A família Corradi fabricava silos para armazenagem e transporte de grãos em Cascavel (PR) quando surgiu a oportunidade de ingressar em um negócio totalmente diferente, a fabricação de carrocerias para ônibus. Em Erechim, a Indústria de Carrocerias Serrana (Incasel) havia decretado falência depois de 35 anos de trabalho. Era a chance de a família assumir uma empresa que já tinha história, mercado e marca.
Deoclécio Corradi viajava para Mato Grosso quando leu em Zero Hora um anúncio do leilão da indústria, com um pavilhão de 5 mil metros e lance mínimo de Cr$ 3,5 milhões (3,5 milhões de cruzeiros), o equivalente na época a cem alqueires de terra. A massa falida da empresa foi comprada em leilão, em 15 de outubro de 1985.
- Era daqueles com lances feitos no grito, como nas festas de igreja, para comprar bolo, acompanhado por prefeito, promotor de Justiça e uma centena de funcionários que haviam perdido seus empregos - lembra Corradi.
Deoclécio e Rovílio Mascarello ficaram em pé, no meio do público, sem coragem de sentar entre os interessados, engravatados acompanhados de advogados. Mas o lance vencedor foi o dos dois, que tinham até torcida, já que o grupo pretendia manter a indústria na cidade, preservando empregos e movimentação econômica.
A princípio, os dois segmentos - ônibus e armazenagem de grãos - foram mantidos pelo grupo, no Paraná e no Rio Grande do Sul. Mas em 2001, o crescimento da empresa que invadiu mercados brasileiros e de 50 outros países exigiu atenção diferenciada, e as duas empresas se dividiram. Com isso, houve também a cisão familiar para a administração dos negócios. Coube a Deoclécio a presidência executiva da empresa até então dirigida pelos irmãos Dairto e Diones. Para ficar perto da linha de montagem, Deoclécio e a mulher Jussara, que respondia pela área financeira, mudaram-se para Erechim.
Em uma das maiores crises da Comil, a empresa familiar percebeu a necessidade de mudanças na gestão. Em 2005, assumiu um cliente para exportação que exigia grande quantidade de produção. Sem setor financeiro especializado para acompanhar mudanças cambiais, a empresa foi surpreendida pela desvalorização do dólar.
Cartas na mesa para crescer
Foi neste clima que chegou à empresa o administrador Silvio Calegaro, assumindo a direção financeira em 2005. O profissional ajudou a liderar um processo de reconstrução. Em vez de esconder a crise, os diretores optaram por divulgar a real situação no mercado financeiro.
- Abrimos o jogo com os bancos, colocamos nossos problemas e definimos um plano de reestruturação. Saímos em busca de crédito, e deu certo - avalia Calegaro.
Somada à redução de despesas, essa postura fez com que a empresa voltasse a ter saúde financeira. Calegaro assumiu como diretor-geral, passando a definir as estratégias em conjunto com o conselho de administração, composto por quatro acionistas e dois membros independentes. Assim, a companhia mudou a figura jurídica de empresa limitada para sociedade anônima e passou a ter demonstrações contábeis auditadas pela Ernst & Young. Recentemente, obteve classificação de risco atribuída pela Standard & Poor's.
O processo de transição entre empresa familiar e profissionalização foi responsável pelo crescimento financeiro e institucional da empresa. O faturamento, que em 2007 era de R$ 295 milhões, chegou ao final de 2011 em R$ 550 milhões - crescimento de 53%. Nessa trajetória, o produto também chegou à maturidade com três linhas - rodoviário, urbano e micro - que tomam hoje uma boa fatia do mercado brasileiro.
Sempre de olho em novos mercados, os ônibus da Comil evoluíram em design, conforto e tecnologia e rodam da capital gaúcha à histórica Ouro Preto (MG). Surgiram até os micros Piá, para transporte de pacientes por prefeituras no interior do Estado. A partir do segundo semestre de 2013, a Comil vai operar com uma segunda unidade, já em obras em Lorena (SP). A ideia é levar para lá todo o setor de produção de ônibus urbanos, pois operar no centro do país, onde estão os maiores fornecedores de matéria-prima, como o chassis sobre o qual o ônibus é montado, vai reduzir os custos tornar o produto ainda mais competitivo.
A nova unidade, com investimentos de R$ 110 milhões, produzirá com alto nível de automação, sem mexer na estrutura em Erechim, onde permanecerão a gestão da companhia e a produção de linhas de maior valor agregado, como o rodoviário. Modelos de luxo como o HD e o DD (dois andares) continuarão a ser feitos na cidade, aproveitando a qualidade da mão de obra gaúcha.
Perfil
Empresa: Comil Ônibus SA
Produto: montagem de carrocerias para ônibus em modelos rodoviários, intermunicipais urbanos, microônibus e especiais O parque fabril, de 40 mil metros quadrados, tem capacidade de produção de 4,5 mil unidades/ano.
Mercado: todo o Brasil e 30 países
Faturamento: saltou de R$ 295 milhões em 2007, para R$ 550 milhões em 2011.
As exportações representam 14% da receita
Unidades: Erechim (RS) e Lorena (SP, em implantação)
Funcionários: 2,7 mil