Mais surpreendente do que o crescimento minguado da economia no primeiro trimestre foi o discurso do ministro da Fazenda após o resultado.
Considerado resistente à condução da economia por instrumentos clássicos, Guido Mantega disse que não haverá novas medidas para estimular o consumo e que a economia terá de se recuperar não mais com o combustível efêmero do consumo, mas por meio do "dinamismo do investimento" - sinal claro da nova orientação do Planalto.
A mudança de posição chama a atenção porque reflete pontos de vista sustentados por críticos do governo, economistas chamados de "clássicos", que consideram mais importante o controle de preços do que o crescimento, a disciplina fiscal do que a distribuição de renda.
Dados do Produto Interno Bruto (PIB) divulgados quarta-feira mostram que os gastos públicos se mantiveram estáveis em relação ao último trimestre. Enquanto isso, a despesa das famílias, motor do crescimento do país na última década, avançou apenas 0,1%, bem abaixo do aumento de 4,6% na conta chamada "formação bruta de capital fixo", que reflete investimentos produtivos.
Também faz parte da nova atitude do Planalto o surpreendente aumento de 0,5 ponto percentual na taxa de juro básica, mostrando que o Banco Central (BC) - antes acusado de ser tolerante com a alta de preços endureceu no combate à inflação. Especialmente após agosto de 2011, quando o BC iniciou um processo de redução do juro básico mesmo diante da inflação elevada, o governo federal era criticado por ter abandonado os chamados "três pilares" da economia que marcaram o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro de Luiz Inácio Lula da Silva: estabilidade de preços, ajuste nas contas públicas e câmbio flutuante.
Desde o início do governo Dilma, o Ministério da Fazenda já alterou seis vezes a alíquota e o prazo do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para frear a entrada de dólares, uma tese cara aos principais consultores econômicos da presidente. A preferência por atuações específicas rendeu reparos a um estilo de gestão econômica chamado de "microgerenciamento". Agora, os sinais de mudança são vistos com prudência à medida que uma alteração de rota pode trazer impactos políticos, financeiros e econômicos.
Prancheta ZH
Especialistas comentam possíveis consequências da nova estratégia na política econômica
Monica de Bolle, economista, atuou no FMI e é professora na PUC-Rio
Impacto político
O governo está reconhecendo que não existe mais espaço na economia para dar cada vez mais impulso ao consumo. É uma das razões pela qual a inflação está alta. Isso gera um desequilíbrio no orçamento das famílias, um excesso de endividamento para os que não têm renda suficiente.
Mudança econômica
Se não vai ter a força do consumo, terá de substituir pelo investimento. E a grande questão é como fazer para o investimento voltar. O governo tomou medidas bem intencionadas, como a desoneração de impostos, mas foram mal executadas. O quadro macroeconômico está meio desencaixado.
Efeito financeiro
Em comparação com outros países com dívida mais elevada, o quadro fiscal do Brasil parece auspicioso. É uma situação sustentável, mas não a ideal. As receitas do governo estão caindo, enquanto as despesas sobem, o que indica que as metas do superávit primário não serão cumpridas este ano. Devem ficar em 1% do PIB.
Alexandre Schwartsman, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper)
Impacto político
O governo finalmente admitiu que esbarrou nos seus limites. É um reconhecimento tardio e completo.
Mudança econômica
O cenário é de crescimento para o ano que vem, em torno de 2,5%. O governo está reconhecendo que políticas de estímulo ao consumo não são eficazes. O problema é a incapacidade de responder aos estímulos. O mercado de trabalho não tem pessoas suficientemente qualificadas para atender à demanda. A produtividade é muito baixa. O Banco Central foi obrigado, a contragosto, a subir o juro.
Efeito financeiro
Mesmo com o PIB baixo, o mercado de trabalho muito provavelmente terá uma taxa de desemprego menor. Não será surpreendente se baixar para 5%. Os salários vão continuar ganhando da inflação, não todo mês, mas ao longo do período. Mas a inflação não vai baixar. Vai continuar acelerando, mesmo com crescimento baixo.
Julio Cesar Gomes de Almeida, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda
Impacto político
A mudança de rota não traz nenhum grande impacto político porque Mantega não disse que vai desfazer o que já fez, só indicou que agora vai usar outra receita. Talvez isso indique novos estímulos para setor privado.
Mudança econômica
O governo fez o que deveria ter feito. Deu incentivos, retirou impostos. Talvez, se não tivesse estimulado o consumo, não teríamos nem "pibinho". Incentivar o investimento é o caminho certo. Mas, para isso, é preciso investimento público, que tem de ser mais forte. Como o empresariado ainda está desconfiado, cabe ao agente público romper a inércia.
Efeito financeiro
O impacto na dívida pública será palpável. E o investimento privado também vai ser desestimulado. Com a inflação acima do teto, é o mais sensato a fazer. Mas também não dá para aumentar demais o juro, a ponto de jogar pela janela o avanço nos investimentos. Temos que dar crédito a esta gestão do Banco Central que até aqui acertou mais do que errou.
Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia/FGV
Impacto político
Tanto crescimento baixo quanto juro alto têm custos políticos. Mas o descontrole da inflação poderia sair mais caro. Finalmente o governo parece ter entendido que ter preços em ordem é importante para o crescimento sustentado. A inflação vai demorar um pouco a ceder, então o maior desafio será manter o níveis de emprego em alta, o que mais impacta politicamente para qualquer governo.
Mudança econômica
Haverá impacto, com certeza. Mas o que mais importa agora é o controle da inflação, como o BC mostrou ao optar pelo aumento de juro de 0,5 ponto. Mas é preciso mudanças mais drásticas para ver se o governo está mesmo se rendendo à economia clássica. É só um começo. Falta deslanchar os pacotes de privatização, fazer mudanças regulatórias e ter política fiscal mais apertada.
Efeito financeiro
Vai impactar na política expansionista do governo, que agora precisará ser mais econômico. O aumento da taxa de juro ainda não é tão significativo para as despesas públicas.
Fernando Ferrari, professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Impacto político
O discurso do ministro da Fazenda pode ser visto como político, já que estamos em ano pré-eleitoral. Mas a mudança de rota está mais relacionada à credibilidade. Acho que Mantega caiu na real. Da mesma maneira que não adianta ficar dizendo todo ano que vamos ter "pibão", não pode ficar defendendo crescimento com base no consumo. Se continuasse insistindo, iria perder ainda mais crédito.
Mudança econômica
Para fazer o país crescer mais não basta trabalhar em política fiscal, cambial e monetária. É preciso criar um cenário favorável ao investimento privado, o que até agora não ocorreu. Sem dúvida, apostar em investimento é um aspecto positivo. Mas para isso é preciso reconquistar a confiança do empresariado, ter câmbio competitivo e reduzir custos de produção.
Efeito financeiro
O aumento do juro não terá impacto no PIB, ao menos este ano. Mas terá influência direta na dívida pública. Para pagar juro maior, o governo vai precisar apertar o cinto e ter um superávit primário mais robusto. E uma política fiscal mais rígida significa menos dinheiro para investimento público e para programas sociais.