Ao fechar a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno, em 12 de julho, a Câmara dos Deputados criou a base do modelo que deverá ser cumprido pelos trabalhadores brasileiros que buscam a aposentadoria. As regras a seguir ainda têm de passar por aprovação em segundo turno na Câmara, com sessão programada para o início de agosto, na volta do recesso parlamentar.
Em seguida, o texto será encaminhado ao Senado Federal, onde terá de passar pela Comissão de Constituição e Justiça e pelo crivo dos parlamentares por dois turnos. Se o texto não passar por mudanças, será promulgado e as regras começarão a valer. Estados e municípios ficaram de fora da proposta após divergências na Câmara.
Os congressistas estão costurando acordo para tornar automático os efeitos da reforma aos governos locais por meio de emenda no Senado. Após pressão de entidades e da bancada ruralista, os critérios para aposentadoria de trabalhadores rurais não foram endurecidas.
A partir desta terça-feira (23), GaúchaZH publica série de reportagens sobre o que muda para os trabalhadores conforme as regras aprovadas até o momento. Nesta primeira parte, estão as alterações para o trabalhador da iniciativa privada. Na sequência, serão tratadas as normas para professores, policiais e servidores públicos.
No Regime Geral de Previdência Social, aquele que atinge funcionários do setor privado, no guarda-chuva do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), uma das principais mudanças é o fim da aposentadoria por tempo de contribuição.
No modelo em vigor atualmente, homens com 35 anos de contribuição e mulheres com 30 podem se aposentar. A regra aprovada na Câmara prevê como requisito básico idade mínima de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres entrarem no grupo apto a deixar o mercado de trabalho com a garantia de remuneração mensal.
Em ambos os casos, também é obrigatório o mínimo de 15 anos de contribuição para ter acesso a 60% da média salarial ao longo da vida de trabalho. Os homens que entrarem no regime após a lei terão de cumprir pelo menos 20 anos de contribuição. Para receber 100% da média, homens terão de contribuir por 40 anos e mulheres durante 35 anos.
Quem atingir os requisitos atuais para a aposentadoria até um dia antes da promulgação da reforma conseguirá o benefício com base no que vale atualmente em razão do direito adquirido.
Regras para suavizar transição
Após a lei entrar em vigor, trabalhadores que já estão no sistema poderão escolher uma das cinco regras de transição previstas no texto para diminuir o impacto na busca pela aposentadoria (veja no quadro abaixo). O texto cria mecanismos que usam como base a idade mínima e anos de contribuição.
Uma das normas mais vantajosas atinge as pessoas que estão a dois anos de conseguir o tempo mínimo para aposentadoria por tempo de contribuição no modelo que vale hoje. Mulheres com 28 anos de contribuição e homens com 33, por exemplo, poderão se aposentar trabalhando mais três anos — os dois que faltam mais um, que corresponde a pedágio de 50% sobre o tempo faltante. Como cada caso tem suas particularidades, os trabalhadores terão de levantar seu tempo de contribuição e escolher a melhor transição pelo critério de eliminação, que apontará o mecanismo mais vantajoso. O contribuinte também tem de levar em conta qual modelo oferece a melhor porcentagem para o benefício.
Aposentadoria que pode ser adiada em alguns meses
A auxiliar administrativa Neiva Beatriz da Rocha Kilian, 58 anos, está entre os brasileiros que se enquadram nas regras de transição. Ela começou a trabalhar com carteira assinada com 16 anos e acumulou até o momento 29 anos e cinco meses de contribuição.
Com a regra do pedágio de 50%, teria de trabalhar mais 10 meses e meio ao invés de apenas sete para se aposentar, conforme prevê a norma atual. Neiva também se enquadra nas regras dos pontos e de idade mínima.
— É complicado, porque você trabalha uma vida toda e quando está perto e tu acha que vai conseguir descansar vem essa bomba que diz que você vai precisar trabalhar mais um tempo — diz a trabalhadora.
Neiva, que é moradora de Porto Alegre, trabalha de segunda a sexta-feira, cumprindo jornada das 7h30min às 17h30min em uma metalúrgica localizada no bairro Belém Novo, na zona sul. Ela atua nessa empresa desde 2005. A auxiliar administrativa afirma que o adiamento do acesso ao benefício a preocupa menos do que o futuro dos seus filhos, de 25 e 34 anos. No entendimento dela, as regras que devem entrar em vigor criam um cenário no qual pessoas com a idade deles dificilmente vão conseguir se aposentar.
Aposentadoria que pode ser adiada em alguns anos
Um consultor de empresas de 52 anos ouvido por Zero Hora procurou um escritório de advocacia para analisar os melhores cenários possíveis no seu caso. O homem, que pediu para não ser identificado, tem cerca de 30 anos de contribuição.
No pior cenário, ele se aposentaria apenas em 2032 com 65 anos, seguindo a regra geral do projeto. Em um dos melhores horizontes, o consultor conseguirá o direito ao benefício em 2029, com 62 anos, seguindo a regra do pedágio de 100%, dobrando o tempo de contribuição que teria direito no modelo atual.
— Efetivamente eu não acredito que o benefício que o governo me oferece como aposentadoria vai permitir uma velhice ou uma terceira ou quarta idade dignas. Sempre procurei trabalhar com algum tipo de investimento em paralelo até porque a remuneração que o governo confere ao valor da aposentadoria é pífia — afirmou.
O trabalhador, que mora em Porto Alegre, diz que pretende procurar o escritório após a lei entrar em vigor para estudar a melhor transição, buscando uma alternativa menos prejudicial.
Fontes: advogada Jane Berwanger, conselheira do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), advogado especialista em Direito Previdenciário Everson Camargo e Tiago Kidricki, presidente da Comissão Especial de Seguridade Social da OAB-RS.