Não são apenas o interesse econômico e a oportunidade que explicam o avanço chinês sobre o Brasil. Há uma pitada de geopolítica no processo, avaliam especialistas, embora não vejam razões para preocupações extremadas nem motivos para os investimentos serem vistos de forma diferente em relação aos originários de qualquer outro país. Mas, na perspectiva das relações sino-brasileiras, há pontos que precisam de atenção ou de um papel mais ativo do lado de cá.
O coordenador de análise e pesquisa do CEBC, Tulio Cariello, lembra que, no atual tabuleiro global, a China vem aumentando sua influência em regiões que antes tinham atenção de outras potências, como a América Latina. Enquanto isso, os Estados Unidos estão mais preocupados com terrorismo e Coreia do Norte, deixando terreno para Pequim.
— Creio que o grande problema é, na verdade, a assimetria de poder entre os dois países. A China é quem dita o compasso das relações com o Brasil, que, por sua vez, deveria ter um papel mais ativo e ter de fato uma agenda estratégica com relação ao país — entende Cariello, ressaltando que os maiores investimentos chineses no Brasil, no setor de energia, são de estatais centrais, ou seja, sujeitas às orientações do governo.
Para o professor do Insper Roberto Dumas Damas, a investida chinesa não só no Brasil, mas em outros países da América Latina e da África, integra a estratégia de internacionalização das suas empresas e de sua moeda, o yuan, como forma de fazer da China uma nação cada vez mais respeitada. Na África, houve tensão pela busca de trabalhadores chineses para tocar empreendimentos de capital de origem asiática e acusações até de que estaria em curso uma espécie de nova colonização do continente. No caso do Brasil, basta o governo aplicar boas regras regulatórias, entende Damas.
— O único país interessado em investir no Brasil ultimamente é a China. Se são confiáveis ou não, depende de nós. É preciso ter regulação. Deixar claro os contratos de concessão. Se não forem feitos os investimentos necessários e não houver qualidade, retoma-se o ativo e se faz novo leilão — diz o professor do Insper, autor de um livro sobre as transformações da economia chinesa.
O diretor do BricLab da Universidade Columbia (EUA) Marcos Troyjo também avalia que há espaço para qualificar a chegada do capital chinês, com impacto nos indicadores de investimento, ajudando o Brasil a formar a infraestrutura necessária para melhorar a competitividade a longo prazo.
— Precisamos mostrar aos chineses que existem oportunidades não apenas de aquisições, mas para projetos greenfield (sem aquisição), dando a eles um cardápio de opções de investimentos, principalmente em infraestrutura — diz Troyjo, referindo-se a empreendimentos que são erguidos do zero, o que teria maior impacto no PIB, e não apenas a compra de empresas ou ativos existentes.
Um exemplo são os investimentos em transmissão. Como a Shanghai Eletric no Rio Grande do Sul, a State Grid vai desembolsar R$ 9,6 bilhões para construir uma linha de 2,5 mil quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, até o Sudeste. Ao mesmo tempo, observa o especialista, o Brasil deveria seguir a receita chinesa de formar associação com empresas estrangeiras para assimilar tecnologia, como forma de, ao longo do tempo, criar mais áreas de competência no país.