Já estou acostumada aos questionamentos e ignoro os xingamentos quando faço notícias sobre a inflação, que está baixa. Há uma acusação, no entanto, que me faz rir, mas também provoca desconforto. São aqueles que dizem: "A Giane Guerra vive em outro mundo, tem empregada que faz supermercado para ela e não tem noção dos gastos da casa."
Não, eu não tenho empregada. Aliás, nem babá eu tenho porque eu, meu marido e minha mãe optamos por nós mesmos cuidarmos das crianças. Por vontade deste vínculo e não por questões financeiras. Temos apenas uma pessoa que duas vezes por mês nos ajuda na limpeza da casa.
Então, sou eu que faço as compras lá em casa. E são muitas, já que cozinho a comida dos meus filhos, que são bons de garfo. Estou aliviada com o preço da banana, sabe? Consumimos cinco quilos por semana e na quebra de safra estava custando R$ 7 ou mais. Neste ano, acho o quilo a menos de R$ 3. Na feirinha de quarta-feira perto de casa, consigo a banana orgânica por R$ 4.
Quando o marido faz súper, envio pelo celular o encarte do dia das ofertas e escrevo o que realmente está com preço bom. Sei qual a rede que faz promoções em cada dia da semana e organizo as compras para aproveitar os preços. O mamão custa R$ 8 no domingo. Na quarta-feira, custa R$ 4.
Quando tem dúvidas, o marido manda mensagem com o produto e o preço e pergunta se deve comprar. O lenço umedecido só vale se custar menos de R$ 0,10 a unidade. Não adianta só olhar o preço do pacote. Tem que calcular o valor de cada lenço. O mesmo vale para o pacote de fraldas. Marca boa por R$ 0,50 a unidade? Te atira! Leite a menos de R$ 2? Pega uma caixa. Lembra que há dois anos o litro passou dos R$ 4? Foi quando a inflação quase bateu 11%. Produtos de higiene são comprados em fardos. Não acompanho muito o preço do pão porque faço em casa. Então, marido já sabe que farinha de trigo integral a menos de R$ 2 é para levar 20 pacotes.
Dá trabalho não gastar dinheiro? Dá. Ganhar também. Compenso assim os aumentos da conta de luz e da gasolina. Há tempo, optamos por ter apenas um carro em casa. Na ponta do lápis, compensou. Então, sem drama. Decisão tomada.
Mas eu não abro mão de viajar nas férias porque é o prazer da família. Então, namoro sempre a baixa temporada. Com o período na mão, começo a fazer cruzamentos de preços por vários dias. Passagens são quase sempre compradas por milhas, que a família junta ao longo do ano de várias formas. Se não, o destino escolhido certamente apareceu no topo do ranking de menores preços. Promoções relâmpago e cupons de desconto garantem uma boa economia na hospedagem, transporte e até na alimentação.
É assim que faço a inflação da minha casa. Não sou a estatística dos institutos de pesquisa. Faço parte dela. Sei que o IBGE constrói uma metodologia ouvindo a média dos brasileiros. Apesar dos meus cuidados com os gastos, sei que estou muito longe de ser a média. Não tenho a pretensão de me comparar com as famílias que deixam de comprar carne porque naquela semana não vai dar. Elas sofrem a inflação do leite e - ainda - do cigarro. Não a inflação do vinho fino e da comida pronta congelada.
Se até o Dieese está sendo xingado nas negociações salariais, o que sobra para mim, não é mesmo? Trabalhadores querem reajuste de 10% porque dois anos atrás foi este o percentual. Naquele ano do leite a R$ 4, lembra? Agora, com INPC a 2%, a mediana dos reajustes está 2,5% e as categorias reclamam. Perceberam que usei a palavra reajuste e não aumento, certo? Aumento é quando o ganho é real, ou seja, acima da inflação. A elevação forte de preços corrói o poder de compra de qualquer reajuste salarial. O ganho real agora está maior do que no ano passado porque a inflação está baixa.
— Uma das coisas que provoca essa incredulidade sobre a inflação é que os salários no Brasil ainda são muito baixos em comparação com os países desenvolvidos. O salário mínimo necessário deveria ser quase quatro vezes o atual — afirma Daniela Sandi, técnica do Dieese.
Quer desacreditar o IBGE, que calcula a inflação oficial? Tudo bem, mas o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, lembra que a instituição tem 80 anos e eu ressalto que temos outras empresas que calculam inflações paralelas no Brasil, como FGV e até a UFRGS. Acompanho todas e são bem parecidas.
Convido os leitores a duas coisas. Uma delas está relacionada a conhecimento, que é abrir uma vez as tabelas do IBGE, olhar a inflação do mês e de 12 meses e também o peso dos produtos no cálculo. Compare com o seu comportamento de compras. A outra está relacionada à educação financeira, que é tentar construir a inflação da sua própria casa. Vale a pena.