados. A equipe econômica quer criar faixas etárias, com a concessão do benefício a partir dos 55 anos, mas sem chegar a pagar o salário mínimo integral.
Aposentadoria rural
O governo Bolsonaro dificultou o acesso à aposentadoria rural por meio de medida provisória, editada em janeiro, retirando protagonismo dos sindicatos rurais, que atestavam o tempo de serviço mínimo de 15 anos dos beneficiários.
Militares
Tema que opõe integrantes da equipe econômica e da ala militar do Planalto. Por não depender de mudanças constitucionais, as alterações poderiam ser encaminhadas ao Congresso em projeto de lei ordinário.
Tramitação da PEC no Congresso
- Planalto prevê protocolar PEC da reforma da Previdência na Câmara na quarta-feira, dia 20
- Proposta é encaminhada para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
- CCJ tem até cinco sessões para debater o texto e outra duas para votação do parecer do relator
- Após, a PEC segue para a comissão especial criada exclusivamente para analisar seu conteúdo
- Abre-se o prazo de 10 sessões para discussão da proposta e apresentação de emendas
- O relator elabora uma alternativa ao texto original, com sugestões dos demais deputados que integram o grupo, dando origem a um substitutivo, que deve ser votado em até 40 sessões
- Caso o prazo final seja ultrapassado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), poderá levar a PEC para votação em plenário. A reforma da Previdência proposta por Michel Temer ficou apenas sete dias na CCJ e 89 na Comissão Especial
- Se a data de 20 de fevereiro for confirmada e a nova PEC seguir tramitação idêntica, a discussão e início da votação em plenário poderia começar na última semana de maio
- Caso seja aprovada em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre cada votação, a PEC segue para o Senado
- Chegando ao Senado, o texto vai direto para a CCJ
- A Comissão deverá apresentar um parecer em até 30 dias
- Após aprovação pela CCJ, a PEC segue direto ao plenário, onde sua aprovação também passa por dois turnos de votação, com intervalo de cinco sessões entre elas
- Caso a proposta não seja alterada pelos senadores, o texto é promulgado em sessão do Congresso Nacional. Se for modificada, precisará de nova apreciação na Câmara.