Ninguém gosta de ficar no vermelho, muito menos com o nome negativado. Ainda assim, é possível que você passe por essas situações ao longo da vida. O fantasma da inadimplência tem assombrado mais de 63 milhões de brasileiros, segundo estimativas de entidades de proteção ao crédito como o SPC e a Serasa. O número supera 40% da população acima de 18 anos, um reflexo da crise econômica que assola o país há anos — mas, segundo especialistas, não só disso.
— Quando a gente pergunta por que os inadimplentes estão nessa situação, a maior parte diz que é por causa do desemprego. Depois disso, vem o pessoal que não se planeja e não tem controle das finanças — afirma Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito).
Para a economista, se houvesse uma cultura de planejamento, mesmo o desemprego não levaria à inadimplência de forma automática. Independentemente do motivo que levou a essa situação, a pessoa endividada e com o nome sujo na praça, desprovida de crédito e, em muitos casos, de renda, entra em uma espiral que pode adquirir contornos de suicídio financeiro: dívidas manejáveis se acumulam e multiplicam, até se tornarem problemas complexos cuja resolução pode levar anos. E castiga a saúde de quem deve e de seus dependentes.
— O cidadão que está em dívida com o sistema financeiro recebe os impactos emocionalmente no seu íntimo, na sua rotina, na sua estima e no seu relacionamento pessoal, com os familiares e, principalmente, no profissional. Ele leva esse endividamento para a sua tarefa profissional, se torna desmotivado, desanimado, e isso impacta na sua produtividade no trabalho – avalia o economista Alfredo Meneghetti Neto, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Especialistas concordam que ter o nome em um cadastro de inadimplentes é uma barreira para o superendividamento, e a situação deve ser encarada como um estímulo para assumir as rédeas da vida financeira. O ideal é que se possa fazer de um momento tão desafiador o primeiro passo para uma mudança de atitude. Sair dessa situação demanda uma combinação quase paradoxal de tranquilidade e objetividade para agir.
Então, mãos à obra: enfrente a situação. Confira, abaixo, 10 dicas de especialistas para sair do vermelho.
Passo a passo para sair do vermelho
1 - Conheça sua situação
- Liste todas as suas dívidas em atraso: carnês, cartões de crédito, cheque especial, financiamentos, cheques sem fundos etc. Se tiver dúvidas, busque os serviços de proteção ao crédito.
- No SerasaConsumidor, a pesquisa é gratuita e na hora. O atendimento presencial, em Porto Alegre, é feito na Rua dos Andradas, 1.438, no subsolo na Galeria Chaves, de segunda a sexta, das 8h30min às 16h30min.
- No SCPC, o atendimento é somente presencial, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 18h, no Centro de Atendimento ao Consumidor da CDL Porto Alegre e SCPC, na Rua Senhor dos Passos, 229.
2 - Detalhe os compromissos
- Solicite ao credor dados detalhados da dívida como saldo devedor atualizado, encargos, total de parcelas pagas e faltantes, taxa de juros contratada e período de inadimplência. Essa informação deve ser dada presencialmente ou via Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de lojas e bancos.
3 - Hierarquize pelos juros
- Feito o registro das despesas e receitas, é hora de escolher quais dívidas pagar primeiro. "Tem uma casa própria ou um carro que ainda está pagando o financiamento? Prioridade máxima. Depois, as despesas essenciais, como energia, água, gás. Não posso ficar inadimplente por mais de um mês, porque vão cortar o fornecimento", explica Reinaldo Domingos.
- Após as despesas essenciais, vêm as dívidas com juros muito altos, como as de cheque especial, financeiras e cartão de crédito, que levam a um efeito bola de neve e tendem a fugir do controle. Por fim, dívidas de crédito pessoal, com juros mais baixos, mas que podem levar à inadimplência e às consequências incômodas de se estar negativado.
4 - Saiba qual seu rendimento
- Para saber da sua capacidade de gastos e de pagamentos de dívidas, você tem de saber quanto ganha. "Tem pessoas que sabem que ganham três salários mínimos e deduzem que ganham cerca de R$ 3 mil, mas se esquecem de considerar impostos, INSS, o desconto de 3% do vale transporte. O líquido dela vai ser bem menos do que isso. Quem trabalha por conta própria, ou profissionais como médicos que recebem por consulta, têm de fazer uma média dos últimos 12 meses, até para identificar a sazonalidade, em que épocas ganham mais ou menos", explica a planejadora financeira Letícia Camargo.
5 - Conheça seus gastos
- Vale para atravessar a crise e deve ser mantido depois: controlar os gastos é essencial e estratégico. Experimente anotar ao longo de um mês tudo o que gastar, da compra mais banal até o aluguel ou aquela prestação gorda da casa própria.
- "As pessoas têm na cabeça aqueles gastos recorrentes, os boletos de todo mês, sabem quanto gastam em luz, água, telefone, condomínio, aluguel e no colégio das crianças. Mas não têm ideia do quanto gastam em presentes ocasionais, no salão de beleza, em viagens e supermercado. Às vezes, nem querem saber, porque a conta não fecharia. Mas precisam. Depois, chega a fatura do cartão e é aquele susto, 'Como, se não gastei nada?'. Mas foi e voltou do trabalho de Uber (R$ 20) ou deixou o carro no estacionamento (R$ 15), toma cafezinho com pão de queijo (R$ 10) todos os dias", exemplifica Letícia.
6 - Tome consciência de sua capacidade
- Feito este balanço de dívidas, gastos e receitas, analise com calma que gastos pode eliminar e quanto do orçamento consegue liberar para o pagamento dos débitos. Segundo a economista Marcela Kawauti, do SPC, essa análise tem de ser feita antes de se partir para a renegociação, para que não se negocie com insegurança, a outra parte proponha um valor mensal, e a pessoa concorde sem saber se terá como pagar de verdade.
- "Aí, acaba queimando o filme pela segunda vez", pondera Marcela.
- Quando o reincidente for renegociar uma nova dívida, vai ser difícil conseguir um acordo mais interessante.
7 - Libere espaço no orçamento
- "Pessoas que querem sair do vermelho ou estão no zero a zero devem congelar ou reduzir os custos variáveis, como as contas de energia elétrica e água, as compras no mercado e na feira. Qualquer pessoa consegue, em cerca de três meses, com boa consciência, reduzir de 20% a 30% do custo mensal", diz o educador financeiro Leandro Rodrigues.
- Nem sempre é necessário cortar os itens, mas adequar o consumo a sua realidade.
- "Gosto de recomendar que se substituam itens mais caros por outros de menor valor: trocar a TV a cabo pelo Netflix, academias caras por mais baratas, migrar para um plano de celular adequado ao uso real", exemplifica Camila Bavaresco.
8 - Negocie e converse com a concorrência
- É importante chegar para a renegociação informado, não apenas sobre a sua situação financeira, mas sobre as condições de financiamento na concorrência. Com a portabilidade, a dívida em um banco pode ser transferida para outro com taxas menores. Munido dessas ofertas, você poderá sensibilizar a instituição em que contraiu a dívida a buscar um acordo mais favorável para o seu bolso. Nunca aceite a primeira proposta.
9 - Portabilidade para todos
- Para o educador financeiro Reinaldo Domingos, mesmo quem não está inadimplente pode explorar o momento para renegociar financiamentos a taxas mais interessantes.
- "Por que não fazer portabilidade em todas as suas dívidas? Quando a pessoa financiou, os juros estavam em 14%, de repente baixaram para menos da metade. Busque alternativas em outras instituições e apresente na instituição em que você deve", indica Domingos.
10 - Dinheiro poupado deve ser usado
- Vale a pena pegar dinheiro da poupança, de outra aplicação ou alguma renda extra, como PIS/Pasep ou restituição de Imposto de Renda. Em alguns casos, compensa vender o carro para se livrar logo da dívida em atraso. Outra dica é adquirir um crédito consignado, que tem juros mais baixos, para quitar dívida com juro mais alto.