Muitas famílias têm sido forçadas a fazer malabarismos financeiros para manter as contas da casa no azul diante da escalada dos preços de produtos básicos. Conforme a inflação oficial do país (IPCA) de julho, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14 alimentos que fazem parte do dia a dia dos gaúchos estão entre os 20 itens que registraram a maior alta em 12 meses na região metropolitana de Porto Alegre, como a batata-inglesa – que subiu 87,6% –, e o leite longa vida, com avanço de 70,8%. Neste ranking, que corrói o poder de compra, também estão as frutas, com aumento de 39,8%.
Diante desse cenário, fica difícil pensar em gastar menos do que se ganha e controlar as finanças. Mas, para especialistas, organizar a vida financeira é fundamental em momentos de crise e pode evitar que os gastos virem uma bola de neve.
— É urgente falar sobre educação financeira com toda a população, respeitando as condições socioeconômicas de cada um. Porque sem organização financeira, podemos ficar em uma situação muito pior de endividamento — explica a orientadora financeira e empresária Nathália Rodrigues.
Nath Finanças, como é conhecida nas redes sociais, defende que é preciso explicar de forma simples e direta como lidar com as contas e organizar o orçamento. Segundo a orientadora financeira, muitos conteúdos sobre o tema são técnicos, pouco práticos e fora da realidade da maioria das pessoas.
Quando os preços sobem, é natural que os consumidores passem a tentar economizar, pesquisando e deixando de lado produtos supérfluos. Porém, também é em momentos de crise que se aumenta a chance de cair em propostas enganosas de enriquecimento rápido ou de empréstimos com juro abusivo.
Gerente de produtos do Serasa, Flávia Cosma, acrescenta que o controle das finanças não costuma ser ensinado em casa ou nas escolas. Por isso, não faz parte do dia a dia das pessoas cortar gastos, olhar o quanto eles representam no orçamento e saber o momento certo de parcelar as dívidas.
— O primeiro ponto é se perguntar: o que ganho paga tudo que estou gastando? A pessoa tem que ter noção disso. Anotar as despesas, parcelas, os juros e tentar não se endividar com algo que não é necessário (veja mais no gráfico abaixo) — explica.
Além da escalada da inflação, a taxa básica de juros (Selic) está em 13,75% ao ano, após novo reajuste promovido pelo Banco Central em junho. A taxa atingiu o patamar mais alto desde novembro de 2016.Quanto mais alto esse índice, maiores serão os juros cobrados em financiamentos, como empréstimos e cartões de crédito.
O aumento nas taxas de juros cobradas pelo mercado também reflete o nível de inadimplência das famílias. Conforme dados mais recentes do Serasa Experian, o número de consumidores maior da série histórica. São 3,61 milhões de pessoas com o “nome sujo”, ou seja, negativadas, 122 mil a mais do que em janeiro.
— É importante negociar e tirar uma parcelinha do que ganha para pagar uma dívida para que ela não vire uma bola de neve. Se as contas acumularem, você nunca vai conseguir pagar as atrasadas — afirma a gerente do Serasa.
O abismo entre os salários no país também demonstra que, para uma grande parcela da população, a organização financeira é muito mais difícil. Segundo dados do IBGE, 33,8 milhões de brasileiros vivem com até um salário mínimo. Outros 31,6 milhões ganham entre um e dois salários. Em contrapartida, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (Dieese) afirma que o salário mínimo necessário para o brasileiro pagar as contas seria R$ 6,5 mil, um acréscimo de R$ 1,1 mil comparado à estimativa de junho de 2021. Atualmente, é de R$ 1.212.
— A gente sabe que viver com dois salários mínimos é muito pouco, pensando numa família de quatro pessoas. Mas temos que olhar para as contas e verificar se tem algum tipo de gasto que não faz sentido ou comprar em um lugar mais barato — destaca Flávia Cosma.
A orientadora financeira Nathália Rodrigues acrescenta que, além da crise econômica, há um fator comportamental na sociedade que leva as pessoas a acreditarem que são o que têm:
— E isso impulsiona o desejo de consumir sem necessidade.
Empreendedora dribla o aumento de preços
Fazer o orçamento familiar comportar um cenário de aumento de preços tem sido um desafio para a empreendedora Luciane Janarelli, 52 anos. O dinheiro para manter a casa vem de sua pequena cafeteria, complementada pela pensão do filho de 14 anos e do emprego da filha de 25 anos, que é enfermeira. Ela sentiu a escalada de custos após o início da pandemia, mas a situação piorou no último ano.
— Sempre tivemos uma vida mais tranquila. Nunca nos preocupamos muito com os preços no supermercado. Mas, ultimamente, é só o básico. Reduzimos a alimentação por delivery, por exemplo, e os pequenos luxos — diz.
Mesmo com todas as manobras para controlar os gastos, Luciane diz que hoje paga juro sobre juro no cheque especial. E já fez dois empréstimos. Quando termina de pagar um, começa outro:
— Ganhamos o mesmo do ano passado, mas não conseguimos viver sem crédito ou dívida.
Segundo o IBGE, o café, bastante utilizado na cafeteria de Luciane, está entre os 20 itens com a inflação mais alta em 12 meses. De julho do ano passado até agora, o aumento foi de 59,5%. A empreendedora afirma que não vai repassar o reajuste ao consumidor. Por enquanto, o aperto é feito em casa. Hoje, reduziram a saída com aplicativos de transporte.
A filha, que é enfermeira, vai ao trabalho de ônibus, e a natação do filho foi cancelada.
Dicas para colocar as contas em dia
GZH compilou dicas a partir das informações da Nathália Rodrigues, da Nath Finanças, e da gerente de produtos do Serasa Flávia Cosma:
O primeiro passo
Abra uma planilha de dados ou um bloco de papel e anote o quanto você ganha e quais são seus gastos. Isso vai ajudar você a entender onde pode economizar.
Receitas
Todos os valores que você recebeu mensalmente, seja o salário ou mais alguma renda extra.
Gastos fixos
São aqueles mensais, como aluguel, condomínio, boletos do carro ou da casa, contas de energia, água e gás. Ou seja, o que não pode ficar para trás.
Gastos variáveis
Variam de acordo com o mês, como transporte, alimentação dentro e fora de casa e medicamentos. Lembre-se de anotar todos os itens porque aqui já dá para fazer economia.
Gastos extras
Despesas extraordinárias que não ocorrem todos os meses, como hospital, educação ou veterinário.
Gastos Adicionais
Compras de serviços ou equipamentos que não são urgentes. Geralmente, são neles que devemos ficar de olho na hora de economizar.
Atenção!
O importante é não deixar de anotar nada. Essa visão ajuda a reconhecer gastos desnecessários e ter uma previsão doquanto você vai gastar e o que consegue economizar.
No papel
Por fim, anote todos os gastos que você fez ou gostaria de fazer, um embaixo do outro. No lado da despesa, coloque Sim ou Não. Depois é só responder onde dá para economizar.
O que fazer com as dívidas
Fuja dos juros mais elevados
Busque quitar as que possuem taxas de juros mais elevadas porque elas corroem a maior parte do seu orçamento. Para ajudar a acabar com essas contas em atraso, procure uma empresa especializada em crédito ou feirões que oferecem negociação de dívidas. Quando for conversar com o banco, é possível negociar até 100% do valor, por telefone, sem necessidade de ir a uma agência.
Negocie
Antes da conta atrasar, tente negociar com os bancos as datas de vencimento das faturas para deixá-las mais para frente. Caso não consiga alterar, veja a possibilidade de adquirir um crédito com juro mais baixo. Mas cuidado! Veja quanto será o valor final, já que atualmente as taxas estão altas.
Cortar, cortar, cortar... Falando assim, parece que a receita é fácil para organizar as finanças da casa. Não é, nem para mim, que cresci sendo ensinada sobre isso e hoje estudo bastante sobre o assunto. Acredite, volta e meia, eu preciso dar uma calibrada na lista dos gastos e revisitar os objetivos financeiros. Cortar gastos não é simples. É preciso escolher onde vai se passar a tesoura.
Outro ponto: você sabe a diferença de custo e de investimento? Ambos são gastos. Porém, o investimento pode te trazer um retorno imediato ou em um prazo mais longo.
Cortá-lo compromete isso. Aliás, esse retorno pode até ser financeiro, como algo que agregue à qualificação profissional. Então, às vezes, vale um aperto temporário em outras partes do orçamento, de olho em uma melhora de vida no futuro.
Com a inflação alta, fica mais difícil cortar. Às vezes, já se apertou o cinto até não poder mais. Aqui, resta aumentar a renda. Quem da casa pode fazer hora extra, achar um bico ou apostar em um emprego que pague melhor? É saudável para a família discutir e planejar as finanças. O peso da responsabilidade é mais fácil de carregar e aumenta a chance de ideias bacanas surgirem.