Sinônimo de prosperidade, Caxias do Sul cresceu 5,6% em 2017. Seria um avanço de fazer inveja ao país, que teve alta de apenas 1% no PIB. Seria, não fosse apenas o início da recuperação de uma crise que atingiu o município de forma muito mais profunda e prolongada na comparação com o Brasil. Enquanto a economia nacional acumulou queda de 7,1% no PIB em dois anos, na cidade a atividade despencou 33,3% na soma de 2014, 2015 e 2016, apontam os cálculos da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul.
Razão do vigor do segundo município mais rico do Estado, foi a indústria que jogou a cidade na recessão e, agora, começa a tirá-la. O setor cresceu 6,8% em 2017, a expansão segue no início de 2018 e, aos poucos, as fábricas voltam a contratar. O motor de arranque da retomada é o começo da reversão no mercado de ônibus, caminhões e implementos rodoviários, negócios de empresas como Marcopolo, Randon e Agrale, as principais do setor metalmecânico.
Os três segmentos mostraram um princípio de reação em 2017, após queda livre nas vendas. A produção de carrocerias de ônibus no país caiu para menos da metade de 2013 para 2016 — de 32,6 mil unidades para 14,1 mil — e, ano passado, voltou a crescer, mas somente 3,5%, mostra a Associação Nacional de Fabricantes de Ônibus. Nos semirreboques, negócio liderado pela Randon, os emplacamentos em 2016 foram menos de um terço de três anos antes, conforme a Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários. Em 2017, subiram 7%.
Mas, antes, a crise fez uma vítima de peso: com o empurrão dos negócios ladeira abaixo, a Guerra, segunda maior fabricante do país, também da cidade, fechou as portas.
— O que tivemos em Caxias não foi recessão, mas depressão — define a economista Nara Panazzolo, assessora do departamento de economia da CIC.
Concentrada na cadeia de veículos pesados, Caxias do Sul começou a sofrer com o início da desaceleração da economia, após um período de crescimento anabolizado pelo crédito farto e barato. A turbulência política ampliava a desconfiança dos clientes de ônibus e caminhões no futuro próximo de seus negócios. Diminuía o ímpeto para investir, ao mesmo tempo em que os financiamentos empoçavam e o juro disparava. Após perder velocidade, a atividade começou a andar para trás. Caía a demanda pelo transporte de pessoas e mercadorias.
O quadro, potencializado pela superoferta de veículos no mercado, paralisou os negócios. Era o estouro da bolha e o início do tsunami na economia da cidade, afetando as maiores empresas e os fornecedores. As demissões começaram, contaminando comércio, serviços e construção civil.
Mesmo que sobre uma base muito fraca de comparação, o forte crescimento dos emplacamentos de caminhões e ônibus no primeiro bimestre no país voltou a trazer esperanças de ser o início da retomada.
— Há necessidade de um volume maior de investimento para transporte de cargas e pessoas. Depois de quase quatro anos, os ônibus e caminhões se desgastaram muito. É necessário renovar a frota — diz Hugo Zattera, diretor-presidente da Agrale, fabricante de caminhões, tratores e chassis de ônibus, que antes da crise faturava R$ 1,2 bilhão e tinha 2,4 mil funcionários, números agora reduzidos à metade.
Espelhando o caso da Agrale, as indústrias metalmecânicas e de material elétrico de Caxias do Sul e região perderam quase 50% da receita em três anos de crise. Em 2013, faturaram R$ 23,8 bilhões. Três anos depois, R$ 11,2 bilhões, patamar que levou o setor de volta aos resultados dos distantes anos 1990. A retomada começou a ser sentida em 2017, quando os negócios subiram 8%, para R$ 12,19 bilhões.
A Randon, que vendeu R$ 6,6 bilhões em 2013, viu suas receitas murcharem para
R$ 3,6 bilhões em 2016. No ano passado, subiram para R$ 4,2 bilhões. Mesmo assim, há cautela. O diretor de operações de montadoras da empresa, Alexandre Gazzi, sequer arrisca quanto tempo vai demorar para voltar ao patamar de 2013, de 70 mil semirreboques.
— De forma saudável, podemos chegar entre 45 mil e 50 mil daqui a quatro ou cinco anos. A demanda antes da crise era artificial, fora de controle — avalia.
A conterrânea Marcopolo, maior fabricante de carrocerias de ônibus do país, também sente a melhora. Para 2018, a expectativa é de que o mercado cresça de 10% a 15%.
— Hoje, temos carteira de pedidos boa, até junho, o que dá previsibilidade. Quando cheguei aqui, em 2015, mal sabíamos o que iria ser produzido no mês seguinte. Para o segundo semestre, ainda vai depender dos acontecimentos — diz o diretor-geral da companhia, Francisco Gomes Neto.
Os acontecimentos são principalmente as eleições, uma incógnita que, a despeito da projeção de crescimento de 2,89% do PIB nacional em 2018, põe nas perspectivas de recuperação o freio da dúvida.