Mais motoristas gaúchos foram afetados, em 2018, pela punição administrativa mais grave prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). E o aumento em relação ao ano anterior não foi pequeno: em 2018, foram abertos em todo o Estado 21,7 mil processos de cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), contra 11,8 mil em 2017 – elevação de 83% segundo o Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran/RS). Somente em Porto Alegre, os processos mais do que dobraram no mesmo período, de 2,7 mil para 6,4 mil (137%).
Mas o salto nesse tipo de punição – de 2016 para 2017, o aumento havia sido de 36% – não tem relação com uma maior imprudência ou desrespeito por parte dos motoristas gaúchos. A razão, conforme o próprio departamento, é técnica: diz respeito a uma normativa federal que entrou em vigor no ano passado. Resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) define no capítulo sete que "poderá ser instaurado mais de um processo administrativo para aplicação da penalidade de cassação, concomitantemente".
Em ritmo oposto ao das cassações houve redução de 35% nos processos de suspensão do direito de dirigir, com 39,2 mil em 2018 contra 61,1 mil no ano anterior. Essa redução, de acordo com o chefe da Divisão de Suspensão e Cassação de Condutores do Detran/RS, pode estar em um temor maior dos condutores.
– A fiscalização está forte, as operações Viagem Segura e Balada Segura consolidadas e as abordagens continuam aumentando. O que pode explicar essa redução dos processos de suspensão é mesmo uma mudança de comportamento – diz Anderson Barcellos.
Entregas só de bicicleta
A cassação é aplicada somente em duas ocasiões: quando um motorista já suspenso é flagrado dirigindo ou quando ele é reincidente – dentro do período de 12 meses, em infrações como dirigir alcoolizado e praticar racha. Para voltar a dirigir, deverá cumprir o prazo de dois anos sem CNH, fazer o curso de reciclagem e todos os exames necessários para voltar a se habilitar. Esse curso, de acordo com o departamento, é cada vez mais realizado na modalidade Ensino a Distância (EaD), mas ainda é oferecido presencialmente nos Centros de Formação de Condutores (CFCs).
Segundo o Detran/RS, o valor total para recuperar a CNH cassada fica entre R$ 591,36 e R$ 719,94, de acordo com a categoria do documento, em valores atualizados neste ano.
O microempreendedor Sergio Fernando Botoni, de 58 anos, sabe sabe dessa conta. Morador do centro de Porto Alegre, ele teve a CNH cassada em 2016 e terminou no ano passado o prazo de dois anos longe da direção. Com negócio tele-entrega de água mineral, precisou se adaptar.
– Estou fazendo as entregas de bicicleta e conto com outras pessoas trabalhando comigo, que podem dirigir. Ainda bem que o físico está bom, mas o carro é muito importante para o meu trabalho – diz Botoni.
Botoni reconhece que cometeu infrações durante entregas de água, na tentativa de fazer o cliente esperar o mínimo possível. Já com a CNH suspensa, inventou de pegar novamente o volante e foi flagrado em uma blitz. Depois de todas aulas teóricas e exames, o entregador está só pela aprovação do teste prático, que tem se tornado um desafio.
– Fiz a terceira prova prática ontem (quarta-feira), não passei de novo. O próprio examinador me disse "olha, eu sei que tu sabe dirigir bem, o problema são os pequenos vícios". Por exemplo, não dá para pisar na embreagem e no freio ao mesmo tempo, é primeiro no freio – alerta o motorista.
Enquanto não passa, os custos só aumentam, fazendo a reconquista da CNH doer mais no orçamento.
– Ah, somando tudo já está passou muito dos R$ 600. Porque, além de pagar o curso de reciclagem, se paga tudo separado. Tem exames, tem prova teórica, prática, aluguel do carro. Fica pesado – lamenta.
O que é a cassação?
– É a punição administrativa mais grave, aplicada quando um motorista suspenso é flagrado dirigindo ou quando é reincidente, dentro de 12 meses, em infrações como dirigir sob o efeito de álcool, praticar racha ou entregar a direção para quem não tem habilitação.
– Não confunda com a suspensão, que é penalidade para quem atinge 20 ou mais pontos na CNH ou é pego sob o efeito de álcool, ultrapassa a velocidade em mais de 50% e pratica racha e outras. Neste caso, é preciso cumprir o período determinado pela lei, de dois meses a um ano, fazer curso de reciclagem de 30 horas e prova teórica antes de voltar a dirigir.
O que acontece com o condutor com CNH cassada:
– Fica dois anos sem poder dirigir. A cassação também pode ser aplicada como medida judicial, podendo ultrapassar dois anos.
– Para retomar a CNH, terá de fazer curso de reciclagem de 30 horas/aula, com o candidato podendo assistir até 10 horas/aula por dia. Ou seja, o prazo mínimo para conclusão do curso é de três dias.
– Também será preciso refazer todos os exames necessários (de saúde física, mental, provas teórica e prática de direção).
– A cassação não gera multa. Mas, se esse condutor for flagrado dirigindo, estará cometendo infração gravíssima: multa de R$ 880,41 e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado. Se não aparecer motorista, o veículo é recolhido ao depósito, e o proprietário precisará arcar com as despesas de remoção e estada no local.